Há 44 anos, quando cheguei a Portalegre, para por cá permanecer, a cidade ainda mantinha o que restava da sua tradição industrial. Com a Lanifícios, a Robinson e com um toque de inovação na então Finicisa. Os serviços ganhavam relevo, com destaque para a Segurança Social.
A massificação, ou melhor, a democratização do ensi- no haveria de trazer também alunos e professores à cidade, como sucedeu comigo. Pouco tempo antes o Estrela ia subindo à I Divisão e só não subiu dado que o Desportivo o travou… Hoje andam ambos pelos distritais.
Creio que uma coisa não tinha muito a ver com a outra, mas talvez fossem sinais de dinamismo social, apesar da sangria demográfica dos anos 60 e 70 do século passado e do envelhecimento populacional.
O Marchão, uma referência das velhas tabernas locais, de frequência interclassista, era uma pequena amostra deste ‘status quo’. Servia os operários ao balcão e petiscos – e que petiscos! – no interior, nas chamadas “catacumbas”, a gente de estratos sociais mais elevados da cultura e da sociedade e a visitantes. Ali estiveram Vieira da Silva e Arpad Szenes tendo pintado uma das pa- redes que, inadvertidamente, haveria de ser caiada.
Quanto mudou, neste longo entretanto, até hoje. Lanifícios e Robinson há muito que desapareceram e apenas a Selenis ficou do que foi a Finicisa, e muitas mudanças pelo meio, nem sempre bem sucedidas. Mas há gente nas ruas e largos, mesmo aos fins de semana, coisa pouco vista na cidade, mesmo noutros tempos.
São os estudantes do Instituto Politécnico vindos da Guiné-Bissau, de São Tomé e de Cabo Verde, em pequenos grupos, passeando e conversando, um hábito e um modo de sociabilidade que trazem dos seus países, particularmente notado no tempo de férias escolares, como nas do Natal precedente.
Outros, também da Africa lusófona misturam-se com eles, não permitindo perceber se estudam, ou trabalham, ou se fazem ambas as coisas, como alguns dos estudantes que tive. Não têm recursos nem meios para ir a casa, nem nas férias grandes, e alguns só retornam depois dos cursos concluídos, licenciatura e mestrado incluídos.
Mas não apenas. Cruzam-se com grupos de jovens, de ambos os sexos, e também já famílias, oriundos da longínqua Ásia e estes foi o trabalho que os trouxe, mas não para trabalhar na agricultura como sucede noutras partes do Alentejo. Como igualmente se cruzam no trabalho e à saída dele como constatei frente às fábricas – que irão ainda precisar mais deles – na zona industrial.
Também já o tinha registado no percurso, quase sempre a pé, da cidade onde moram, à beira de encetar o turno das sete ou à saída dele. Ou no que muda à hora de almoço, enchendo autocarros dos serviços municipalizados para pegar ao trabalho ou dele regressarem
Temíamos ficar desertos e cada vez mais velhos e há sinais claros de que esse pode não ser o inexorável destino. Tínhamos quase dito adeus à tradição industrial, mas parece que ela se reabilita. Saudemos, pois, quem a mantém e está a mudar a demografia e a face da cidade.