“João de Sousa Carvalho marcou bastante o panorama musical português”

Entrevista com Mafalda Nejmeddine, autora da série documental “Mestres e Sons Lusitanos”, que integra um episódio sobre João de Sousa Carvalho, um estremocense que se tornou num dos mais destacados músicos portugueses do século XVIII. Ana Luísa Delgado (texto)

Doutorada pela Universidade de Évora em Música e Musicologia na especialidade de Interpretação, sendo especialista em música antiga portuguesa, nomeadamente a sonata portuguesa para tecla, Mafalda Nejmeddine tem vasta obra publicada e é a autora da série documental “Mestres e Sons Lusitanos”.

Em entrevista, refere que João de Sousa Carvalho, o músico do século XVIII nascido em Estremoz, é autor de composições “que marcaram bastante o panorama musical” no Portugal da época, tendo sido autor de uma longa lista de obras, sobretudo na área da ópera.

Como é que surgiu esta série documental?

Bom, esta série documental foi pensada porque eu tenho feito várias pesquisas sobre os compositores, sobre o seu repertório nomeadamente para tecla, e surgiu a ideia de dar a conhecer, mais, estas obras, não só para tecla, mas também outras para orquestra, composições de grandes compositores portugueses que existem e que são muito pouco conhecidas. Então, a ideia de fazer uma série com um formato visual… achei que poderia ser muito interessante para divulgar a vida e as obras destes compositores portugueses.

No caso concreto de João de Sousa Carvalho, que nasceu em Estremoz, que importância teve na música no século XVIII?

João de Sousa Carvalho nasceu em 1745 em Estremoz, numa altura em que estava a terminar um estilo, digamos, barroco. E ele foi uma das pessoas que deu um grande impulso na formação de compositores do estilo seguinte, que seria o clássico. Portanto, ele nasceu em Estremoz, depois estudou em Vila Viçosa, seguiu para Itália para se aperfeiçoar na década de 1760, e quando voltou fixou-se em Lisboa e aí foi nomeado mestre do Seminário de Música da Patriarcal e teve como alunos compositores que hoje conhecemos com grandes nomes, que é o caso de Marcos Portugal ou João Domingos Bomtempo, que foram formados por Sousa Carvalho, ou até João José Baldi. Portanto, todo o conhecimento que ele adquiriu transmitiu-o a esses compositores, que foram também muito importantes. De outra forma, o João de Sousa Carvalho fez composições que marcaram bastante o panorama musical português da altura.

Quais as sua principais obras?

O João de Sousa Carvalho destaca-se no domínio da ópera, temos “L’Amore Industrioso”, por exemplo, e outras que ele compôs, como “Nettuno ed Egle” (1785), “Penelope nella partenza da Sparta” (1782)… isso no domínio operático. Depois, também compôs várias obras sacras, os te deum são obras fantásticas, para quem como ele compôs apenas uma obra. Foi essencialmente no domínio de orquestra que ele mais se destacou como sendo o principal compositor do estilo clássico.

Em Vila Viçosa, ele estudou no Colégio dos Santos Reis Magos. Era um colégio importante na altura?

Era um colégio importante e na região onde nasceu, Estremoz, não se conhece que tenha havido outro colégio dedicado à música. Porque em Vila Viçosa havia a Capela Real e então havia uma forte componente de ensino musical para formar os meninos que iam cantar na Capela Real ou tocar alguns instrumentos, daí ter sido um centro importante de ensino da música.

Este documentário traz algo de novo para a história da música e deste compositor, em particular?

Este episódio retrata a sua vida, com documentos, e faz-nos ouvir a música composta por Sousa Carvalho. O documentário vai compilar toda a informação que foi já utilizada por investigadores, mas sim, trazemos à luz alguns documentos que elucidam aspectos mais detalhados da vida do compositor. Temos os passaportes que foram filmados, os registos de batismo… há aqui dados novos, por exemplo, no registo de batismo constatamos que os pais não eram de Estremoz, mas sim da zona de Viseu e Lamego. Com a visualização do documentário pode perceber-se que isto era bastante comum na altura, na região do Alentejo, pessoas que vinham de fora para Estremoz e para a zona de Vila Viçosa, que aí se instalavam e, nalguns casos, faziam grandes fortunas. Vinham para o Alentejo para fazer riqueza e foi esse o caso da família do João de Sousa Carvalho.

Depois de se instalar em Lisboa, ele volta ao Alentejo?

Não, ele partiu do Alentejo para Itália e quando voltou instalou-se em Lisboa e ficou aí definitivamente. Não voltou mais ao Alentejo, faleceu em 1798 e está sepultado em Lisboa.

Porque é que a música destes compositores é tão pouco ouvida? 

Eu acho que, por um lado, isso deve-se ao facto deste compositores ainda não terem sido muito estudados, apesar de haver alguns estudos, são ainda muito reduzidos, quando comparado com os estudos que se fazem sobre compositores como Bach ou Mozart e por isso esses compositores, Bach e Mozart, foram transcritos, as músicas deles foram transcritas, há partituras e elas circulam nas escolas, os alunos tocam, tocam-se em concertos, gravam-se músicas… sem essa fase inicial, que não é só pesquisa da biografia e o estudo do compositor, mas também passar a música para o público, quer dizer, sem a fase de edição de partituras é difícil que elas sejam tocadas e que o compositor seja conhecido.

Ou seja, há muito trabalho a fazer?

Sim, no sentido de divulgar a música através da edição de partituras, mas também é necessário que os professores, nos conservatórios, fomentem o estudo destas músicas e a sua execução, que os diretores de festivais integrem nas respetivas programações as obras destes compositores, portanto, há também um interesse que deve ser fomentado para que quem tem o poder de fazer circular a música portuguesa o faça. Só assim estes compositores passarão a ter o mérito que merecem.

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