Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), 5,41% da população residente no Alentejo é analfabeta. Praticamente o dobro da média nacional. No caso das mulheres, a taxa média no Alentejo é ainda maior: 7,43%.
“No século XXI não deveríamos ter ainda pessoas que não sabem ler nem escrever”, comenta Lurdes Nico, delegada regional do Alentejo Litoral e Alto Alentejo da Associação Portuguesa de Educação e Formação de Adultos (APEFA) – entidade com a função de ‘promover, defender, valorizar e desenvolver a educação e formação de adultos permanente e ao longo da vida’.
Ainda assim, Lurdes Nico lembra que “a democratização do acesso ao ensino foi uma das conquistas do 25 de Abril e uma realidade particularmente importante para as mulheres”, uma vez que em 1970 uma em cada quatro não sabia ler e escrever “por questões históricas, sociais, culturais, e políticas”. A taxa de população analfabeta em Portugal era de 25,7%, atual- mente é 3,08%.
Com base nos dados dos últimos Censos, pode concluir-se que a taxa de alfabetismo no país tem vindo a diminuir de forma mais significativa no Alentejo, embora se mantenha a região com a percentagem mais elevada. “Ainda que a taxa tenha reduzido para metade”, de 9,55% em 2011 para 5,41% em 2021, “o problema continua, e a atingir mais mulheres do que homens”.
A delegada regional da APEFA identifica a população que não sabe ler no Alentejo como sendo de mais idade, o que ajuda explicar a diminuição da taxa de analfabetismo: “resulta não tanto de uma ação direta, estruturada de política pública, mas porque estas pessoas, sendo mais velhas, acabam por morrer, resolvendo naturalmente esta questão”.
Bravo Nico, igualmente coordenador da Associação no Alentejo Central e Litoral, fala na existência de uma “variável” de peso para os números de analfabetismo permanecerem elevados – a “prevalência de grupos populacionais que dentro deles têm importantes comunidades de etnia cigana”, como acontece, por exemplo, em Monforte.
“Essa população tem uma pre- valência de pessoas analfabetas proporcionalmente maior em relação à população geral”, e neste caso não são apenas pessoas mais idosas, “mas também de meia-idade”. O concelho tem a taxa de analfabetismo mais alta da região (11,76%), que sobe para 15,28% no caso das mulheres.
O também diretor da Universidade Túlio Espanca/Universidade de Évora e da Escola Comunitária de São Miguel de Machede, adianta que a taxa de analfabetismo feminino poderá ter a ver com a maior esperança de vida das mulheres: “é superior à dos homens porque na população idosa há mais mulheres do que homens”.
No masculino ou no feminino, “estas pessoas estão numa situação de profunda desigualdade”, observa Lurdes Nico, apontando os constrangimentos da situação: “Não conseguem exercer os seus direitos e deveres em igualdade de circunstâncias com cada um de nós, porque não têm as ferramentas de base, que são a leitura e a escrita. Já para não falar de outras competências”.
A questão – prossegue – tem de ser analisada “também do ponto de vista daquilo que é uma profunda injustiça social no nosso país”, que não a tem conseguido resolver. Lurdes Nico explica que na década de 70/80 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) desenvolveu “trabalho pro- motor de educação de adultos com foco muito forte na alfabetização”, mas a partir da década de 90 “a tónica tem sido na aprendizagem ao longo da vida, formação profissional para pes- soas que estão em idade ativa”, e as políticas públicas de educação esqueceram-se das pes- soas que não sabem ler nem escrever.
Também nesta temática, há um antes e um depois da entrada de Portugal na União Europeia (UE). Bravo Nico refere que nas décadas de 60, 70 e um pouco na de 80, “a educação de adultos, e em particular a alfabetização, era encarada como um direito” e, portanto, o Estado “tinha o dever de garantir essa oportunidade”. Com a adesão à UE, e sobretudo “a partir do Tratado de Lisboa, aparece um novo conceito na área da educação que é a aprendizagem ao longo da vida, que não tem nada a ver com educação permanente”. A responsabilidade da educação deixa de ser do Estado e passa a ser do indivíduo. “O ideal de educação permanente de base humanista começa a ser substituído pelo paradigma da aprendizagem ao longo da vida”, resume.
FALTAM POLÍTICAS PÚBLICAS
Portugal, diz o delegado da APEFA no Baixo Alentejo e Algarve, António Espírito Santo, tem um problema com a educação de adultos e este deve ser assumido: “Não se coloca em causa o pré-escolar, decidindo que um ano há oferta e no outro já não. A educação de adultos tem de se combater exatamente da mesma forma”. Ou seja, o analfabetismo tem de ser encarado como um problema nacional, em que o Ministério da Educação não pode fazer depender a resposta da existência de uma turma com um número mínimo de formandos.
Em Almodôvar, por exemplo, que é um concelho grande com uma densidade populacional dispersa, responder a esta exigência é uma missão praticamente impossível. “As pessoas estão identificadas” – assegura -, “mas o problema é que estão espalhadas por aldeias, montes, e às vezes até a viver isoladas”. Ainda que, neste caso, a autarquia se disponibilize a assegurar o transporte, levantam-se outras questões, como o facto de um eventual curso decorrer em horário pós-laboral.
“São pessoas de mais idade, que não se consegue fazer sair de casa às seis da tarde e virem para a vila, para voltarem às onze da noite, quando normalmente se deitam mais cedo que isso”, observa António Espírito Santo, sublinhando que com as dificuldades surge a desmotivação: “assumem que sempre viveram assim, sem saber ler nem escrever, pelo que assim vão continuar”.
Embora se pensem estratégias para avançar com aulas de alfabetização, coloca-se sempre a questão da certificação da aprendizagem, lembra o dirigente associativo, considerando que as universidades seniores poderiam ser um ponto de partida. “Temos professoras primárias reformadas com 60 e poucos anos que assumiriam de bom grado esta missão de ensinar a ler e a escrever em aldeias do interior do Baixo Alentejo”.
António Espírito Santo defende que, se existisse disponibilidade do Ministério da Educação para dar autonomia às autarquias ou às escolas neste domínio, tudo seria diferente. “Tem de haver um programa criado de raiz com políticas públicas para combater o analfabetis- mo na descentralização, junto da população, percebendo o que funciona melhor em cada concelho”, conclui.
CONCELHOS COM MAIS ANALFABETISMO
De acordo com o INE, os concelhos alentejanos com maior taxa de analfabetismo são Monforte (11,76%), Arronches (9,21%), Alvito (9,13%), Ourique (9,03%) e Almodôvar (8,72%). O Censos indica ainda Monforte como o concelho com maior taxa de analfabetismo entre as mulheres (15,28% ), seguindo-se Arronches, Alvito, Alter do Chão e Sousel.
Para combater o estigma associado ao problema, os especialistas defendem programas assentes na “partilha de saberes”, em que os alunos também são professores: “Uma aluna não se irá importar que aquela professora primária a quem ensinou a fazer ponto cruz, por exemplo, lhe ensine as letras”, refere António Espírito Santo.