Mercedes quis criar uma residência de artistas. Nasceu a Córtex Frontal

Arraiolos tem um trunfo na área cultural. A Córtex Frontal promove uma residência artística aberta ao mundo, sem esquecer os alentejanos e o nosso território. Alexandre de Barahona (texto e fotografia)

No próprio dia (feliz) em que o casal falou sobre a possibilidade de virem a criar uma residência para artistas, resolvendo procurar a casa de sonhos no Alentejo, onde esta pudesse funcionar… encontraram.

“Descobrimos um anúncio na internet e no dia seguinte viemos de Lisboa a Arraiolos visitá-la. Era exatamente isto que queríamos, e ficámos”. Desta singela forma nasceu a associação Córtex Frontal, fruto de uma ideia de Mercedes Vidal-Abarca: “Eu produzo muitas ideias por minuto”, previne.

“Faz agora 10 anos, nem sabíamos bem como faríamos e no início vieram dois ou três artistas unicamente. Depois ganhámos confiança e mais chegaram, concorremos a uns concursos, produzimos nós próprios alguns projetos em molde de mecenato”, recorda a espanhola, num português quase perfeito, enquanto à mesa de ferro forjado que fronteia o jardim me serve chá de um bule encarnado.

Aquela casa, na realidade, fora a residência de um morgado alentejano, situada bem no âmago da vila de Arraiolos e cujo nome de família cederam à rua em que foi construída. Meio em ruínas aquando da aquisição, beneficiou de profundas obras de conservação. Contudo, no seu interior as paredes mantiveram o aspeto de uma certa degradação sofrida pelo tempo, fazendo lembrar as rugas, as cicatrizes que a vida nos desenha sobre a pele.

Pelos corredores e salas rege o bom gosto sem quaisquer sinais de ostentação, um asseio quase espartano, os quartos onde pernoitam os artistas são amplos, mas austeros, assinalando que o essencial, ali, reside em permanência no propósito das suas estadias: fruir da duração e do lugar em prol da criação artística, em acordo com a partilha cultural e do território por todos e entre todos experienciada.

Natural da cidade de Vitória, capital do país basco espanhol, casada com o português Nuno Félix da Costa, médico e também ele artista, Mercedes Vidal-Abarca afirma concentrar-se 24 horas por dia no Córtex Frontal. “Córtex porque lembra a palavra cortiça, e porque esta zona do cérebro é a responsável pela organização, pelo planeamento, ordenamento das coisas, sem isso, seria impossível um projeto como este. Tenho muitas ideias, mas também sou uma pessoa muito organizada, que sabe o que pretende e insisto muito para alcançar o que quero. Desistir, nunca. Insistir, insistir.” reconhece.

Confessa até ter uma perso- nalidade “de ‘bulldozer’, con- forme diz, o que acreditando destoa por completo do seu físico frágil, gracioso, onde a beleza se entremeia com rabiscos de timidez. E porquê cá pergunto-lhe. “Porque o Alentejo tem uma paz e uma calma extraordinários”, responde. “Apaixonei-me pela região e por Arraiolos em particular. Tenho a sorte de ser estrangeira e isso permite-me gostar de tudo, de ver as mesmas caras todos os dias, de falar com as pessoas… tenho dúvidas sobre se fosse na minha terra natal, me sentiria assim”.

As instituições têm apoiado o projeto de diversas formas. A Universidade de Évora com uma troca de palestras onde vários artistas internacionais instalados na residência vão encontrar-se com estudantes de licenciatura ou mestrandos, e por vezes os residentes podem usar as oficinas de gravura e serigrafia. Menciona a Câmara Municipal: “estão sempre de acordo em colaborar, apesar de nunca ter abusado dos pedidos”, porque é mais importante manter essa colaboração viva. A extinta Direção Regional da Cultura apoiava com relevância em diversas iniciativas, questionando-se como foi possível fecharem aquele organismo estatal. A Junta de Freguesia disponibiliza uma carrinha e uma pequena verba anual. O maior volume de apoio provém da Direção-Geral das Artes (DGArtes) e da integração na Rede Portuguesa de Artes Contemporânea.

Na prática, a Córtex Frontal organiza residências artísticas, workshops, exposições, tentando envolver-se em projetos artísticos locais e regionais no domínio das artes visuais, performativas, literatura, têxtil ou música. E de modo que sempre se passe tudo bem, têm quatro pilares pelos quais se regem.

“O primeiro são os artistas e seus projetos”, que analisam ao receberem as candidaturas. O segundo “é o grupo, porque acaba por ser uma experiência social de oito a nove pessoas a conviverem, pelo que queremos que exista entre eles uma partilha dos seus conhecimentos, aprendizagens” e caminhos.

Por vezes surgem colaborações. Incentivam a produzir ‘workshops’ e todos os meses convidam alguém de fora para os organizar. “Estes dias são gratuitos e abertos aos arraio- lenses, fomentando situações muito interessantes”, proclama com ânimo.

O ponto três é a “comunidade”, a “relação com as pessoas que nos rodeiam de Arraiolos a Évora”, ou outros pontos do Alentejo. O quarto pilar é o território com a sua cultura e património.

“Quem vem de fora, deve interessar-se por conhecer e estudar o património alentejano e que este lhes possa servir de estímulo para o trabalho que aqui fazem”. O Alentejo não é um cenário, é uma cultura, uma história e realidade que importa eles levarem consigo, quando partirão.

Os desafios para este género de empreendimentos são inúmeros. Contudo, Mercedes não receia em identificar o mais dantesco: “O maior problema do Alentejo são os públicos. Há que saber criar públicos, aqui o público foge”. Porquê? Acha que o público alentejano é mais fechado? “Sim, mas eu sou espanhola, que sei eu sobre os alentejanos para responder? Mas sim, creio que é um público acomodado, talvez seja essa a palavra certa”, conclui.

Obviamente que ao longo da nossa conversa, teríamos de mencionar Évora/27 – Capital Europeia da Cultura. A Córtex Frontal foi visitada pela comissão que avaliava as candidaturas, e Mercedes tem orgulho nisso. Contudo também tem os pés assentes na terra: “Pode ser fantástico, mas para já é ape- nas uma marca. Talvez seja a oportunidade de criarmos pontes entre a cultura e o público, e isso possa ser um objetivo do Évora/27”.

Impelida a explicar-se melhor, responde: “Os artistas vêm ao Alentejo, oferecem o que têm e sabem, indo-se depois embora. E o que fica aqui? O que fica com as pessoas?”, questiona a basca, já arraiolense, prosseguindo: “Mas será que as pessoas querem? Também não sei. Gostaria que houvesse esse contacto ativo, genuíno entre os alentejanos e os artistas que vêm de fora”.

Mercedes Vidal-Abarca de monstra ter mais consciência e inquietação, que muitos alentejanos. “O Alentejo está a ficar vazio. Os jovens que se vão embora já não voltam. E os que ficam, não ficam muito felizes porque não tiveram oportunidade de sair. Há que implementar políticas para fixar as pessoas e os jovens. Ou para que aqueles que saem, possam um dia regressar”, finaliza arreliada. Quem inventou esse ditado, que de Espanha nem bom vento nem bom casamento?…

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