Alentejo, desinvestimento e avanço do populismo

A opinião de Luís Godinho, jornalista e diretor da "Alentejo Ilustrado"

No Alentejo, apenas 28% dos cidadãos consideram que o seu município melhorou na última década. O dado, que consta do relatório que divulgamos, é o mais baixo entre todas as regiões do país. Este número, ao contrário do que uma leitura apressada possa induzir, não representa um indicador de insatisfação com o poder local — é, isso sim, um sinal claro do fracasso das políticas públicas do Estado central para com o interior e uma das chaves para compreender o crescimento do Chega nas legislativas deste ano.

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O relatório revela que os alentejanos confiam nas suas autarquias, tal como a maioria dos portugueses continua a confiar mais nas instituições locais do que no Governo. Consideram que as câmaras e juntas se preocupam mais com os cidadãos e, portanto, defendem de forma clara uma maior descentralização de competências. No Alentejo, 53% dos inquiridos querem que as autarquias e regiões assumam mais responsabilidades — valor que acompanha a média nacional e ultrapassa largamente os que consideram adequado o modelo atual ou defendem a reversão do processo.

Isto mostra que os alentejanos não responsabilizam, em primeira linha, o poder local pelas dificuldades que enfrentam. A sua perceção negativa sobre a evolução das condições de vida nos seus municípios radica, isso sim, num sentimento de abandono por parte do Estado. Um abandono que se tornou mais visível ao longo da última década, mesmo num contexto em que se anunciou, com pompa, uma nova geração de políticas de coesão, fundos europeus e transferências de competências.

É evidente a ausência de resultados tangíveis — no acesso à saúde, na oferta de transportes, na habitação, na valorização do território, até em infraestruturas permanentemente adiadas, como é o caso do “desastre” em que se transformou o novo Hospital Central do Alentejo, da inexistência de autoestrada que sirva Beja ou Portalegre, ou da Barragem do Pisão, prometida há décadas.

Esta frustração social, acompanhada de perceções de insegurança, ainda que muitas vezes erradas, não é neutra do ponto de vista político. Em muitas zonas do Alentejo, o voto no Chega multiplicou-se nas eleições legislativas deste ano, rompendo com décadas de hegemonia da esquerda democrática e dos partidos tradicionais. A explicação para esse fenómeno não pode, evidentemente, limitar-se à análise local. Mas é impossível ignorar a correlação entre o sentimento de desinvestimento, a perceção de decadência do interior e a emergência de soluções populistas que canalizam o descontentamento e a raiva contra “os políticos” ou “o sistema”.

Perante este cenário, a regionalização surge não como um tema técnico ou administrativo, mas como uma resposta política à altura do problema. Já o era aquando do primeiro referendo, realizado em 1998 e no qual, convém sempre recordar, 53,9% dos alentejanos votaram favoravelmente a criação das regiões administrativas. Passados 27 anos, continua a ser a melhor ferramenta para reequilibrar o território, devolver poder aos cidadãos e criar centros de decisão mais próximos e atentos às realidades locais. A vontade popular expressa neste estudo do Iscte parece estar alinhada com essa ideia, pois a grande maioria dos portugueses quer voltar ao tema e defende a eleição direta dos presidentes das CCDR.

A verdade, porém, é que este debate continua adiado, por não servir à rapaziada do Terreiro do Paço. E essa hesitação tem custos políticos. A ausência de respostas estruturais para os problemas do interior é um belíssimo combustível para a radicalização do voto. Os números do Alentejo não deixam margem para dúvidas: foi onde o Estado mais falhou, que o populismo mais cresceu.

Não se trata apenas de exigir mais autonomia, a descentralização não basta, a desconcentração não resolve tudo e o tempo do faz-de-conta acabou. A regionalização é uma condição necessária para restaurar a confiança, garantir coesão territorial e, sim, travar a ascensão de soluções antidemocráticas.

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