José Mattoso: O historiador que ouviu o silêncio da História

Portugal ficou a conhecer-se melhor por causa dele. José Mattoso, o historiador que reinventou a forma de olhar o passado medieval e modernizou a arquivística nacional, é agora celebrado numa exposição na Torre do Tombo, em Lisboa. Nuno Lopes/Lusa (texto)

O historiador José Mattoso (1933-2023) que protagonizou uma renovação na historiografia nacional e na gestão dos arquivos, é homenageado numa exposição que abre na próxima terça-feira, na Torre do Tombo, em Lisboa.

A exposição “José Mattoso – Fazer a História, Repensar o Arquivo” “é uma tentativa de conduzir as pessoas pelo seu percurso científico, pela sua obra, e pelo significado da ação do professor Mattoso, quer ao nível da História, quer ao nível dos arquivos e de alguns elementos que considerámos marcantes enquanto historiador e enquanto diretor da Torre do Tombo e do Instituto Português dos Arquivos [IPA]”, diz o historiador João Luís Fontes, um dos curadores da mostra.

Ao mesmo tempo, há “um lado mais pessoal que emerge das cartas, da máquina de escrever que usou [e que vai estar exposta]”, acrescentou o historiador da Universidade Nova de Lisboa.

A exposição, que ficará aberta ao público de 22 de abril a 27 de junho, está organizada em dois núcleos principais: “Fazer História” e “Repensar o arquivo”, que se relaciona com o espaço onde está instalada.

Sobre a mostra, João Luís Fontes afirmou prender-se com “a conjugação destes dois elementos, isto é, uma parte é um conjunto de documentos, sobretudo medievais, ou historiográficos, sobre os quais José Mattoso desenvolveu um importante trabalho reflexivo para a renovação que ele operou sobre a visão do passado medieval no espaço português”.

Outro núcleo expositivo faz referência às suas funções como diretor da Torre do Tombo e fundador e primeiro diretor do IPA, em 1988, “e a importância que ele deu a uma renovação e a uma modernização do trabalho feito nos arquivos, tanto em instrumentos de descrição, como procedimentos e de inventariação dos fundos [documentais] e do seu próprio estudo. Inscrever a arquivística portuguesa no contexto internacional e nas práticas que se faziam já um pouco por todo o mundo”.

Há ainda “um pequenino núcleo que tem alguns documentos do arquivo pessoal de José Mattoso, que está à guarda da Torre do Tombo, no qual encontramos alguma correspondência que travou com importantes medievalistas e figuras da cultura, e alguns cadernos de apontamentos da sua juventude, quando iniciou a sua investigação, quando ainda era monge beneditino”, acrescenta João Luís Fontes.

Foi como monge que José Mattoso realizou a sua tese de licenciatura e a de doutoramento, respetivamente sobre o mosteiro beneditino de Pendurada e sobre a adoção por muitos mosteiros do Condado Portucalense, nomeadamente da diocese do Porto, da regra beneditina, como regra exclusiva e que regulava a vida das comunidades. 

“No fundo o que ele queria saber era como a ordem [religiosa] à qual pertencia se pôde implantar e de uma forma tão veemente, no norte de Portugal e envolvendo um número tão grande de mosteiros, inscrevendo isso numa lógica de História social e política; quem eram os patronos, as ligações às famílias da nobreza, ao rei, procurando integrar uma história monástica numa história social”.

Esses apontamentos de recolha de documentação consultada, mas também desenhos de edifícios e pormenores artísticos de monumentos românicos, vieram do espólio que se conserva no Campo Arqueológico de Mértola, no Baixo Alentejo.

Na historiografia nacional “há seguramente um antes e um depois de José Mattoso” que inaugura um paradigma diferente de entender a História. “Mattoso faz parte de uma geração que inovou profundamente a historiografia medieval”, afirmou, enumerando os historiadores A. H. Oliveira Marques (1933-2007) e Iria Gonçalves. “Mas ele [Mattoso] inaugurou uma visão completamente diferente do passado, nomeadamente através da sua obra ‘Identificação de Um País’”, diz João Luís Fontes, historiador da Universidade Nova de Lisboa, recordando que a “História de Portugal”, de Mattoso, “foi um ‘best-seller’ na década 1990”.

A nova visão de José Mattoso “procurava romper com os cânones mais nacionalistas e de exaltação patriótica que estavam mais atentos, sobretudo aquela História tradicional das grandes figuras políticas, dos grandes eventos, mas que não olhava para o reino no seu conjunto, as suas estruturas, os seus grupos sociais, a implantação no território, as relações de poder” – elementos de renovação trazidos pela corrente da “Nova História” que já acontecia noutros países.

“Já não apenas uma História que era simplesmente uma cronologia dos principais acontecimentos, mas a História que procura perceber a vida de homens e mulheres no tempo, num determinado território, o que envolvia muitas mais dimensões do que muitas vezes a História tradicional estava atenta”.

“José Mattoso vai trazer muita coisa sobre representações, cultura, categorias mentais, saúde e doença, sobre as visões do corpo e as visões e as vivências sobre a morte, sobre bruxaria, e que não faziam parte de uma História oficial, exaltante do passado do país, mas que são importantes para termos uma compreensão muito mais abrangente deste mesmo passado”, concluiu João Luís Fontes.

A equipa de curadoria da exposição é composta por Amélia Aguiar Andrade, Bernardo de Vasconcelos e Sousa e Luís Filipe Oliveira, além de João Luís Fontes.

José Mattoso defendeu que “a História nos convida a viver com as incomodidades daí decorrentes e a tentar tirar delas algum partido”. “Mais do que exaltar a Pátria, interessa-me o relacionamento dos Portugueses uns com os outros”, disse o historiador numa entrevista à agência Lusa.

A produção historiográfica de Mattoso começou a ser publicada em 1968, com “Les Monastèresde la Diocèse du Porto de l’an mille à 1200”, seguindo-se, em 1970, “As Famílias Condais Portucalenses – séculos X e XI”, tema a que voltou em 1981 com a obra “A Nobreza Medieval Portuguesa. A Família e o Poder” (1981). “Religião e Cultura na Idade Média Portuguesa”, data de 1982.

Em 1985, publicou “Portugal Medieval” e, no ano seguinte, a sua obra de referência, “Identificação de um País” (dois volumes), que lhe valeu o Prémio Alfredo Pimenta e o Prémio Ensaio do P.E.N, Clube, em 1986. Em 2020, publicou “História Contemplativa”, uma reflexão sobre a História.

Fotografia | Agência Ecclesia

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