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Carlos Cupeto: “Turismo”

Carlos Cupeto, professor da Universidade de Évora

Em agosto de 2017, no “Expresso”, escrevi sobre turismo e comecei assim: “A alma de Veneza perdeu-se e a cidade converteu-se num parque temático tipo Disneylândia onde chineses vendem a outros chineses por um euro máscaras venezianas fabricadas na China”. Passados mais de seis anos, continuo sem ter nada contra os chineses. Cá continuamos impávidos e serenos à espera de mais turistas, com inveja de Veneza. É só isso que conta, mais turistas.

Vivemos sem aprender a lição dos outros que vão à nossa frente. Sabemos que o turismo tem sido a nossa salvação, tudo à nossa pequena escala, habituámo-nos a ver, em Évora, a Rua 5 de Outubro cheia de gente para baixo e para cima, quantos mais melhor, e ficamos eufóricos. O valor que esta gente deixa é muito pouco – alguns compram um íman para o frigorifico ou uma garrafa de água – quando comparado com o que nos custa; julgo que a equação é óbvia para evitar o listar de uma vintena de parcelas correspondentes aos elevados custos deste tipo de turismo.

O objetivo do turista que nos visita é viajar cada vez para mais longe em menos tempo com a intensidade máxima. Depois da viagem em ‘low cost’, exige e consome sem limites. Este turismo é um produto do nosso tempo com uma fatura de valor incalculável, que inevitavelmente será cobrada um dia: “faz e leva o quiseres desde que pagues uns trocos”, o quanto basta para o nosso contentamento.

Nunca podemos esquecer que um dos maiores argumentos do turismo em Portugal é ser barato. Sem tempo para pensar, todos os anos a nossa grande alegria é ter mais turistas. Enquanto a maré da quantidade se mantiver, vamos vivendo, muitos restaurantes têm fila à porta, e isto nos satisfaz, se a fila não nos tocar. De resto, cobra-se mal e paga-se pior, pelo que é normal que faltem pessoas qualificadas para trabalhar no turismo.

Na verdade, o turismo em Évora, um pouco mais qualificado, não traduz o resto do Alentejo, onde faltam turistas. Mas vender umas canecas de barro em S. Pedro do Corval e ter as praias de Alqueva cheias de espanhóis nos ferventes dias de verão é pouco. O Alentejo precisa de mais e melhor e tem condições para o conseguir.

Temos um conjunto de patrimónios de grande valor, cultura, história e tradição; é urgente estruturar produtos, promover experiências e contar histórias que partilhem o nosso modo vida, saberes e fazeres. Apesar de muitos disparates conseguimos, essencialmente devido ao vazio por inação, manter um património e capital natural que globalmente, incluindo a Europa, são cada vez mais escassos e raros. É por aqui que temos de ir valorizando o que temos de melhor e nos distingue.

É absurdo que a Vidigueira e Cuba pensem e façam o que quer que seja separadamente, e que Évora não encha o castelo de Arraiolos de visitantes. No que respeita à agenda, já a sabemos há muito, só falta assumi-la e cumpri-la: combate à sazonalidade; valorização dos patrimónios e cultura; desconcentração da procura; qualificação e valorização dos recursos humanos; estímulo à inovação e ao empreendedorismo. Se não for por aqui, qual é a alternativa? Mais turistas, até que a vaga acabe ou rebente.

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