A arte bem tirar cortiça, pelo prisma do fotógrafo Cabrita Nascimento

“Descortiçar - A Arte do Saber” é uma exposição patente em São Luís, na Fundação O Cerro. São mais de 60 fotografias nas quais se regista a vida no montado de sobro. Luís Godinho (texto) e Cabrita Nascimento (fotografia)

Numa das fotografias de Cabrita Nascimento, dois homens observam uma tira de cortiça acabada de retirar do sobreiro. O sorriso no rosto de um deles documenta a singularidade do momento, ou não se tratasse de uma tira com uma altura muito superior à dos dois homens. Talvez 2,5 metros. Num outro momento, também captado pelo fotógrafo, o homem que sorri na primeira imagem, com um chapéu preto tipicamente alentejano, mal se equilibra num tronco de árvore para conseguir arrancar um pouco de cortiça.

Composta por mais de 60 fotografias, “Descortiçar – A Arte do Saber” patente na Fundação O Cerro – Cultura e Ensino, em São Luís (Odemira). “O nosso interesse pelo tema da tiragem de cortiça, surge da ligação que temos ao montado de sobro presente na nossa Herdade do Cerro”, conta Fernando Parreira, do conselho de administração da Fundação, acrescentando a vontade de estudar e promover “a vida em torno do sobreiro”, no montado.

“Este projeto”, sublinha, “foi idealizado com o objetivo de promover a preservação e importância do património natural e imaterial do concelho de Odemira, valorizando os saberes e tradições do território, através da criação de um trabalho fotográfico alusivo a um saber fazer ancestral – a tiragem de cortiça”.

São árvores que “crescem com a brisa do Rio Mira” e a “olhar a renovação das gerações, das gentes e das famílias que habitaram o monte e as comunidades locais”, lembra ainda Fernando Parreira.

“O Monte do Cerro, em São Luís é um sistema de montado único e belíssimo”, diz por sua vez Cabrita Nascimento, artista fotográfico com exposições individuais desde 1989, ex-diretor regional de Cultura do Alentejo e editor fotográfico da Alentejo Ilustrado. O seu fascínio pelo montado, confessa, não é de hoje, antes resulta da influência do já falecido arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, com quem chegou a integrar o júri de concursos nacionais de fotografia de paisagem, em finais do século passado, altura em que despertou para as temáticas ambientais e aprendeu a olhar para “o papel do ser humano no contexto da sua casa planeta”.

Surgiu nessa época e desse contacto o que define como “enquadramento sentimental e afetivo” para começar a fotografar por entre sobreiros e azinheiras. “A verdadeira paixão do Gonçalo Ribeiro Telles pelo montado de sobro influenciou-me de tal forma que comecei a fotografar regularmente todos os principais sistemas de montado existentes no Alentejo, e as suas transformações ao longo dos anos”, revela.

No Monte do Cerro percorreu desde “colinas muito íngremes e densas de floresta, até estradas escavadas na terra que nos levam a vales espantosos, onde linhas de água constroem sobreiros imperiais e abundante vegetação de fetos comuns, verdejantes como em nenhum outro montado”. Cabrita Nascimento destaca a “beleza e espantosa diversidade, onde cada sobreiro emana uma personalidade própria, alguns de uma majestade comovente”. Será o caso de um, aqui fotografado, em cujos troncos trabalham em simultâneo cinco homens e com dimensão tal que outros cinco ali poderiam estar.

Ao longo de meses, Cabrita Nascimento fotografou o trabalho dos homens que se dedicam à extração da cortiça e a vida no montado, os imponentes sobreiros, árvore “preciosa”, como a definiu o agrónomo Joaquim Vieira Natividade há mais de 70 anos, pois “nenhuma árvore dá mais exigindo tão pouco”. A cada nove anos é possível extrair de um sobreiro uma média de 40 a 60 quilos de cortiça. E Portugal, note-se, é o maior produtor mundial.

“Conhecer o local e as pessoas que com o seu saber extraem a preciosa cortiça, com tanto respeito pelas árvores, foi um privilégio. O Alentejo é uma região espantosa para se exercer o ofício de viver, um lugar privilegiado para observar o mundo”, conclui o fotógrafo.

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