Jorge R. Almeida: “Não podemos estragar o que o Alentejo tem de melhor”

Em entrevista exclusiva, o presidente do Grupo Vila Galé, Jorge Rebelo de Almeida, diz que o litoral alentejano corre um “risco sério” de perder identidade face à massificação de grandes projetos turísticos. Trata-se do maior grupo turístico representado na região Alentejo, com seis unidades, a que se somará uma outra, em Elvas, a inaugurar em fevereiro do próximo ano. Luís Godinho (texto)

O Grupo Vila Galé está representado no Alentejo com seis unidades hoteleiras, três das quais em Beja. Porquê esta aposta no Alentejo?

Sim, temos uma presença forte no Alentejo. O primeiro hotel abriu em 2001 e fomos pioneiros em lançar o conceito de um hotel rural, numa herdade tipicamente alentejana e com um ambiente campestre. Hoje é o Vila Galé Alentejo Vineyards e está muito ligado ao enoturismo, porque também é nesta propriedade que produzimos os vinhos e azeites Santa Vitória. Mais recentemente, abrimos mais duas unidades, ambas também com conceitos diferenciados. Uma é o Vila Galé Nep Kids, pensado de raiz para o público infantil e onde os adultos só entram se acompanhados por crianças. Deu-nos muito gozo fazer este projeto, que já era o sonho antigo. E temos tudo para criar memórias felizes em família: piscinas, pista de condução, um lago com gaivotas, um elétrico, uma ambulância, um carro dos bombeiros e um jipe da GNR em tamanho real onde as crianças podem brincar, parede de escalada e muita animação. A outra é o Vila Galé Collection Monte do Vilar, um agroturismo recomendado para maiores de 16, ideal para relaxar e aproveitar a serenidade das paisagens alentejanas.

Além dos restantes…

Temos ainda hotéis em Elvas, Alter do Chão e Évora. Desde sempre que quisemos ter uma presença forte no Alentejo – não só em hotelaria, mas também através da nossa atividade agrícola – por reconhecermos o potencial da região, mas também devido ao que tem sido a aposta da Vila Galé no interior do país. Enquanto empresa sólida, acreditamos que um dos nossos desígnios também é puxar pelas regiões do interior, potenciar a coesão social e contribuir para criar centralidades turísticas, que ajudem a espalhar melhor os fluxos turísticos pelo país, que dinamizem essas zonas e gerem emprego. E o nosso interior é lindo de morrer.

Quais são os principais trunfos do turismo alentejano?

É um destino muito completo. Destacaria as boas acessibilidades, a qualidade da hotelaria, a gastronomia, a diversidade da oferta – enoturismo, ecoturismo, sol e mar, turismo cultural, os Caminhos de Santiago, os percursos para caminhadas ou para pedalar. A conjugação de tudo isto faz do Alentejo um destino único.

Noto que apesar de ser o maior operador turístico na região, o Grupo não tem nenhuma unidade na costa alentejana. A que se deve isso?

Ainda não aconteceu, mas estamos sempre atentos a oportunidades. De facto, já temos uma presença significativa na região e vamos reforçá-la.

Acha que a massificação de projetos, sobretudo de grande dimensão, na costa alentejana poderá retirar identidade àquele território?

É um risco sério que se corre. Temos já algumas zonas em Portugal que estão sobrecarregadas e por isso tenho vindo a alertar tanto para a importância de se distribuir melhor os turistas pelo território. Parte da nossa aposta no interior visa precisa- mente dar resposta a esse desafio. Por exemplo, os turistas que visitam Lisboa não têm interesse em ver só outros turistas. Não podemos estragar o que o Alentejo tem de melhor, que é a sua autenticidade. E a nossa aposta enquanto país deve ser ter melhores turistas, que tenham mais capacidade financeira e tragam mais receita. E não ter apenas mais turistas ou destinos massificados.

A recuperação de património foi outra aposta, designadamente em Elvas e Alter do Chão. Pergunto-lhe como têm estado a decorrer estas duas operações?

É um dos nossos desígnios e algo que nos dá muito prazer. Ninguém imagina o maravilhoso que é ver um edifício destruído e abandonado a ganhar nova vida e a transformar-se. Esses dois projetos em particular inserem-se no programa Revive e têm tido muito boa aceitação. Em Alter, trabalhamos com a coudelaria e há uma grande ligação ao mundo equestre. Isso permite-nos ter um hotel único, com uma oferta muito completa para famílias, mas também para eventos. Em Elvas, recuperámos o antigo convento de São Paulo, fizemos um salão de eventos magnífico na antiga igreja e todo o hotel ficou um charme. Estamos a fazer um grande trabalho de divulgação junto do mercado espanhol. Dá mais trabalho, é mais caro do que fazer novo, mas também nos dá muito mais emoção quando abrimos um hotel com história, que é único e que ninguém pode copiar. E os clientes adoram.

