Uma escola provisória para levar muito a sério em Sabóia (Odemira)

Pensada e criada pelo designer Marco Balesteros e pela bailarina e coreógrafa Sara Vaz, a Escola Provisória Para Nada, em Sabóia, Odemira, partiu de uma reflexão sobre o papel do ensino. Resulta da experiência dos dois enquanto professores e artistas. Júlia Serrão (texto)

Primeiro houve um livro composto por conversas com 30 convidados, para pensarem com eles a educação artística.

Vindos de áreas diferentes, a maior parte “tem uma relação com a pedagogia e a investigação”, diz Marco Balesteros. O que disseram está agora no papel, em forma de pensamento coletivo, numa mistura sem que se perceba onde começa e termina o contributo de cada um. “São fragmentos dessas conversas”, comenta Sara Vaz. A escola desenvolveu-se à volta desta ideia “do que pode ser a transmissão artística, hoje”, e adotou para nome parte do título do livro “Escola Provisória para Nada, Exercício de Imaginação”.

O projeto começou em 2020. Marco Balesteros e Sara Vaz, que há alguns anos tinham começado a colaborar nos projetos um do outro, tinham construído uma vida em comum, e viviam os confinamentos ditados pela pandemia num monte que tinham adquirido em Sabóia, onde continuaram a dar aulas, então via Zoom. São ambos professores na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) das Caldas da Rainha, ele também na Universidade Lusófona de Lisboa.

No meio do livro, que demorou três anos a ser concluído, lançaram e fizeram duas edições da Escola Provisória Para Nada. Provisória porque “está sempre a repensar-se: a pensar o papel da transmissão, do professor e do aluno”. E “para nada”, pois “pode evocar”, entre outras coisas, a ideia de que a escola “não tem de ser para treinar ou ganhar competências para determinadas funções”, nota Sara Vaz. Mas muito mais como “uma expansão da curiosidade, do aprender e estar em conjunto”.

Sara e Marco trabalham em cocriação, interessados em juntar pessoas: artistas consagrados e emergentes com alunos. O que daí resulta não são apenas propostas dos primeiros para os segundos, mas também “muita coisa imprevisível, através das relações que se estabelecem de comunhão de inte- resses”. Por exemplo, a construção de “objetos artísticos” que são simultaneamente artísticos, sem se chamarem obras de arte, e pedagógicos sem adotar uma ideia de escola convencional, explica Marco Balesteros. “É aprender através da criação e de construir territórios em conjunto”.

Ainda que esteja alojada numa casa devoluta cedida pelo município de Odemira, na antiga moagem de Sabóia, a escola improvisada onde tudo pode acontecer não existe apenas neste espaço físico. “Acontece muito ao ar livre, e em sítios distintos do concelho de Odemira, desde campos a baldios, praia, lago ou rio”, afirmam. Os “encontros”, que são criados à volta de “conversas que podem ter ou não palavras”, têm lugar entre junho e julho, durante aproximadamente 15 dias.

Nos últimos dois anos, têm feito também a Festiva(u)l(a) Nada Tudo, que é uma fusão de festival com aula, trazendo artistas que ficam em residência a preparar as apresentações que vão fazer. “É um espaço aberto também às apresentações que surgem durante o tempo da escola, em que os parti- cipantes e os convidados podem criar peças, obras, ou fragmentos”, nota Marcos Balesteros.

A grande novidade no próximo ano vai ser os Manuais de Não-Como, três volumes que irão tratar como é que se pode pensar um manual pedagógico no campo das artes, já que nesta área, explicam, não é possível estabelecer uma metodologia única: “cada artista tem a sua própria prática”. Pretendem refletir como se pode “pensar a pedagogia de uma forma impermanente” não sendo estes manuais para fazer coisas.

Em junho vai haver nova edição da Escola, e depois o Festiva(u)l(a) Nada Tudo, com ligação a ela. Um acontecimento para setembro começa a ser também programado, no espaço da Escola. Tem a ver com a reparação do espaço Casa do Morgado, na Moagem, “recuperando a ideia da ajudada, em que as pessoas na comunidade se juntavam para construir ou recuperar casas”.

Estão a preparar um painel de arquitetos e artistas convidados, alunos do ensino artístico e de arquitetura “para pensar sobre a taipa” e ajudarem a reconstruir o espaço. “Vai ser um espaço de discussão e de pensamen- to em torno da taipa, construção de conhecimento que virá também de atos performativos”.

Natural de Évora, Marco explica que a Escola aconteceu em Sabóia dado que é uma aldeia “muito particular, porque para além de ser uma zona muito rural tem uma paisagem própria, muito extremada: bonita e ao mesmo tempo desoladora” que potencia o silêncio. Sendo um lugar de “retração e de subtração”, perfeito para fugir da confusão, abrandar.

A relação de confiança com a comunidade tem vindo a fazer-se de forma “lenta”, sendo que este ano “houve um salto” significativo. “Há pessoas que se juntam a nós pela energia que é, de repente, ter tanta juventude em Sabóia, e assim temos estabelecido relações com pessoas improváveis”, nota Sara Vaz. Já é natural virem para ver o cinema e aparecerem nos concertos. O projeto também vai ao encontro da aldeia. Este ano passaram cinema mesmo ao lado do café central e fizeram uma performance ao longo da aldeia.

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