O azeite é utilizado há mais de quatro milénios em cosmética, remédios e, claro, em alimentos. É um tesouro da natureza que os romanos até consideravam um bem de luxo.
“O que nos surpreendeu foi a dimensão da associação que encontrámos. Ao modelarmos a substituição dos ácidos gordos saturados pelos insaturados (azeite) na alimentação diária, verificámos um considerável efeito para a saúde com uma redução de 17% no risco de morte”.
Segundo a revista “JAMA Internal Medicine”, estas são as conclusões de uma recente investigação conduzida por cientistas de duas das melhores universidades do mundo, Harvard e MIT, que revelou que a opção pelo azeite pode trazer benefícios significativos para a saúde, incluindo um menor risco de morte prematura.
Certamente não ignorando esta investigação, a FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos) anunciou que desde 28 de fevereiro deste ano o azeite reunia os requisitos para passar a ser um dos alimentos autorizados a utilizar na sua rotulagem a declaração de “Healthy Product”.
Por sua vez, no outro dos dois mais exigentes mercados do mundo que é a União Europeia, o azeite está também muito perto de conseguir um feito histórico com o respetivo rótulo a passar a poder exibir em qualquer embalagem as expressões “Reduz o Colesterol” e “Reduz a Hipertensão”, o que, na UE, só 15 alimentos ostentam.
No passado dia 21 de fevereiro a EFSA (Agência Europeia de Segurança Alimentar) fez sair a consulta pública acerca desta classificação que é o passo prévio antes da sua definitiva aprovação.
Ora, o azeite tem também tem efeitos neuroprotetores, reduz o risco cardiovascular e a inflamação sistémica, melhora a microbiota intestinal e regula lípidos e glicose para além de, ao substituir outras gorduras, contribuir para uma melhor gestão do peso de quem o consome.
Acresce que a produção de um litro de azeite captura 10,65 quilos de CO2 e a respectiva produção mundial absorve, no seu conjunto, emissões de CO2 equivalentes às que são produzidas por uma cidade de nove milhões de habitantes.
Em sentido contrário, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) o consumo de álcool está já na origem de 800 mil mortos por ano na Europa. Assim, no âmbito de um conjunto de diretrizes para a luta contra o cancro, tal como já acontece, por exemplo, na Coreia do Sul, Bruxelas autorizou a Irlanda e a Comissão estuda mesmo o alargamento na União Europeia da medida que obriga à inclusão nos rótulos do vinho e de outras bebidas alcoólicas de avisos, como no tabaco, sobre os riscos do seu consumo para a saúde, não só relacionados com o cancro mas também com as doenças hepáticas.
Comparando com rótulos deste tipo que, por exemplo, alertam para o facto de que “Fumar Mata”, desde logo porque a genuinidade dos diferentes azeites portugueses cumpre na íntegra a política da União Europeia “Do Prado ao Prato”, apetece-me aconselhar para os nossos rótulos: “Azeite dá Vida”!
No entanto, sempre confiando que o que hoje vale quatro amanhã possa valer 3,5, na sua permanente procura de baixos preços, os embaladores acabam a pressionar a adulteração e a fraude na rotulagem, aumentando o risco para si próprios e para os consumidores.
Por cá, a ASAE apreendeu em 2024 quase 150 mil litros de azeite e óleo em resultado de investigações em embaladores e distribuidores, quer em lojas físicas, quer através de plataformas virtuais, dando origem a 84 processos-crime e 51 de contraordenação que incluíram uso ilegal e usurpação de denominações de origem ou indicação geográfica.
Em 2023, a Europol e as polícias de Espanha e Itália desmembraram um gangue internacional e prenderam 11 pessoas apreendendo também milhares de litros de azeite falsificado. Em Espanha era utilizada uma empresa ligada à compra de azeite e em Itália estavam mesmo envolvidas duas importantes empresas de processamento de óleos.
E no Brasil o negócio da indústria da adulteração levou a que no final do ano passado as análises do Ministério da Agricultura revelassem a presença de outros óleos vegetais (soja, palma) misturados no azeite, comprometendo a sua qualidade e, por isso, a segurança do consumo, conduzindo assim à sua desclassificação e à proibição da venda de lotes de 12 marcas de azeite por impróprios para serem consumidos. Este Ministério alertou mesmo para a necessidade de sempre se desconfiar dos baixos preços por ser o azeite, depois do pescado, o segundo produto no mundo com maior registo de incidência de fraudes.
Antigamente, a forma de escoar o que sobrava do consumo das comunidades produtoras de azeite era através do recurso aos azeiteiros. Esta era a designação dos vendedores de azeite porta-a-porta, o que acabava a sujá-los muito e a dar-lhes bastante mau aspecto e só pessoas de baixo extrato social, rudes e mal-educadas o faziam pelo que, em vários locais em volta do Mediterrâneo, a venda de azeite, ainda por cima também usado como gel no cabelo por um particular grupo de indivíduos de má fama, ficou associada a atraso de vida e ao manhoso comportamento dos vendedores de outrora.
Bem sei que esta origem abona pouco em favor da boa imagem da atividade de comercialização de azeite, mas vai sendo tempo de quem a ela se dedica conseguir ultrapassar o estigma e, de forma profissional, poder contribuir para aportar valor a este produto. É que ele resulta de os olivicultores entregarem à moenda as azeitonas para que lhes seja extraído intacto e em estado puro o sumo com todas as suas qualidades organoléticas e nutricionais únicas para a saúde e ajuda muito pouco ao bom nome de toda a atividade que ele depois não se apresente assim ao consumidor.
Acho muito bem que a transformação procure dimensão para conseguir uma gestão mais empresarial e que os embaladores procurem margem para remunerar os seus acionistas. Mas, nós os olivicultores, também temos que exigir às nossas cooperativas, associações, federações, confederações e quejandos, bem como ao próprio Ministério da Agricultura, que não se subtraiam às suas responsabilidades e ajudem à transparência nos preços e à confiança do consumidor. Para isso deve caber-lhes defender a tradição e a segurança alimentar, a valorização da produção local e a garantia da origem, bem como a promoção dos ciclos logísticos curtos. Assim, será certamente possível uma correta perceção de valor e uma imagem de prestígio que promovam a autenticidade e a qualidade de uma das poucas gorduras que é sumo de um fruto.