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Luís Godinho: “50 anos depois de Abril, o voto ainda é uma arma”

Luís Godinho, jornalista

Sendo elevados, os números da abstenção em Portugal não são tão dramáticos como por vezes se pensa. A Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) comparou o número de eleitores recenseados com o da população adulta efetivamente residente em cada distrito e chegou a uma conclusão interessante: em 2021, o número de eleitores recenseados no Baixo Alentejo era 8% superior ao dos adultos residentes, percentagem equivalente à dos distritos de Portalegre (7%) e de Évora (6%).

Quer isto dizer que o número de habitantes é inferior ao de eleitores, o que tem diversas explicações, uma delas é a emigração. Como a maioria dos emigrantes, muitos deles até sem intenção de se fixar permanentemente no estrangeiro, não se encontra em Portugal no momento das eleições, nem se recenseou nos círculos da emigração, onde o exercício do voto está longe de ser fácil, a abstenção surge inflacionada.

O estudo comprova ainda que o “desvio” entre o número de eleitores e de residentes é maior nas freguesias mais pequenas, naquelas onde existe uma taxa de desemprego mais elevada e onde o decréscimo populacional se tem acentuado.

Aplicando estes dados às últimas legislativas, ou seja, olhando para a estimativa de adultos portugueses residentes em Portugal e não para o número de eleitores, a abstenção seria de 35% a nível nacional. Embora abaixo dos 49% registados, é uma taxa ainda muito elevada.

Será interessante cruzar estes dados da FFMS com os resultados do mais recente “Portugal, Balanço Social”, publicado pela Nova SBE, segundo o qual 56% dos portugueses com rendimentos mais baixos dizem estar “nada interessados” na política, tema que, por outro lado, “interessa” ou “interessa muito” a uma percentagem idêntica dos mais ricos, daqui resultando uma “desigualdade” na participação política que os autores do relatório sublinham ser “também visível” nos dados da abstenção, o que “compromete a qualidade da democracia na medida em que reduz a representatividade” das famílias com menores recursos.

Temos assim que o resultado das eleições não reflete as preocupações sociais e políticas de boa parte dos eleitores jovens, inscritos nos círculos eleitorais de origem mas a residirem no estrangeiro ou no litoral, e muito menos as dos mais pobres, uns e outros, na sua grande maioria, alheados dos processos eleitorais. Há medidas adotadas por diversos países com resultados positivos para incentivar a participação eleitoral (do voto eletrónico, ao voto por correspondência ou ao voto por procuração para os que se encontram fora do território, como sucede na Bélgica).

Como nenhuma delas será implementada antes das legislativas de 10 de março, cabe a cada um de nós contribuir para que as próxi-mas eleições reflitam tanto quanto possível aquilo que todos deseja- mos para o nosso futuro coletivo. Poderemos fazê-lo não só através do voto, mas também incentivando familiares, amigos e vizinhos a irem votar, a escolherem o caminho com que melhor se identificam. Seria, simultaneamente, um bom contributo para celebrar Abril e para combater os populismos fundados na intolerância, no ódio e no medo.

Nas eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas em 1975, alguém lançou o ‘slogan’ segundo o qual “o voto é uma arma do povo”. Viegas eternizou-o num ‘cartoon’ publicado no jornal “República”. É bom lembrá-lo quando a democracia, que tínhamos por consolidada, é alvo de ameaças em Portugal, como por toda a Europa.

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