No momento em que decorre de mais uma edição do Festival do Peixe do Rio, que se prolonga até ao próximo dia 16, João Grilo revela que há mais restaurantes inscritos e que existirá uma feira para dar a conhecer as “dinâmicas do concelho” e promover os produtos e os vinhos da Serra d’Ossa.
Que novidades há para esta edição do Festival do Peixe do Rio?
Bem, a principal novidade é o regresso ao modelo que tínhamos pré-pandemia, em que tínhamos verificado que o Festival funcionava muito bem nos restaurantes, que essa continua a ser a essência do certame, mas que o espaço dos restaurantes começava a ser um pouco limitado para todos os visitantes que tínhamos e para mostrar as dinâmicas do concelho. Portanto, nós em 2020 tínhamos desenvolvido um modelo de feira no interior do Castelo do Alandroal e fomos os primeiros a ter que cancelar um evento por causa da covid-19. A edição desse ano do Festival do Peixe do Rio não se realizou, seguiram-se dois anos de pandemia, tivemos de relançar o Festival e, agora, entendemos que estão novamente reunidas as condições para voltar a esse modelo que tínhamos pensado.
É a maior novidade.
Diria que é a principal novidade. Além de termos mais restaurantes e mais participantes, temos também um modelo de feira, ou seja, quem nos visita, além de ir aos restaurantes, pode agora também ter um espaço onde pode encontrar os produtos locais, conhecer as dinâmicas do concelho e encontrar espaços de gastronomia. Ou seja, se não conseguir reservar ou se não souber onde ir, o visitante tem um espaço onde pode sempre encontrar referências da gastronomia do peixe do rio.
O ano passado foi anunciada a Academia do Peixe do Rio. Como é que está o processo?
Quanto à Academia, estamos a iniciar o projeto, temos uma candidatura aprovada no âmbito do Programa de Valorização Económica dos Recursos Endógenos (Provere) e estamos a desenvolver agora o projeto. Iremos em princípio, lançar um concurso de ideias para o projeto, temos já os edifícios assegurados, é uma aposta em que estamos empenhados num processo que se irá desenvolver ao longo dos próximos meses.
Qual é a ideia da Academia?
A Academia do Peixe do Rio será um espaço de promoção e de estudo da gastronomia ribeirinha. Portanto,
não se esgota na gastronomia do peixe do rio, mas é um pouco também de toda a gastronomia e de toda a cultura do concelho de Alandroal. Tem o duplo objetivo de ser um espaço para mostrar conceitos e produtos, para mostrar a quem nos visita as dinâmicas que temos, mas também para ser um espaço de acolhimento ao visitante e parte ter uma componente de investigação, associada a uma outra dirigia à organização de eventos. Ou seja, concebemos que terá um espaço de cozinha, terá um espaço para a realização de ‘workshops’, terá um espaço para que, por exemplo, as empresas ou grupos que queiram aprender mais sobre
a cozinha do rio possam ali fazer esse trabalho. E tudo isto, sempre, numa lógica de ir recebendo os visitantes. Será um espaço de criação, mas também de contacto com quem visita o nosso território.
E de promoção do peixe do rio, claro.
Mais até do que isso, será um espaço de promoção da cultura do rio, numa aposta que nos diferencia em relação aos concelhos que nos são vizinhos. O Alandroal é um concelho virado para o rio. Temos esta cultura do rio bem enraizada, desde logo nas localidades ribeirinhas,que estavam junto ao Guadiana, hoje transformado no Grande Lago de Alqueva. É toda uma cultura que não se esgota no peixe do rio, ainda que esta seja uma das suas vertentes mais visíveis. Quando falamos da cultura do rio estamos a falar da pesca, claro, mas também de todas as dinâmicas que ela traz, até ligadas à poesia popular, à escrita e a outras artes. Portanto, tem para nós um lugar muito especial. E depois, porque traz uma dinâmica importante do concelho de Alandroal, que é a valorização do ativo água, seja com a Praia das Azenhas D’El Rei, seja com o Centro Náutico de Juromenha, queremos que esta frente de rio seja uma fren- te de desenvolvimento. O rio é uma frente de futuro.

Portanto, um concelho virado ao Guadiana?
Sim, sim. E, depois, temos ainda outras novidades. Como se sabe, Alandroal integra a Cidade do Vinho 2025, que engloba os municípios da Serra d’Ossa, Borba, Estremoz, Redondo e Vila Viçosa, e isso significa que a edição deste ano do Festival do Peixe do Rio terá uma componente de vinhos reforçada. Já existia essa presença; este ano será mais significativa.
Ainda que Alandroal não seja um concelho com uma produção de vinho muito expressiva à escala regional.
Não somos um produtor muito grande, mas somos um produtor em crescimento. Temos à volta de mil hectares de vinha. É verdade que só temos três produtores ligados ao concelho, um dos quais a exercer aqui a totalidade da sua atividade produtiva… mas temos outros, cujas vinhas estão instaladas no concelho de Alandroal e cuja uva vai para as principais adegas da região. Olhe, as pessoas eventualmente seriam surpreendidas se soubessem que alguns dos vinhos que estão a beber, e que tanto apreciam, são produzidos com uva do Alandroal.
