Agricultor e dirigente da Associação de Criadores de Gado de Estremoz (ACORE), Pedro d’Orey Manoel contabilizou mais de 30 animais mortos na sua exploração. Outros agricultores, também de Estremoz, vivem situações ainda mais graves. De acordo com as contas do ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, desde o início de setembro foram contabilizados mais de 66 mil ovinos mortos, num prejuízo para os agricultores de vários milhões de euros.
A que acrescem dificuldades na recolha das carcaças, uma vez que o Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos na Exploração (SIRCA), coordenado pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária do Ministério da Agricultura, “não tem tido a capacidade de pro- cessar o elevadíssimo número de animais mortos na sequência da epidemia de febre catarral ovina” que atinge já todos os distritos do país.
“O referido sistema não está dimensionado para uma situação catastrófica como a atual”, refere a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), segundo a qual muitos dos animais mortos “terão de ser enterrados nos terrenos dos seus proprietários por incapacidade operacional do SIRCA”. Diz a Confederação que esta “é uma situação excecional, estando todas as associações de produtores conscientes das precauções que terão de assegurar em termos de bios- segurança no enterramento dos animais”.
Embora podendo afetar igualmente bovinos e caprinos, o vírus da febre catarral ovina atinge em particular os rebanhos de ovinos. Tudo indica que este novo serotipo tenha chegado à Europa através de insetos arrastados pelo vento a partir do Norte de África, tendo esta nova estirpe da “língua azul” encontrado condições para se expandir, por força das alterações climáticas. Os primeiros focos desta variante foram registados “com grande intensidade” no Alentejo Central, rapidamente tendo alastrado a toda a região, que está atualmente confrontada com o problema.
Trata-se de uma doença transmitida por picada de mosquito e que provoca elevada taxa de mortalidade em ovinos, “co- locando o setor numa situação sanitária preocupante e ameaçando a sustentabilidade das explorações pecuárias”, mas que não se transmite a humanos, nem se transmite entre animais.
Fonte da CAP lembra que o surto do ano passado, “causado por outro serotipo para o qual havia vacinação, que vitimou um número muito menor de animais, apenas abrandou em fevereiro deste ano quando as condições climatéricas adequadas à progressão do mosquito se verificaram”.
Serão necessárias duas semanas com temperaturas abaixo dos 11 graus Celsius para “travar, de forma natural, a progressão ampla da doença”, pelo que os agriculto- res dizem ser “imprescindível” que o Governo decrete de imediato a vacinação obrigatória contra serotipo 3 da doença da “língua azul” para ovinos e bovinos, incluindo-a no Programa de Sanidade Animal (PSA) e disponibilizando-a “sem encargos” para os produtores.
“A par desta medida urgente”, acrescenta a CAP, “deve também o Estado português coordenar e executar ações estratégicas de desinsetização por forma a eliminar o maior número possível de mosquitos transmissores deste vírus”, sendo expectável que a situação se venha a agravar substancialmente, mesmo tendo em conta que o impacto no sector já é “devasta- dor”, com “prejuízos acumula- dos” na ordem dos seis milhões de euros.
Também a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) exige ao Governo medidas para “apoiar os produtores pecuários” e “conter a proliferação” da febre catarral ovina. “Os cus- tos com a medidas de contenção, nomeadamente com a vacinação dos animais, associados à perda de rendimento resultantes das elevadas taxas de abortos e mortalidade de animais, muitos deles reprodutores, são incomportáveis para a grande maioria das explorações com efetivos pecuários”, refere a CNA numa carta enviada ao ministro da Agricultura.
Alertando para o “descontrolo” na propagação da doença, a Confederação defende “a criação de uma medida de apoio extraordinário para os produtores, com o objetivo de com- pensar a perda de rendimento pela morte de animais e para a reposição dos efetivos”. Uma medida necessária, prossegue, pois as explorações pecuárias, “principalmente as pequenas e médias, estão normalmente em situação financeira difícil, seja pelos elevados custos de produção, que não se fazem refletir nos preços pagos ao produtor, seja pela ocorrência de fenómenos climáticos como a seca que ciclicamente vão reduzindo o rendimento dos agri- cultores”.
CONSUMO DE CARNE É SEGURO
Sendo uma doença que afeta em particular os rebanhos de ovinos, a “língua azul” não se transmite aos seres humanos e o consumo de carne ou de lei- te não representa qualquer risco para a saúde pública. “O consumo de carne, leite e queijo de ovelha, e de carne de borrego, é seguro”, lembra a CAP, considerando que esta informação, no atual contexto, “é essencial para que à crise que o setor atravessa não se junte outra resultante de injustificado alarmismo e consequente quebra da procura”.