Para realçar a leviandade do excesso mediático que à alta do preço do azeite foi dedicado, façamos então uma panorâmica da conjuntura da economia nacional com o que se passa no Estado, nas empresas dos sectores da energia, banca, distribuição e revenda que são alguns dos ‘stakeholders’ em redor da atividade olivícola, como também o são os nossos trabalhadores, fornecedores e clientes.
• 753.850 funcionários públicos é o mais elevado número de sempre e foi atingido em 2024, apesar da modernização administrativa, da desmaterialização, da digitalização, do simplex e de outros que tal. O Estado português consumiu no ano passado 43% da riqueza criada no país, tendo a subida da despesa sido maior que o aumento da sua receita.
Apesar da redução do IRS, entre impostos e contribuições sociais, o Estado angariou em 2024 mais 6,7%, ou seja, mais 6,4 mil milhões de euros do que em 2023, num total de 101,8 mil milhões. Assim, o peso no PIB do total das receitas fiscais subiu mais uma décima de 2023 para 2024, registando 35,7% e ajudando as contas do Estado ao segundo maior excedente dos últimos 50 anos que foi de quase dois mil milhões de euros (0,7%).
Mantendo procedimentos de contenção/cativação de outros anos, esta performance de 2024 foi conseguida, em grande parte, à custa de novo défice (1,4 mil milhões) de financiamento do investimento público que apenas se tornou possível de ir concretizando por andar disfarçado pelos montantes que, a fundo perdido, a bazuca do PRR para cá vai disparando.
Apesar da promessa em sede de Orçamento Geral do Estado de que em 2025 não haveria aumento de impostos, logo a 1 de Janeiro subiu a taxa de imposto sobre os produtos petrolíferos, carregando os preços de cada litro de combustível com mais três cêntimos;
• Um milhão de euros/hora em março, com o valor total a ascender nessa altura a 36,426 mil milhões de euros, o mais elevado de sempre segundo o Banco de Portugal (BP), foi o montante das subscrições de Certificados de Aforro. Este número revela um forte crescimento naquele que é o mais popular instrumento de dívida pública na captação das poupanças das famílias portuguesas, cuja taxa foi em 2024 a mais elevada dos últimos 22 anos.
O BP informou também que o rendimento disponível das famílias registou em 2024, em termos reais (já descontada a inflação) um histórico aumento de 7,8% que não encontra paralelo nas séries estatísticas das últimas décadas e essa melhoria contribuiu para que as famílias portuguesas, segundo a OCDE, liderem na zona euro com a maior taxa de crescimento do poder de compra nos últimos três anos.
Talvez como reflexo, tivemos os centros comerciais em Portugal a registarem em 2024 o seu maior volume de faturação de sempre e as viagens de portugueses ao estrangeiro a crescerem 6,2% em relação a 2023, atingindo o máximo histórico de 3,4 milhões de deslocações no ano passado. Assim, o consumo total das famílias foi o motor do crescimento da economia nacional em 2024 (acima do investimento e das exportações), impulsionando a taxa de crescimento real do PIB até 1,9% (0,8% na média da União Europeia);
• 140 milhões foi o montante dos prejuízos que, segundo a Autoridade da Concorrência (AdC), a EDP Produção causou aos consumidores por abuso de posição dominante. Esta empresa foi condenada pela AdC em 2019 a pagar 40 milhões de euros e o Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou agora a tentativa da EDP de dar como prescrito aquele processo contraordenacional em que a empresa levou os consumidores a terem que suportar tarifas de acesso às redes e preços de energia no retalho mais elevados.
Para além disto, está também a EDP acusada pelo Ministério Público noutro processo de cobrar rendas excessivas em prejuízo do Estado e dos consumidores num valor superior a mil milhões de euros.
Entretanto, sendo os nossos salários dos mais baixos, pagamos pela electricidade em Portugal ao nível dos mais ricos países da União Europeia e a EDP foi a empresa cotada a pagar o cheque mais chorudo em dividendos na bolsa portuguesa com 179 milhões para a chinesa China Three Gorges.
Nota ainda para o facto de quase três quartos dos lucros das empresas portuguesas cotadas em bolsa irem para o estrangeiro;
• Mais de 21 mil milhões de euros foi quanto os bancos em Portugal cobraram no ano passado em comissões bancárias que nunca estiveram tão caras e foram mesmo responsáveis por mais de metade do recorde de lucros na banca em 2024. Os quatro maiores bancos lucraram 11,5 milhões de euros/dia e, no seu conjunto, a nossa banca vai pagar aos seus acionistas ‘jackpot’ recorde de 4,1 mil milhões e os respetivos conselhos de administração viram o bónus que lhes foram atribuídos disparar para mais 30% em resultado de um ano histórico.
Depois de tempos em que na banca valeu tudo mais um “par de botas” e a respetiva fatura nos acabou por tocar a todos, apesar disso, serviram-nos taxas em todo e qualquer tipo de operações e juros ridículos nos nossos depósitos, muitíssimo inferiores aos que, em boa altura, pagaram ao Banco Central Europeu para lá se financiarem.
Já quanto aos ‘spreads’, depois de decisão em primeira instância, anda aos tombos pelos tribunais uma condenação aos nossos bancos de 225 milhões por, em cartel, falsearem a concorrência ao combinarem entre si aquele lucro e, se em 2023 as instituições bancárias foram obrigadas pelo Banco de Portugal a devolver 8,25 milhões a clientes por comissões e juros indevida e ilegalmente cobrados, em 2024 esse montante quase triplicou para 22 milhões;
• 100 milhões por ano em 2022 e 2023 foi o valor estimado pelo Governo para a taxa extraordinária aplicada aos sectores da energia e da distribuição alimentar por lucros excessivos em aproveitamento daquela conjuntura de subida de preços.
Recentemente, o Tribunal da Concorrência e Defesa do Consumidor na Polónia confirmou uma multa de 118 milhões a uma grande distribuidora portuguesa por abuso de poder negocial nas suas relações com fornecedores de vegetais e de frutas;
Ora nós, os olivicultores portugueses, produtores do rei dos óleos, não encaminhamos lucros para o estrangeiro, nunca fomos condenados por abuso de poder, por atuar em cartel, por tirar partido de posição dominante e, muito menos, por prejudicar consumidores.
Sustentabilidade é construir valor onde vivemos e bem sabemos que, para isso, temos que nos haver na nossa actividade com as contingências das pragas, do clima e dos burocratas, bem como com as vistas curtas e a falta de cultura de meio dos mercadores. Mas agora passámos também a ser visados por, por um momento, ter parecido possível reverter a fatalidade de a agricultura fazer empobrecer e por os agricultores, finalmente, ousarem à pobreza não se resignar. Ou terá sido apenas porque alguém suspeitou que este nosso património natural esteve a ser remunerado de uma forma para além de minimamente digna?