Sei que há um novo hotel para abrir em Elvas…

Sim, é o Vila Galé Casas d’Elvas, que será um hotel histórico e que vamos abrir em fevereiro de 2025. Estamos a recuperar vários edifícios emblemáticos no centro da cidade, a antiga fábrica da ameixa e os ex-edifícios do aljube eclesiástico e do conselho de guerra, para ter uma espécie de pequena aldeia no casco histórico. Terá 43 quartos, piscina panorâmica, restaurante e bar e salão de eventos, num investimento de 10 milhões de euros.

O Turismo do Alentejo lançou roteiros de investimento para atrair projetos para concelhos com menos procura, como Avis, Campo Maior ou Portalegre. A concentração da oferta em Évora e no litoral alentejano poderá ser um problema para o Alentejo enquanto região?

Tanto no Alentejo, como no resto do país, quanto mais conseguirmos convencer os turistas a procurar outras zonas que não as mais óbvias, melhor será para todos. Aliviamos as regiões que já estão muito sobrecarregadas. E damos a conhecer outras que ainda não são tão conhecidas, mas que têm muitos argumentos para captar a atenção de quem nos visita – cultura e património, gastronomia, novos produtos turísticos. Portugal só tem a ganhar. Se houver sempre novidades, quem vem terá motivos para repetir a visita e experimentar mais.

“Os turistas que visitam Lisboa não têm interesse em ver só outros turistas. Não podemos estragar o que o Alentejo tem de melhor, que é a sua autenticidade.

É possível traçar um perfil-tipo do turista que procura o Alentejo?

Tendo em conta a diversidade de clientes que recebemos, não há propriamente um perfil tipo. No nosso caso, recebemos muitos portugueses, mas também estrangeiros – brasileiros, espanhóis, alemães, franceses – que vêm para descobrir o que a região tem para oferecer, como a gastronomia, os vinhos, as paisagens. Também há alguns produtos mais de nicho como o cicloturismo, o birdwatching, os Caminhos de Santiago, o turismo equestre – muito importante em Alter do Chão, devido à ligação com a Coudelaria de Alter – e que têm cada vez mais procura e adesão, tanto no mercado nacional com estrangeiro. Adicionalmente, recebemos também eventos corporativos – team buildings, congressos, apresentações de produtos – e também batizados, casamentos, festas familiares. Tendo em conta a diversidade de hotéis que temos no Alentejo, conseguimos dar resposta a todo o tipo de clientes e pedidos.

Vamo-nos centrar um pouco em Beja. E começar pelos vinhos: há novidades no portefólio do grupo?

Teremos novidades em breve, já que prevemos lançar uma nova colheita de Inevitável, o nosso topo de gama, e uma novo monocasta, com Antão Vaz.

Qual a expressão do enoturismo no Alentejo?

É importantíssimo. No caso da Vila Galé, é um dos nossos principais produtos, uma vez que temos uma herdade onde produzimos vinhos e onde também temos três hotéis. Naturalmente divulgamos a nossa oferta de enoturismo em todos os hotéis. E queremos que todos os nossos clientes, mesmo os que estão noutras regiões, venham conhecer estas nossas propostas no Alentejo. Promovemos as nossas vinícolas em toda a rede Vila Galé em Portugal e no Brasil, mas também em Espanha e Cuba, onde chegámos recentemente.

Qual o potencial do enoturismo na região e quais os passos prioritários?

Tem sido feito um trabalho grande de divulga- ção global dos vinhos portugueses, sobretudo lá fora, e já temos reconhecimento a esse nível. É essencial manter a aposta nessa comunicação, sermos inovadores, termos bons produtos e boas marcas, ter mais visitas de jornalistas e de críticos e especialistas, dar a conhecer os vinhos regionais alentejanos em provas, em feiras e em concursos desta área, mostrar a nossa qualidade. Quando se fala em Alentejo, é inegável que é um destino já bastante associado a gastronomia e enoturismo.

A experiência do Vila Galé Kids tem correspondido às expectativas? É um modelo a replicar? 

Sim, o conceito tem sido muito bem recebido e vemos que as crianças adoram. É um sucesso e é possível que venha a ser replicado. Temos um grande foco no turismo para famílias e na oferta pensada para o público infantil. Este conceito oferece tudo o que procuram.

Ainda no Baixo Alentejo, há muitas críticas públicas às acessibilidades, falta autoestrada, o comboio não funciona em condições, o aeroporto não está aproveitado…. Em que medida este contexto é prejudicial para os operadores turísticos?

