Francisco do Ó Pacheco: “As personagens, às vezes, contrariam-me”

Foi bancário, autarca e diretor de um jornal regional. Natural de Sines, o escritor Francisco do Ó Pacheco, já com várias obras publicadas desde 1999, deu recentemente a conhecer o seu último livro: “A Maldição de Nzambi”. Júlia Serrão (texto) e Cabrita Nascimento (fotografia)

Acaba de lançar mais um título, inspirado num episódio trágico ocorrido no leste de Angola, durante a Guerra Colonial, livro que narra a vingança do deus bantu e da nação quioca face ao acontecimento. A Maldição de Nzambi (Edições Colibri) é o sexto romance de Francisco do Ó Pacheco, que tem ainda publicados três livros de crónicas e outros três de poesia.

Para construir os romances, que diz ser o género literário que mais gosta de escrever, normalmente parte de factos ou pessoas reais, que depois são “mais ou menos” ficcionados. Ao contrário deste novo livro, que também tem muita criação imaginária, o romance histórico “Vataça, A Favorita de D. Dinis” é praticamente “só ficção”, diz o autor, referindo versar sobre a história da primeira mulher comendadora, nomeada para o cargo em Santiago do Cacém por vontade do rei-trovador, e que “acabaria por ter algum papel em Sines ligado à lenda da Nossa Senhora das Salas”. Motivo que o terá levado à prosa.

Francisco do Ó Pacheco nasceu há 77 anos em Sines. Vem de uma família de pescadores e negociantes de pescado por parte do pai, e ligada à cortiça pelo lado da mãe. É o mais velho dos três filhos do casal, tendo ainda um meio-irmão: o realizador Vicente do Ó. As memórias que tem da infância são “felizes, numa terra pequena” essencialmente piscatória, onde “todos se conheciam” e nenhum acontecimento passava despercebido.

O seu “destino” poderia ter sido o mar, dando continuidade à tradição familiar, mas, porque os pais desejam mais e melhor para os filhos, foi estudar. Fez o 7.º ano do liceu, e depois entrou no mundo do trabalho tendo sido rececionista de hotel durante dois anos, até à altura de prestar serviço militar, acabando por ser mobilizado para Angola. Também poderia ter fugido para França antes da mobilização, como fez um dos seus amigos, mas a condição de desertor, que o privaria de regressar a Portugal por tempo indeterminado, fê-lo decidir-se pela guerra. Se tudo corresse bem, dois anos depois estaria de volta a casa.

Foi nesse período que começou a sentir a vocação pela escrita. “O meu primeiro livro de poesia tem poemas escritos em Angola há 54 anos”, diz Francisco do Ó Pacheco, para acrescentar que “a maior parte dos aerogramas” que escrevia à mulher também já correspondia a “uma forma muito concreta de descrição do que lá se passava”.

Na verdade, sempre teve um grande “gosto pela literatura”, sendo os anos de liceu muito enriquecedores neste campo, em que conheceu e sentiu um interesse crescente relativamente aos escritores e poetas portugueses, cujas obras teve oportunidade de discutir com os professores. Também lia muito, inclusivamente os livros proibidos pelo regime.

“Na minha geração já se contestava muito. Sines era uma terra de pescadores com uma grande influência do Partido Comunista Português (PCP), a que o meu pai estava ligado desde os anos 40/50, e, portanto, os livros que apareciam eram alvo de grande busca”. Quando Marcelo Caetano chegou ao poder e “levantou um pouco as proibições à literatura nacional e estrangeira de alguns escritores mais ou menos malditos”, à semelhança de outros jovens da sua geração procurou na literatura “ampliar conhecimentos e horizontes”.

No regresso de Angola recusa o convite dos antigos patrões para ir trabalhar para um hotel na Madeira e fica por Sines. “Fui trabalhar para a banca. Com o 25 de Abril as coisas tiveram outro percurso totalmente diferente”.

Logo em maio de 1974 entrou para o Partido Comunista Português, tendo sido membro da concelhia de Sines e das direções regionais de Setúbal e do Litoral Alentejano. Diz que o pai não terá influído particularmente nessa sua decisão. “Os comunistas sempre respeitaram um certo secretismo em relação às suas atividades. Mas nos anos 60, quando tinha os meus 17 ou 18 anos e criei um grupo musical com uns amigos, um dos meus companheiros era filho do camarada Américo Leal, que andou 27 anos na clandestinidade. E tanto a PIDE como a GNR mantinha uma certa atenção aos movimentos do filho, para saber se o pai vinha a casa”, nota, lembrando ainda a prisão de outras pessoas que marcava sempre muito a vida na terra.

Em 1976 foi eleito presidente da Câmara de Sines com maioria absoluta, liderando a autarquia até 1997. O Complexo Industrial de Sines marcou grande parte da vida da autarquia, nos primeiros anos. “Uma das surpresas com que nos deparámos, com o plano geral da área de Sines e os seus objetivos, era que a pesca acabava e os pescadores, se quisessem manter essa atividade, teriam de ir para Milfontes ou para a Arrifana”.

A luta do poder local foi então manter a pesca como atividade económica em Sines e, depois, “provar ao poder central que a pesca era compatível com qualquer outro tipo de atividade industrial”. Foram cerca de 10 anos de trabalho intenso. É também durante o seu mandato que se realiza a primeira “greve verde” em Portugal, a 28 de maio de 1982, na sequência de descar- gas industriais diretas na costa norte de Sines.

Quando sai da Câmara, Francisco do Ó Pacheco vai escrever sobre o assunto no título Crónica da 1.ª Greve Ecológica em Portugal” que lança em 1999. “É o retrato documentado da luta dos pescadores, ou melhor, de toda a população de Sines. Foi uma luta muito complicada porque estava em risco a existência e continuidade da atividade da pesca com o nascimento do complexo industrial”.

Os problemas da população de Sines não se ficavam por aqui, à semelhança do que acontecia no resto do país, onde estava tudo por fazer. Recorda que as Câmaras eram locais onde as pessoas se deslocavam para “levar as suas ansiedades e desejos”: questões de trabalho, saúde, habitação, cultura, desporto. “No meu tempo, todos os dias havia dezenas e dezenas de pessoas que eram atendidas pelos vereadores e pelo presidente. A Câmara estava de portas abertas”, comenta, notando que hoje há “um afastamento muito grande” dos eleitos “em relação aos eleitores”.

Nos anos que se seguem vai publicar vários títulos literários como 25 anos de Poder Local Democrático (2001), Crónicas de Beja (2006), Alentejo Salgado e Doce (2009), Searas Vermelhas de Abril (2014) e Vasco da Gama, O Bastardo Indomável e Outras Estórias (2020). No campo das letras e da cultura, foi distinguido pelo primeiro-ministro do Canadá pelo seu testemunho acerca da participação na Semana Cultural da Casa do Alentejo em Toronto, recebendo também o diploma de distinção na qualidade de poeta do Centro de Estudos Documentais do Alentejo (CEDA).

Francisco do Ó Pacheco revela estar a trabalhar num novo romance, que ainda não tem nome, nem sabe como acaba. Todos os dias escreve um pouco na parte da manhã, seguindo o seu método de trabalho, com a “particularidade” de deixar que os personagens “se encarreguem” da narrativa. “Às vezes contrariam-me, e é isso que o romance tem de delicioso”, observa.

A MALDIÇÃO DE NZAMBI

FRANCISCO DO Ó PACHECO

EDIÇÕES COLIBRI, 2024

226 PÁGINAS, 16,00 EUROS

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