Compôs em silêncio quando as convenções sociais assim o impunham, inspirou e criou obras eternas, mediando entre a partitura e a alma humana; viu-se enaltecida e mitificada. A Mulher, nas suas múltiplas condições perante a música, é o tema da 21.ª temporada do Festival Terras sem Sombra (TSS) que, na tripla dimensão de música, património e salvaguarda da biodiversidade, regressa ao Alentejo de março a dezembro.
Sob o título “Autoras, Intérpretes, Musas: O Eterno Feminino e a Condição da Mulher na Música (Séculos XIII-XXI)”, esta temporada do TSS nasce, de acordo com o diretor-geral do festival, José António Falcão, “inspirada no eterno feminino na história da música, da Idade Média até à criação contemporânea”.
“Desde os primórdios da arte musical que a mulher desempenha um papel absolutamente fundamental neste âmbito, mas isso ainda continua a não ser suficientemente conhecido e reconhecido”, particulariza o diretor-geral, acrescentando que “é também contra um preconceito muito arreigado que a presente edição da temporada de música erudita do Alentejo se ergue, procurando mostrar como ele não possui qualquer fundamento”.
Para o arranque da temporada, em Arraiolos, está programado um fim de semana de atividades que inclui o concerto na Igreja da Misericórdia, com a soprano Antoni Mendezona e o pianista Nuno Margarido Lopes. Sob o título “Mundos Convergentes: A Canção Filipina e a Canção Europeia”, a noite de 15 de março (21h30) constrói pontes musicais entre dois mundos, incluindo obras de José A. Estella, Manuel Velez, Robert Schumann, Vianna da Motta e Francisco de Lacerda, num repertório que se espraia do século XVII ao século XX. Uma iniciativa que integra o programa de comemorações dos 500 anos da Misericórdia arraiolense, instituição parceira do Festival há vários anos.
A organização do certame refere que soprano filipino-americana Antoni Mendezona “triunfou em duas importantes estreias operáticas”: no papel de Sophie, em Emmeline, de Tobias Picker, em vários palcos da Europa; e como Veronique, na estreia nova-iorquina de The Hotel Casablanca, de Pasatieri. O seu repertório operático inclui Blondchen (“O Rapto do Serralho”), Despina (“Così fan tutte”) e Zerlina (“Don Giovanni”).
Já Nuno Lopes – “um virtuoso do piano” – estudou no Instituto Gregoriano de Lisboa e completou a formação na Escola Russa de Arcos do Estoril. Iniciou em 1997 a sua colaboração com o Teatro Nacional de São Carlos, onde exerce actualmente as funções de pianista da Orquestra Sinfónica Portuguesa e maestro correpetidor. É também director artístico do Ensemble São Bernardo.
Além da vertente musical, o Festival convida o público a mergulhar no património material e natural da região. Na tarde de sábado, a partir das 15h00, realiza-se uma iniciativa consagrada ao Castelo de Arraiolos e ao Paço dos Alcaides que faz parte do seu conjunto. Sob a égide “Quase um Círculo Sobre a Planície: O Castelo de Arraiolos”, esta atividade, com ponto de encontro na fortificação medieval, enaltece a sua importância estratégica e o seu papel na história da lendária vila. Uma abordagem ao património local guiada por Victor Mestre, arquitecto especializado em reabilitação que está a intervir no monumento.
No dia seguinte, domingo, com início às 9h30, os participantes na ação de salvaguarda da biodiversidade são convidados a descobrir a riqueza ambiental do Alentejo numa experiência imersiva subordinada ao tema “Em Sintonia com a Natureza: A Agricultura Regenerativa na Herdade de Coelheiros”, atividade guiada pelo engenheiro agrícola João Raposeira. Nesta herdade da freguesia de Igrejinha, a tradição vitivinícola alia-se à conservação dos recursos naturais locais para oferecer uma panorâmica pioneira da nova agricultura, baseada no conhecimento e na sustentabilidade do território.