É óbvio que não ajuda. Não ajuda os operadores turísticos, não ajuda o Alentejo e não ajuda o país. É um grande entrave à melhor distribuição dos turistas pelo território. Refere aí um ponto importante que é o da ferrovia, da qual sou um grande defensor há muito tempo. É urgente ter um plano para investir na ferrovia com uma cobertura mais alargada, que realmente avance e que não fique apenas no papel. Devemos apostar na rede eletrificada, que até é mais amiga do ambiente, porque os comboios podem ter um papel crucial na divulgação do nosso anterior e na promoção turística. Há uns anos, organizámos uma viagem de comboio entre Lisboa e Beja, cuja estação final era na nossa herdade, na Figueirinha, usando uma linha que ainda lá está e que devia ser recuperada, por exemplo, para chegar ao Algarve. A bordo iam jornalistas e exemplos do que torna o Alentejo tão especial – os enchidos, o cante, os tapetes de Arraiolos. A ideia era mostrar que estes comboios temáticos têm imenso potencial. Devia apostar-se mais em comboios históricos, culturais, gastronómicos. E investir a sério no alargamento da ferrovia em Portugal, antes de se gastar milhões num TGV Lisboa-Porto-Vigo. Infelizmente, tem-se feito o contrário, que é desativar cada vez mais linhas e deixar o transporte ferroviário nacional definhar.

Como é que olha para o aeroporto de Beja? Que futuro poderá ter o aeroporto?

É uma infraestrutura totalmente válida e devia ser integrada na rede nacional, por exemplo, para retirar algum tráfego dos charters e de low cost da Por- tela. Não se entende porque não é mais aproveitado.

A instalação do novo aeroporto de Lisboa em Alcochete, com impacto grande no Alentejo Central, levará o Grupo Vila Galé a olhar com mais atenção para novos investimentos nesta região?

Há muito anos que investimos no Alentejo e de forma contínua, mesmo antes de haver o aeroporto de Beja e, obviamente, antes de existir a opção de Alcochete. É claro que a acessibilidade e a existência de um aeroporto entram na equação, mas não é isso que nos leva a desistir ou a avançar para um projeto hoteleiro.

Quase a fechar: Évora Capital Europeia da Cultura. Quais as suas expectativas para a iniciativa?

Tudo o que contribua para divulgar Portugal e a nossa cultura, desde que feito com pés e cabeça, tem um impacto positivo e só pode trazer benefícios para o país.

Os operadores turísticos já estão envolvidos na preparação do projeto?

Temos apresentado junto da Entidade Regional de Turismo algumas sugestões de forma que o maior número de agentes turísticos sejam envolvidos no planeamento do projeto Évora, Capital Europeia da Cultura. Pensamos que estes agentes podem contribuir de forma significativa para que esta acontecimento possa ser um marco que promova a totalidade do Alentejo. É importante desenvolver ações que promovam os territórios mais afastados de Évora como Elvas, Alter do Chão ou Beja, entre outros.

Da massificação que se espera para 2027 não poderá resultar uma saturação do potencial turístico de Évora?

Ainda falta algum tempo para essa iniciativa, pelo que só poderemos fazer avaliações mais certeiras após a sua realização.

De que falamos quando falamos da presença do Grupo Vila Galé no Alentejo?

Tendo em conta os hotéis e área agrícola temos em torno de 250 colaboradores, sendo que nos pico do verão este número aumenta cerca de 50%. O desafio da contratação não é só no Alentejo, é em Portugal. Sendo especialmente desafiador no interior do país. É necessário criar condições para as pessoas poderem viver no interior e aí desenvolver o seu futuro a nível de carreia e de família. Tem sido desastroso o que se tem visto a nível de acolhimento dos estrangeiros em Portugal e nas políticas de habitação, tanto para os estrangeiros como para os portugueses, sobretudo os jovens. Têm de se olhar a sério para essa área, mas também para a educação, saúde, justiça.

Então como olha para esta nova legislação que torna mais difícil a chegada de imigrantes e quais as consequências que daí decorrerão para o setor turístico?

O problema da emigração é realmente grave e precisamos de o resolver com rapidez e dignidade. É certo que é necessária mais mão-de-obra, mas não pode ser feito de qualquer maneira. Para receber quem quer vir trabalhar para Portugal, primeiro, temos de garantir que temos condições para receber essas pessoas, nomeadamente ao nível da habitação, da integração na cultura portuguesa, da formação profissional, da simplificação da atribuição de vistos para os trabalhadores de países de língua portuguesa, por exemplo. Enquanto essas condições não estiverem reunidas, temos de ter cuidado para que não haja uma entrada descontrolada de pessoas, que depois não temos como receber bem e integrar.

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