Então como é que se consubstancia essa aposta no vinho, este ano?
Vamos ter na feira um espaço para a promoção dos vinhos do concelho de Alandroal e dos concelhos vizinhos. Convidámos todos os produtores dos cinco concelhos de Serra d’Ossa para participarem no Festival, para promoverem momentos de degustação, momentos de harmonização de vinho com o peixe do rio, teremos uma articulação entre o ‘showcooking’ dos ‘chefs’ convidados com o vinho. Ou seja, vamos criar um espaço dentro da feira muito virado para o vinho. Esta é uma das novidades, que referi. A outra é uma parceria com o Município de Mértola.
Como é que surgiu?
Através da candidatura ao Prover, que há pouco referi, trabalhámos em proximidade com Mértola em torno de objetivos comuns e chegámos aqui, ao ponto de definir uma estratégia conjunta. Ou seja, estamos apostados em criar uma Academia das Cozinhas do Rio, temos os eventos ligados ao Guadiana, temos os produtos do rio, e vamos tentar desenvolver uma estratégia conjunta nos dois municípios, criando um embrião de rede que, depois, queremos alargar a outros municípios que têm a mesma temática e aos nossos vizinhos espanhóis, também eles muito ligados ao rio.
Ainda bem que fala nisso, pois à exceção, justamente, de Alandroal e Mértola, parece que o resto da região vive um bocadinho, diria, de costas voltadas para o rio.
Acho que nós, de alguma forma, ocupámos este nicho e essa aposta está correta. A cultura do rio é muito nossa e, provavelmente, os outros também têm outras coisas para explorar, talvez não lhe dediquem tanto atenção como nós. Da nossa parte tem sido sempre muito uma aposta muito importante e, de facto, notámos que Mértola partilha desse interesse, e vamos assinar um acordo de cooperação. O Município de Mértola estará presente nesta edição do Festival do Peixe do Rio e, depois, iremos estar no evento que eles todos os anos organizam no Pomarão. Ou seja, vamos iniciar aqui uma espécie de intercâmbio de experiências ligadas ao Guadiana e às dinâmicas do rio nos dois municípios, sempre no sentido de irmos melhorando esta relação e potenciando esse recurso.
Quando se fala desta cultura do peixe do rio, fala-se muitas vezes da tradição, dos pratos tradicionais, como a caldeta. A minha questão é se, além dessa valorização que tem sido feita, se considera que existe um espaço para inovar, que ainda há oportunidades para se apostar na criação de novos produtos e se isso é importante?
Diria que é mesmo muito importante e que, aliás, todos os anos surgem coisas novas. Isso tem muito a ver com os próprios ‘chefs’ que estão a trabalhar connosco no âmbito específico deste Festival ou nos restaurantes do concelho. Por exemplo, abre um novo restaurante e aparecem novos conceitos. Dou um exemplo: o Raya mudou de ‘chef’, foi buscar uma ‘chef’ que é do Norte do país, de Caminha, habituada a trabalhar a lampreia e outros peixes e já está a introduzir alguma inovação na forma como apresentar o peixe do rio. São estas coisas que vão ajudando a mudar.
E há muitos exemplos disso?
Há. A Maria [do restaurante A Maria], por exemplo, fez uns pastéis de lúcio-perca e uns croquetes de peixe do rio e queijo… Ou seja, está sempre a acontecer qualquer coisa nova, porque as pessoas são estimuladas a fazer isso, a apostar na inovação e na criatividade. E há aqui uma componente também muito importante associada à diversidade de peixes híbridos que apareceram no Guadiana, em especial o lúcio-perca, que é mais versátil. A essência da tradição continua ligada ao barbo, ao sável, à carpa. Mas o lúcio-perca ou até agora o bagre, que começa a aparecer e que é uma espécie de peixe gato, têm uma textura muito interessante, que vem abrir outras possibilidades ao nível da gastronomia. Tenho visto essa inovação acontecer todos os anos e, estou certo, haverá novos pratos também este ano. Olhe, no restaurante Zé do Alto, para dar já mais um exemplo, há uma nova sopa de tomate com lúcio-perca. Sendo que a caldeta, tradicional, continua a ser muito procurada e ainda bem.
Também porque essa identidade cultural é um fator decisivo para o desenvolvimento do território.
Concordo com essa afirmação, E à medida que todo o trabalho que fazemos, de alguma forma, vai sendo reconhecido, costumo dizer que o que mais me orgulho de ver são as pessoas do concelho a partilhar a caldeta que fizeram lá em casa, o peixe do rio frito, os pratos de lúcio-perca que aprenderam a cozinhar e a que dão um toque familiar. Portanto, voltou a haver este orgulho de assumir uma das tradições do concelho e de saber que ela é diferenciadora, interessante e que vale a pena promover também a cultura local, promover os produtos locais, os ciclos curtos de consumo, a sazonalidade, os produtos endógenos.