Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) comprovam a perceção de quebra continuada no comércio tradicional, não apenas no concelho de Estremoz, como em todo o Alentejo Central. Nos últimos 15 anos, o Alentejo Central perdeu quase 29% das empresas de comércio por grosso e a retalho, reparação de veículos automóveis e motociclos. No concelho de Estremoz, essa quebra foi de 23%. Se em 2008 o INE contabilizava no concelho a existência de 466 empresas comerciais, em 2022 esse número tinha baixado para as 328.
Com o aparecimento das grandes superfícies comerciais e com as compras online, muitas empresas fecharam portas. Outras subsistem, com uma longa his- tória. Assim tem sido há mais de 50 anos na Casa Galileu, que surgiu pela mão da família Sim Sim junto ao famoso arco das Portas de Santo António e que constitui uma referência no comércio de artesanato e produtos equestres da região.
Neste momento, diz o proprietário, o estabelecimento comercializa mais de dois mil artigos tendo em destaque os chocalhos, para o que que conta com um fabrico próprio, o artesanato tradicional de Estremoz, mas também os produtos equestres e de correaria, vergas, cadeiras, arcas alentejanas, o vestuário de forcado, montaria, caça e militar, entre muito mais.
“A loja esta aberta há mais de meio século. Inicialmente era do meu tio, o Galileu, depois mais tarde o meu pai assumiu o negócio e desde então é nosso. Somos das lojas mais antigas de Estremoz”, diz Pedro Sim Sim, sublinhando os chocalhos e a correaria são produto da “casa”, enquanto outros produtos artesanais são cada vez mais difíceis de adquirir, “ou porque falta stock, ou por falta de continuidade”.
Dito de outra forma: “Muitos produtos tradicionais que aqui tínhamos acabaram, eram feitos maioritariamente por idosos e atualmente os mais novos não sabem, nem querem, seguir essas tradições. Assim, estes trabalhos vão mor- rendo porque não passam para as novas gerações”.
Pedro Sim Sim confessa que a procura continua a ser bastante, mas “começa a ficar complicado” responder aos pedidos dos clientes. Por outro lado, a falta de apoios ao comércio tradicional tem sido um dos principais fatores que agravam as dificuldades enfrentadas por estes estabelecimentos, sobretudo os mais antigos. Estes negócios, que muitas vezes representam décadas de história, são essenciais para a identidade cultural da nossa região, mas no entanto estão a desaparecer, também por falta de incentivos financeiros ou fiscais.
“As ajudas são muito poucas e no tempo da pandemia vive- mos períodos muito complicados, não tivemos ajudas absolutamente nenhumas, tivemos de fechar portas, acabaram com as feiras, ficamos sem fonte de rendimento. Nalguns meses, se recebi metade de um ordenado foi muito”, lembra o comerciante, que aproveitou esse período para “tentar” o mercado espanhol. Não foi fácil, recorda, mas hoje a Galileu já se orgulha de ter “grandes clientes espanhóis, interessados na muito boa qualidade dos produtos”.
A mercearia de Nelson Fernandes, A Loja do Nelson, também soma meio século. “Primeiro a mercearia era gerida pelos meus avós, que depois alugaram o espaço a uma vizinha e, mais tarde, o meu pai comprou o trespasse”, recorda. Nelson abriu a loja há uns 25 anos, na Rua da Freirinha, mesmo no centro do Bairro de Santiago.
“É uma mercearia onde temos de tudo, até gás. Antigamente não havia tantos, então era uma questão de confiança no estabelecimento. As pessoas vinham porque gostavam das nossas coisas dos nossos produtos, como ainda hoje acontece claro”, acrescenta o empresário, lembrando os tempos em que por ali havia cinco mercearias, um talho e vários cafés. “As pessoas foram saindo e o bairro está cada vez mais vazio”.
Nelson Fernandes diz que no seu caso o período da pandemia de covid-19 acabou por não ser tão mau como noutros sectores. Antes pelo contrário. “Continuámos abertos pois vendemos produtos de primeira necessidade e as pessoas evitavam ir aos supermercados com receio do contágio. Estavam por casa, voltaram ao bairro e para nós representou até uma valorização da atividade comercial”, sublinha.
Na sua opinião, muitas das casas acabam por fechar, sobretudo os comércios mais antigos, pela “falta de vontade” das novas gerações. “Tenho a certeza que os meus filhos não vão querer continuar este negócio. Mas era fundamental continuar a existir uma loja no Bairro, até a pensar nos mais idosos, para que estes possam continuar a comprar perto de casa”.
A Reguladora, de Luís Santana, trabalha noutro ramo de comércio. “É uma ourivesaria que sempre esteve na nossa família. Era de um irmão da minha avó e o meu pai começou a trabalhar
aqui desde os seus 13 anos, acabando por ficar com isto. Eu comecei logo cedo a trabalhar com ele e, depois do meu pai falecer, assumi o controlo”. A casa fica no número 47 do Largo General Graça. “Fazemos revendas de marcas, não compramos ouro, vendemos e arranjamos as peças que os nossos clientes procuram”, conta.
Luís Santana diz que antigamente as pessoas compravam mais peças de ouro. “Era até uma maneira de investirem o seu dinheiro”. Hoje fazem-no sobretudo pelo gosto pessoal de uma determinada peça. O mercado mudou. E as peças em prata são muito mais vendidas. “Houve uma desvalorização do ouro e uma valorização da prata, mas ouro é sempre ouro e as pessoas continuam a comprar”. Particularmente em momentos festivos.
O comerciante reconhece que nem sempre tem sido fácil manter a porta aberta. E explica porquê: “É um comércio complicado, o país tem passado várias dificuldades, as pessoas não têm dinheiro e há sempre alturas piores que outras”. Ainda assim, A Reguladora tem ultrapassado todas as dificuldades e a porta está aberta há mais de 100 anos.