Luís Godinho: “O problema do acessório”

A opinião de Luís Godinho, jornalista

Estamos na antecâmara de dias decisivos para o futuro da região. Nas próximas semanas ir-se-á definir muito do que queremos ser enquanto comunidade. Esta é a altura de os candidatos às autárquicas do próximo ano dizerem ao que vêm. E as próximas eleições serão das mais decisivas para o Alentejo dar o salto ou continuar na senda do vagar, isto é, no caminho dos três “d”: despovoamento, desertificação, definhamento.

Estou em crer que nunca umas eleições autárquicas foram tão importantes como as próximas, desde logo porque nunca houve tantos recursos disponíveis, por via do Plano de Recuperação e Resiliência ou do Portugal 2030. É verdade que boa parte dos milhares de milhões está já alocada a projetos concretos. Mas a capacidade de os executar, por um lado, e a forma como esse investimento público sem precedentes poderá funcionar como catalisador para inverter o ciclo de “apagada e vil tristeza” em que estamos mergulhados, por outro, serão determinantes para a construção do Alentejo que deixaremos aos nossos filhos e netos.

A habitação é outro desafio. Contamos aqui na revista que o primeiro avião português está a “ganhar asas” no Alentejo, com o projeto de engenharia a ser desenvolvido em Évora, enquanto Ponte de Sor irá receber a fábrica onde se fará a montagem da aeronave. É todo um mundo novo, mas com sinais preocupantes. Por exemplo, quando o responsável da empresa afirma que o preço da habitação em Évora se está a tornar insuportável, mesmo para quem recebe salários superiores à média, e admite que, se a escalada continuar, todo o projeto terá de ser revisto.

Na maior cidade do Alentejo, os próximos anos serão complexos. Há o problema do preço da habitação, insustentável para engenheiros aeronáuticos, muito mais para jovens casais que se querem fixar na região. Haverá a Capital Europeia da Cultura, que virá “abrir” a cidade ao mundo, ainda que já se tenha percebido que alguns equipamentos centrais, como o pavilhão multiusos, só por milagre estarão concluídos em 2027. E está em construção toda uma nova centralidade, associada à linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid, que deverá entrar em operação já no próximo ano, e ao novo Hospital Central do Alentejo, associado a um novo curso de medicina que fará crescer a Universidade de Évora.

Em todos estes temas é decisivo o papel da futura Câmara, seja qual for o partido que ganhe as próximas eleições. Há uma constatação que me parece óbvia: sem diálogo, sem a procura de campos de consenso, tudo será mais difícil.

Acentuando-se a complexidade, em função de aritméticas partidárias, andaremos mais entretidos com o acessório e voltaremos a perder a oportunidade de construir um território dinâmico e atrativo. Não seria a primeira vez.

Apesar de o empreendimento de Alqueva ter sido um dos maiores projetos cofinanciados pela União Europeia (2,5 mil milhões de euros só na primeira fase), a verdade é que o Alentejo em geral, e em particular o Baixo Alentejo, onde se situa boa parte do regadio, continuaram a ser os territórios com maior perda populacional. Sim, a água de Alqueva até pode servir para encher piscinas nos resorts algarvios. Mas não serviu para conter a hemorragia populacional da região. Querem saber porquê? Porque andámos entretidos com o acessório.

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