Nascido em São Pedro do Sul, foi em Almada que cresceu, numa família católica, com mais três irmãs. Licenciou-se em engenharia eletrónica antes de entrar para o seminário. Foi ordenado em 2005 na paróquia de Nossa Senhora da Aparecida, em Setúbal.
Está preparado para a inevitabilidade de, mais cedo ou mais tarde, alguém lhe pedir para entoar uma moda alentejana?
Só posso dizer que vou tentar, que farei o meu melhor recorrendo aos poucos dotes que tenho. Sei que o cante alentejano é Património da Humanidade, com muito mérito, vamos ver…
A açorda também o espera…
Ah, mas disso eu gosto, isso eu gosto. Tanto da açorda como da doçaria alentejana, aí conheço alguma coisa, hei de conhecer mais, acho que vai correr bem.
Ficou surpreendido com a nomeação?
Fiquei. Pronto, é verdade que uns tempos antes houve assim uns rumores, não para Beja, que não levei muito a sério, sinceramente. E pensei também que, mesmo que houvesse alguma ponta de verdade nisso, quem tem a responsabilidade de decidir iria encontrar soluções e pessoas mais capazes…
Isso também é modéstia.
Não, estou a falar com muita sinceridade. Portanto, a nomeação acabou por ser uma surpresa, porque não estava, de facto, nas minhas expectativas, nem nos meus planos, até porque para quem se lança nesta vida sacerdotal o plano é não ter plano.
Então, recebeu o telefonema…
Fui chamado à Nunciatura Apostólica e o Núncio [cardeal Ivo Scapolo] comunicou-me a nomeação. Fui rezar, lá na capela. E aceitei, não podia dizer não. Quem está nesta circunstância de ter entregue a vida ao Senhor é chamado a dizer sim àquilo que a Igreja nos pede, àquilo que percebemos e que interpreto como sendo a vontade de Deus.
Há aqui um grande desafio à sua espera?
Pois, não tenho dúvidas que é um grande desafio e uma enorme responsabilidade. Não tenho disso a menor dúvida, mesmo sem saber os detalhes, ao nível da situação concreta que vou ter em mãos. Mas, pronto, posso dizer que se contasse apenas com as minhas forças, com as minhas capacidades, teria boas razões para estar desesperado. Mas como confio na graça de Deus, também na graça de Deus que capacita aqueles que são escolhidos para esta missão ou para qualquer outra, isso dá-me serenidade e dá-me paz para poder avançar para esta missão que agora me é pedida.
Já conhece a comunidade?
Estive lá na Semana Santa, fui convidado, participei num pequeno momento de oração com os sacerdotes, uma reflexão, um momento de formação. Esse foi o primeiro contacto. Agora mais recentemente também me desloquei a Beja por questões mais logísticas relacionadas com a organização de tudo aquilo que tem a ver com a tomada de posse, com a ordenação.
Como é que tem vivido este tempo de tran- sição, entre um presente e um tempo futuro?
É uma questão interessante. Diria que é um tempo único. Serão um pouco mais de três meses entre a data da nomeação e a tomada de posse. Várias coisas acontecem em simultâneo, antes de mais no meu coração… já há uma saudade antecipada da situação que deixo [vigário-geral da Diocese de Setúbal] pois quando nos entregamos a alguma missão, a algum trabalho, naturalmente ficamos ligados afetivamente. É normal que assim seja. Por outro lado há a expectativa e a preparação que tenho estado a fazer para aquilo que será a minha nova missão. Há muito para conhecer e para aprender… até em termos muito práticos, estou também, digamos, a tentar deixar fechado aquilo que tenho em mãos ao nível da paróquia, ao nível do centro social e paroquial, ao nível do meu trabalho como vigário-geral, para deixar as coisas o mais arrumadas possível a quem virá a seguir.
Tem as prioridades definidas para quando chegar a Beja?
A primeira prioridade é sempre, e não pode deixar de ser, conhecer. Conhecer uma realidade que é nova para mim, toda uma realidade eclesial, por um lado, e, por outro, também uma realidade cultural, social, que eu não conheço ou conheço muito mal. É tempo de conhecer estas realidades, tanto ao nível da Igreja, como da sociedade alentejana.
