Lurdes Nobre: “Évora Imaterial”

A opinião de Lurdes Nobre, promotora cultural

“Imaterial é o que não é corpóreo, espiritual”. É este conceito que fez do cante alentejano Património da Humanidade; é este conceito que toca o Património da Humanidade do nosso centro histórico, e é por estas junções que o Festival Imaterial tomou forma em Évora há quatro anos e aqui nos trouxe espetáculos, conversas, exposições e filmes.

Que vos posso dizer desta edição? Não sei bem, sensações, emoções, crescimentos interiores não se explicam facilmente, tem a ver com cada um dos que vivenciam estas experiências. Falo-vos das minhas

A abertura do Imaterial fez jus ao seu nome, no Cromeleque de Vale Maria do Meio, os instrumentos ancestrais que Abraham Cupeiro trouxe casaram com a magnitude das pedras, um sentimento de equilíbrio espiritual entre o espaço e o tempo, a flauta feita de pena de abutre, ou o toque do búzio, transportaram-nos através da música para um tempo onde os homens criaram sons em harmonia, um tempo onde o vento propagava sons a comunidades distantes, um tempo onde o simples era belo. E ali, voltou a ser simples e belo. Foi um momento mágico.

Já no teatro as sonoridades fazem de cada povo um povo único, mas que o liga a outros povos. A tradição a par dos conhecimentos e da tecnologia dos nossos dias. Mostrando que a cultura está sempre em evolução, mas só se mantiver o olhar no que nos deixaram os nossos antepassados. E que antepassados? Senti-os em palco em sincronia pela polifonia dos Fondo da Barra, ou através de  Ustad Noor Bakhsh (do Paquistão), que com 80 anos faz a sua primeira digressão para nos presentear com as sonoridades do seu benju, instrumento tradicional que os japoneses levaram para o Paquistão onde o fizeram seu, mostrando-nos mais uma vez que a arte junta povos, liga culturas, transforma sociedades. 

Ou ainda no duo RUUT, da Estónia, composições antigas ou actuais para um dos instrumentos mais antigos da Europa, o Kannel, que Anne e Katariina tocam de frente uma para a outra, retirando dele as sonoridades de instrumentos de cordas e de percussão, um instrumento quase completo. 

Esta edição do Imaterial, foi muito superior à do ano passado; a anterior era muito mais comercial, esta não, foi mais cuidada nas escolhas, nas ligações.

Poderia discutir a falha do Imaterial português e da região, poderiam ter-lhe juntado outras imaterialidades nossas, no qual somos uma das zonas mais ricas do país, até porque temos em Évora, no Convento dos Remédios, o Centro de Recursos do Património Cultural Imaterial, que poderia ter enriquecendo o Festival, mas a escolha do programador foi outra, aceito.

O que não aceito são os que defendem que o Imaterial deveria acabar. Não há lugar em que este Festival fique melhor que em Évora, o teatro esgotar quase todos os dias para assistir aos espetáculos, aos filmes e às conversas, provam que é de aceitação generalizada, não é para elites… ali estiveram todos, e só não foram mais porque os lugares são poucos, tivéssemos uma sala de mil ou de 1500 lugares e esgotaria também, o que é fantástico. 

A aceitação e o prazer vêem-se no final de cada noite, pessoas sorridentes exclamando “foi muito bom” e isso, meus caros, é o papel que cabe a um município: apostar no que não é comercial, criar públicas para o que nos diferencia. Não é papel das Câmaras fazer arte que vende bilhetes em barda, isso é para as empresas, há que saber separar os papéis.

O Imaterial é pago pelo Inatel e pela Câmara de Évora, mas se os defensores do seu fim, acham que é caro, negoceiem as verbas, o términos não é uma boa opção, a cidade não merece que se perca mais um grande projecto só por diferenças de opiniões. O Imaterial deste ano terminou, muita gente foi tocada de formas diferentes, mas todos ficámos mais ricos. Foi uma boa aposta. 

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