No coração do Alentejo, onde o sol doura as vastas planícies e o tempo parece correr mais devagar, encontra-se uma tradição milenar que resiste ao passar dos séculos: o vinho de talha. Este método ancestral de vinificação, trazido pelos romanos há mais de dois mil anos, é hoje um tesouro cultural e enoturístico que atrai visitantes de todo o mundo.

A Gerações da Talha, uma família dedicada à preservação desta arte, abre as suas portas para os que desejam mergulhar na história e nos sabores do Alentejo. Ao chegar à adega, somos recebidos com um caloroso sorriso e um convite para conhecer o processo que transforma uvas em vinho, utilizando grandes ânforas de barro, conhecidas como talhas.

A visita passa por uma caminhada pelas vinhas, onde as videiras, cuidadas com esmero, crescem sob o sol generoso. O anfitrião, sempre um membro da família, partilha histórias de colheitas passadas e segredos transmitidos de geração em geração. É impossível não nos sentirmos parte desta narrativa, onde cada garrafa de vinho é um capítulo de uma longa história.

Dentro da adega, o aroma do mosto a fermentar enche o ar. As talhas, alinhadas como sentinelas de barro, guardam o precioso líquido que, lentamente, se transforma em vinho. O anfitrião explica que o barro permite uma micro-oxigenação natural, conferindo ao vinho características únicas, impossíveis de replicar com métodos modernos.

A degustação é um momento de celebração. Cada gole revela camadas de sabor, desde as notas frutadas até aos toques terrosos, refletindo o terroir do Alentejo. É uma experiência sen- sorial que vai além do paladar, evocando imagens de campos dourados e tardes preguiçosas sob a sombra das azinheiras.

Além da degustação, os visitantes podem participar num passeio de jipe, que os leva por uma jornada através do passado e do presente, mostrando a história do vinho de talha e a sua presença na região. A rota das casas de vinho é outra das atrações imperdíveis, durante a qual se podem visitar várias adegas tradicionais, provar vinhos e desfrutar de petiscos típicos acompanhados pelo cante alentejano.

A história do vinho no Alentejo é rica e complexa, remontando a tempos antigos. A viticultura na região começou antes mesmo da chegada dos romanos, com os tartessos e os fenícios, que já cultivavam videiras. No entanto, foram os romanos que realmente impulsionaram a produção de vinho, introduzindo técnicas avançadas de vinificação e o uso das talhas de barro. Durante a ocupação romana, o vinho do Alentejo começou a ser exportado para Roma, marcando o início da internacionalização dos vinhos portugueses.

Com a queda do Império Romano e a subsequente invasão muçulmana, a produção de vinho no Alentejo sofreu um declínio, mas nunca desapareceu completamente. A reconquista cristã trouxe um renascimento da viticultura, com novas técnicas e variedades de uvas a serem introduzidas. No século XVI, os vinhos do Alentejo já eram altamente valorizados, e a região ganhou fama pelos seus vinhos de alta qualidade.

Vila de Frades, em particular, desempenhou um papel crucial na preservação e desenvolvimento do vinho de talha. Conhecida como a “capital do vinho de talha” manteve viva a tradição de vinificação nas talhas de barro, passando o conhecimento de geração em geração. A técnica de produção de vinho em talhas, introduzida como dissemos pelos romanos, foi preservada ao longo dos séculos, tornando-se um símbolo da identidade cultural da região.

A adega Gerações da Talha está localizada em Vila de Frades, uma pequena e acolhedora vila no coração do Alentejo, pertencente ao município de Vidigueira. Este território possui uma rica história que remonta à época romana. As ruínas da villa de São Cucufate, próximas à adega, são um testemunho arqueológico da longa tradição vinícola da região.

Já a adega, propriamente dita, data do século XVIII, tendo sido mais tarde adquirida por Francisco Nogueira Anacleto, que transmitiu a arte e sabedoria da produção de vinho de talha para as gerações seguintes. Hoje, a família Ruivo continua a tradição com paixão e dedicação, garantindo que cada garrafa de vinho de talha seja um reflexo autêntico do legado cultural do Alentejo.

Um dos nomes mais importantes na história recente da adega é o professor Arlindo Maria Ruivo, genro de Francisco Nogueira Anacleto. O professor Arlindo, como toda a gente da vila o conhece, dedicou grande parte da sua vida ao vinho de talha, trazendo inovação e conhecimento para a produção deste néctar precioso. A sua paixão e dedicação foram passadas para os seus filhos e netos, que continuam a impulsionar o projeto Gerações da Talha com o mesmo fervor.

O processo de produção do vinho de talha começa com a chegada das uvas à adega, onde são desengaçadas, esmagadas e colocadas nas talhas junto com as películas, grainhas e parte dos engaços. A fermentação ocorre naturalmente, e o vinho é diariamente mexido com um utensílio de madeira (o rodo) para garantir que todos os componentes da uva sejam incorporados no líquido. Este processo chama-se remontagem. Após a fermentação, o vinho envelhece nas talhas por vários meses, adquirindo as suas características únicas.

Na Gerações da Talha, os vinhos são degustados diretamente na adega, proporcionando uma experiência única. Além disso, a adega oferece pacotes personalizáveis, ideais para ocasiões especiais.

No final da visita, levamos connosco não apenas garrafas, mas também uma profunda admiração pela dedicação e paixão da Gerações da Talha. O enoturismo aqui não é apenas sobre degustar vinhos; é sobre a história, a terra e as pessoas que mantêm viva uma tradição milenar.

GERAÇÕES DA TALHA

Rua de Lisboa, 29 A,
7960-432 Vila de Frades https://geracoesdatalha.com/ Marcações de visitas e enoturismo: 967 566 930 e/ou[email protected]