Que é, enfim, uma realidade muito diferente daquela das suas origens, com um maior afastamento das pessoas em relação à Igreja.
Um primeiro pensamento é que, independentemente dos contextos sociais, económicos, culturais, o coração do Homem, esteja onde estiver, é sempre o mesmo. É um coração que tem sempre Deus e por isso a mensagem do Evangelho… e é por isso que a Igreja também está presente, encontra sempre, ou há de encontrar sempre corações que esperam, ainda que não o saibam, esta mensagem de salvação. E nesse sentido, o desafio, de alguma forma, é idêntico, qualquer que seja o local, a circunstância, a cultura e até o tempo.
Aqui será um pouco mais difícil.
Pois, eu sei que é um território que tem uma baixa prática religiosa, pelo menos a nível da participação da Igreja na missa dominical, o que também, de alguma forma, não é muito diferente do que eu hoje aqui vivo, em Setúbal. As percentagens, pelo que já percebi, não são muito diferentes. E até mesmo, olhando numa perspetiva um pouco mais alargada para o mundo ocidental, tanto a Europa Ocidental, como os Estados Unidos ou Canadá vivem fenómenos muito semelhantes. Um crescente secularismo provoca, de facto, um afastamento relativamente à prática regular da igreja cristã.
É aí que a Igreja tem falhado?
Talvez. Em todo o caso, é sempre um desafio. Esta circunstância deve ser encarada como um desafio. O Evangelho que vamos anunciar e que anunciamos é sempre o mesmo. É o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas é verdade também que as circunstâncias do mundo de hoje não são as mesmas de há 50 ou de há 500 anos. E nesse sentido, temos de encontrar caminhos novos, temos de ousar ser criativos para poder anunciar de uma forma apropriada a mensagem do Evangelho. E o Papa Francisco, tal como os anteriores, também nos tem incentivado muito a caminhar nesse sentido, a encontrar caminhos novos para situações novas. É o que é necessário fazer.
O Baixo Alentejo está a ser muito marcado por fenómenos associados ao tráfico de imigrantes e de exclusão social. Sem o trabalho da Cáritas a situação seria catastrófica. Já analisou este problema?
Não conheço ainda muito bem a situação, mas do que tenho visto na comunicação social estamos perante um problema presente no distrito e na Diocese de Beja, com muita gente a viver em condições precárias, por vezes em situações até mais que precárias, de exploração e outros problemas. O que pretendo fazer é conhecer in loco todas estas situações. A Igreja vai fazendo o seu caminho [na resposta aos problemas sociais], sei que sim, e terá de haver um trabalho conjunto com outros parceiros, que também estão no terreno, com as autoridades, com outras organizações e associações, para estendermos a mão a este gente que tanto precisa.
A Diocese de Beja é a segunda maior do país, está também muito envelhecida. Essa é uma preocupação?
Sem dúvida. É um fenómeno que também não é só no Alentejo, não é só de Portugal, mas do mundo ocidental. É uma situação complexa para a qual concorrem vários fatores e para a qual são necessários vários contributos para que possa haver uma boa solução. Mas uma coisa que tenho presente e que me parece importante é que a vida cristã, quando é vivida na sua plenitude, quando é vivida em verdade, aponta e propõe um caminho de abertura à vida, de confiança em Deus…
Será um bispo interveniente nestas questões sociais?
Não tenho planos, o meu plano para já é conhecer… naturalmente que a Igreja tem uma palavra a dizer e uma palavra profética de intervenção naquilo que deve ser dito no sentido, por um lado, de denunciar injustiças e também de apontar caminhos de esperança, de solidariedade, de promoção do bem comum e nesse sentido, sem dúvida, que serei bispo interventivo.
O atual bispo, D. João Marcos, tem lamentado a falta de sacerdotes numa diocese tão vasta. Esta falta de vocação tem apenas a ver com a proibição do casamento?
Não, não tem. Quando a fé é mais forte, mais fervorosa, naturalmente as vocações surgem porque as coisas estão ligadas uma com a outra. Por outro lado, a falta de vocações nem sequer é um tema de hoje, tem mais de dois mil anos, já está nos Evangelhos, quando Jesus diz que a messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Agora, hoje tem contornos diferentes, certamente. A primeira solução é rezar.