Como surgiu a ideia de criar ovelhas de raça merino preto em Alcácer do Sal?
Trabalho em consultoria há mais de 15 anos e, em 2024, decidi agarrar este negócio agrícola depois de suceder à minha mãe. Há uma parte que se mantém, mas quis dar um novo impulso. Tipicamente, a exploração estava muito focada na cultura do arroz, na gestão das pastagens e do montado e, quando decidi dedicar-me a este negócio, tinha vontade de transformar, de acrescentar. Nesse sentido comecei a introduzir algo que já não existia há muito tempo – o gado ovino. Escolhi uma raça autóctone, o merino preto, e faz agora um ano que chegaram à ex- ploração os primeiros exemplares. Além disso, com o apoio do projeto de jovem agricultor, foi possível aumentar a tecnologia utilizada na gestão da exploração, tornar mais eficiente a forma como gerimos as culturas e as pastagens com o objetivo de evitar danos no solo.
Como se caracteriza a Herdade da Torre?
A herdade tem cerca de 400 hectares e é composta essencialmente por montado. Depois tem uma parte de culturas temporárias e outra de culturas permanentes e ainda uma área de regadio, onde se produz o arroz. Neste momento, temos à volta de 180 ovinos e faz parte do projeto fazer uma redução da área das parcelas, através do reajustamento das cercas, para permitir um maneio mais eficiente e um benefício maior para o solo com o objetivo de fomentar a biodiversidade. Valorizo muito o bem-estar animal. Se vejo uma ovelha cocha ela é logo retirada do rebanho e tratada à parte. Quando os borregos saem para venda tenho uma certa pena porque sei qual é o destino. Mas, no fundo, isto é um negócio e é assim que tenho de pensar.
Como é feita alimentação do rebanho?
Este ano têm comido pastagem. Aos borregos mais pequenos podemos dar alguma farinha, após o desmame, mas é algo que não é relevante. Tenho consciência que este ano tem sido atípico e tenho em mente que é necessário ter um stock alimentar que dê para dois anos.
E em termos de comercialização?
Temos dois grandes objetivos: vender borregos para carne que são tipicamente aqueles que não foram selecionados para serem reprodutores pela associação a que pertenço, a Associação Nacional de Criadores de Ovinos (Ancorme). E, depois, comercializar animais que, pelas suas características excecionais, serão futuros reprodutores e reprodutoras. Vendemos os borregos com cerca de 25 quilos dado que, em termos de preço de mercado, é o mais compensatório. Francamente, creio que é uma carne que vai fazer cada vez mais parte da nossa alimentação porque é considerada uma carne branca, como o frango e o peru, que são cada vez mais valorizadas e consumidas pelas suas características nutricionais. A primeira carne que os pediatras pedem para introduzir às crianças é frango ou borrego. É uma carne saudável produzida de forma biológica. Neste momento, a comercialização das fêmeas reprodutoras selecionadas pela Ancorme está em suspenso, tenho ficado com elas para aumentar o meu efetivo. No futuro se- rão vendidas a outros criadores de merino preto, pois há uma grande procura por esta raça e acredito que os efetivos cresçam nos próximos anos.
Quais são as vantagens de ser criadora desta raça?
Nesta herdade sempre houve ovelhas e sempre tive um maior gosto pelo gado ovino, talvez por razões do foro sentimental, das mi-nhas vivências quando era criança. É um ani- mal curioso, a forma como se desenvolve, como se mexe no campo. Dá mais trabalho do que o gado bovino, em termos de mão-de-obra, mas também vejo mais vantagens. O efetivo pode ser mais numeroso e o impacto de perder uma ovelha é muito menor do que o de uma vaca. Na escolha do ovino tinha claro que não queria aquela ovelha sem raça. Dão muito trabalho, ficam muito mais vezes doentes e, na altura, quando escolhi, sabia que queria uma raça au- tóctone porque creio que faz sentido desenvolvermos aquilo que é nosso.

Foi fácil a decisão?
Estive cerca de oito meses a ver qual a raça que escolhia, falei com várias associações, com agricultores da zona e engenheiros zootécnicos e optei pelo merino preto por ser uma raça que também se adequa bem ao clima onde se situa a herdade. São animais muito independentes, sofisticados, inteligentes e resistentes. Enquanto uma ovelha branca sem raça tem sempre algum problema, as merinas preto parem sozinhas, levantam-se logo. Além disso, é um animal bonito.
O facto de ser mulher num mundo es- sencialmente masculino provocou-lhe algum desconforto?
Acho que há dois mundos: o do escritório e o do campo. Todas as pessoas a quem tenho comprado ovelhas são homens e eles acham imensa graça estarem a vendê-las a uma mulher. No meu caso, posso dizer que nunca tive qualquer desconforto. São pessoas que me conhecem há muitos anos e sempre me senti respeitada. Já calcei as botas e vesti as calças muitas vezes e fui tratar das ovelhas. Infelizmente ainda há poucas mulheres a assumirem este negócio, pelo menos na minha zona, ainda que o ter crescido neste meio me tenha ajudado a entender melhor esta dinâmica que é muito especifica.
O que representou este prémio para si?
Fiquei muito contente e, ao mesmo tempo, sinto uma responsabilidade acrescida, no sentido em que penso que isto tem de correr mesmo bem! Estou a iniciar, a aprender, e espero que outras pessoas possam acreditar que o mundo rural também tem oportunidades. Faz sentido apostar, sem medo, devemos agarrar aquilo que é nosso, desenvolver e não perder o norte. Parece-me fundamental que a minha geração, sou jovem, mas já tenho 38 anos, perceba que o sector agrícola precisa de pessoas com formações em outras áreas, com experiências fora do mundo rural, e que isso enriquece todo o sector.
Como se podem atrair mais jovens para o mundo agrícola?
O apoio à instalação dos jovens agricultores é muito aliciante, dado que existe um prémio monetário na instalação seguido de um apoio destinado à execução e ao desenvolvimento do negócio nos primeiros dois anos. Fazer chegar esta informação à população em geral parece-me fundamental, daí o papel importante das associações agrícolas locais que estão constantemente a comunicar e facilitam o acesso de informação mais técnica. Acho que os projetos devem ter uma resposta rápida e um financiamento alternativo pois o normal é as pessoas não terem capacidade para financiar todo o investimento.