Do Alentejo à Flandres, uma história de amor em tempos de guerra – livro

É o novo livro de José Domingos Ramalho. Chama-se "Entre Flandres e Santo António” e resulta de um “exaustivo trabalho de recolha histórica” tendo por pano de fundo a Primeira Guerra Mundial, as Aparições e a Gripe Espanhola, numa narrativa entre o Alentejo e França que é também, talvez sobretudo, uma história de amor. Luís Godinho (texto)

O livro é apresentado esta tarde, pelas 16h00 horas, no Museu Berardo Estremoz. Pretexto para uma conversa com o autor.

Qual a temática deste livro e como chegou a esta história?

O período da Primeira Guerra Mundial, que coincide com as aparições de Fátima e a terrível pandemia da Gripe Espanhola é uma época crucial da nossa história que sempre gostei de explorar. As pessoas comuns que viveram esses tempos difíceis são os protagonistas deste livro. A história nasceu de uma inquietação permanente em querer perceber como é que os nossos antepassados, em pequenas aldeias rurais como Santo António, que é um nome fictício, mas que se aplica a muitos lugares do nosso Alentejo, viveram tempos tão duros e, mesmo assim, mantiveram os laços, os afetos, a esperança e a resiliência.

É um livro de testemunhos?

Ao longo dos tempos fui colhendo memórias das pessoas, ouvindo ecos dos mais antigos e registando relatos que me fizeram viajar no tempo. E foi aí que Mariana, Zaranza e Tomaz começaram a ganhar vida dentro de mim. São personagens fictícias, sim, mas construídas com pedaços de verdade. Acima de tudo, este livro fala, da força do coração humano em tempos de escuridão. A guerra, a saudade, a fé, são o pano de fundo para algo muito mais íntimo: o amor. Este livro é como diz o título, uma história de amor.

De alguma forma, há aqui algo de autobiográfico ou de história familiar, como sucedeu nos romances anteriores?

Há sempre algo de pessoal nas histórias que escolhemos contar. Neste livro, tal como nos anteriores, fui inevitavelmente buscar inspiração às raízes, trazendo histórias que ouvi em criança, memórias que me foram sendo passadas em conversas à lareira ou nas tardes do Alentejo. Todavia, contrariamente ao “Ameixa tem Uma Filha” ou no “Motorista dos Cortes”, não há uma personagem que represente um familiar concreto, mas há emoções, situações, valores, tradições e expressões que me interessa dar a conhecer.

Com o Alentejo sempre pre- sente.

Num tempo tão difícil da nova ordem mundial, creio que faz falta voltar a falar do apego à terra e às nossas raízes. É preciso recordar a força das mulheres que seguraram famílias inteiras enquanto os homens iam para a guerra, o peso das tradições e da religião, e tudo isso faz parte do meu imaginário familiar. Talvez seja essa ligação emocional que torna este livro tão especial para mim. Porque, mesmo sem me dar conta, escrevo também para resgatar e preservar a memória dos que vieram antes de nós. O meu filho muitas vezes, depois de ler alguns episódios, interroga-me se foi mesmo assim. Esse legado que deixamos aos nossos filhos, na minha opinião, merece ser conhecido.

Tem vindo a publicar um livro por ano, o que representa a escrita para si?

A escrita é como uma viagem. É sempre um lugar de descoberta e de encontro com os outros e connosco. Tenho procurado escrever sobre as minhas memórias, fazendo ligação com aquilo que o mundo me dá e do muito que me falta conhecer. “Entre Flandres e Santo António” é um livro muito diferente dos anteriores e é talvez o que deu mais trabalho, porque foi um trabalho muito minucioso. Tive de recorrer a muitos arquivos, confirmar dados históricos, confirmar relatos, reler cartas de antigos combatentes e consultar muitos documentos históricos para garantir a sua autenticidade. Queria que cada detalhe, desde os costumes de uma aldeia alentejana até à dureza das trincheiras, fizesse sentido aos leitores. Por isso, publicar um livro por ano não é uma meta, apenas tem acontecido e espero que as pessoas gostem de o ler.

Quando parte para um novo trabalho literário, a história está pré-definida ou vai sendo construída ao longo do caminho?

É um pouco como caminhar por uma estrada com nevoeiro, sei de onde parto e onde quero chegar, mas pelo caminho pode haver sobressaltos que não estava à espera ou que se foram revelando. No caso deste livro, conheço a história pela memória da minha tia Joana Rita e do meu tio Manuel Ameixa, a quem a ouvi contar inúmeras vezes. É uma história de amor incrível e eu sempre a quis trazer a público, mas é como digo, nunca escrevo com tudo fechado e há sempre espaço para o inesperado, para ver o que a própria história nos pede. Muitas vezes são os imprevistos que tornam uma narrativa memorável.

O Alentejo é uma presença constante na sua obra…

Sem dúvida. O Alentejo não é só o cenário, é a respiração e a inspiração dos meus livros. Neste livro não falamos só Estremoz, de Vila Viçosa, falamos de todo o Alentejo. Quando escrevemos sobre as nossas gentes, sabemos o ritmo das palavras alentejanas, conhecemos o silêncio que pesa, quando se trabalha de sol a sol, percebemos que o brilho daquela luz não há em mais lado nenhum do mundo e depois compreendemos o alcance da expressão maravilhosa que é o vagar. Procuro escrever com vagar, para que se possa ler com vagar. Agora estou a escrever um ensaio sobre a velhice, mas mesmo aí é impossível separar a minha escrita da terra onde nasci. Envelhecer no Alentejo, não é igual a outras latitudes. Os antigos alentejanos sabem que o Alentejo lhe deu o tempo, a escuta e as histórias contadas sem pressa. Foi isso que aprendi e continuo a aprender no nosso querido Alentejo.

“Entre Flandres e Santo António – Uma história de amor”

José Domingos Ramalho

Editora: 5 Livros

Fotografia principal | Arquivo/Exército Português

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