Como diria António Guterres: é fazer as contas. Desde as primeiras eleições autárquicas, realizadas em 1976, os 14 municípios do Baixo Alentejo já elegeram 182 presidentes de Câmara. Querem saber uma novidade? Foram todos homens. Nem uma mulher para amostra. Como antes do 25 de Abril não havia eleições, uma vez que o exercício do cargo resultava de uma nomeação política, pode dizer-se que nunca houve uma mulher na presidência de qualquer um dos 14 municípios do Baixo Alentejo.
A política autárquica na região é assim uma espécie de último reduto do macho latino pois, se ampliarmos a perspetiva a uma escala regional, constatamos que a Câmara de Évora foi sempre presidida por homens, tal como as de Elvas, Estremoz, Moura, Odemira, Ponte de Sor, Santiago do Cacém ou Vendas Novas, para referir apenas alguns dos municípios com mais população. A exceção, como se verá adiante, é Portalegre.
Passados 50 anos sobre a Revolução dos Cravos, quando finalmente a igualdade entre homens e mulheres ganhou enquadramento legal, na grande maioria dos municípios alentejanos continuam a ser eles que mandam. É verdade que as listas autárquicas tendem a ser paritárias, muito por “culpa” das quotas, ainda que a liderança seja, por regra, entregue aos homens, relegando as mulheres para cargos de vereação, com competências nas áreas da educação, saúde ou apoio social.
Telma Guerreiro, ex-deputada do PS e atual secretária técnica do Programa Regional Alentejo 2030, reconhece que, “vendo a história, o espaço público é ocupado pelos homens”. Em particular no que diz respeito ao Poder Local. “Nós, mulheres, temos de contrariar essa tendência, temos de querer ocupar esse espaço público. As quotas têm sido uma ajuda extraordinária. Não gostamos, mas fazem falta, têm dado às mulheres a oportunidade de experimentarem o espaço público e muitas vão ficando”.
No seu caso, lembra um processo eleitoral à Junta de Freguesia de São Teotónio, que já integrava. Tratava-se de escolher, no PS, a pessoa que iria liderar a lista. “Não seria natural ser eu? Sim, tinha competências para isso, havia todo um argumentário favorável, mas na prática estávamos à procura de um candidato homem, como se por ser mulher a minha candidatura fosse frágil”, recorda.
Telma Guerreiro refere que, em nenhum momento, esteve em causa a sua capacidade para desempenhar a função, apenas o facto de ser mulher. “Acabei candidata a vereadora na Câmara de Odemira. Entenderam que não seria a candidata natural à Junta de Freguesia, foi um homem que se candidatou e ganhou. Tiro-lhe o chapéu”, resume, acrescentando que esse foi o primeiro momento em que sentiu que ser mulher “poderia ter um peso social e cultural” no processo de decisão política.
Depois, sublinha, o ponto de partida prejudica as mulheres, sendo que sobre elas “recaem maiores responsabilidades no dia-a-dia da família, na gestão da casa. E isso tira-nos tempo, espaço de pensamento, de diálogo, de participação”.
Empresária, ex-dirigente sindical e ex-autarca, Joana Soeiro, do PCP, candidatou-se a presidente da Junta de Freguesia do Salvador (Beja), ganhou as eleições e fez três mandatos. Reconhece que houve conquistas nestes 50 anos de democracia, mas nem tudo é positivo: “Continuamos a ver diferenças nas chefias, diferenças salariais, as mulheres continuam a ser desrespeitadas, maltratadas, violentadas. Temos de nos saber defender e lutar”.
A nível político assegura que, quando foi eleita, o Poder Local era de facto “um mundo de homens”. Agora já não o será tanto, ainda que a maioria das câmaras no Alentejo nunca tenha sido presidida por uma mulher. Aponta várias razões para isso: “Ou são os filhos pequenos, ou a menor disponibilidade para a vida política devido à atividade profissional e às tarefas em casa… a mulher continua a ser vítima, o machismo continua implementado no país”.
No caso do Baixo Alentejo, prossegue Joana Soeiro, “também saberemos dar conta do recado”. O problema “é que as coisas ainda não aconteceram, as mulheres não tiveram a ousadia de se colocar na linha da frente”.
Experiência diferente tem Fermelinda Carvalho (PSD), 12 anos presidente da Câmara de Arronches e desde 2021 presidente da de Portalegre, tendo sucedido no cargo a outra mulher. Ainda assim garante ser necessário “um poder de sacrifício muito grande”, já que “as mulheres continuam a ser mães, a ter que tomar conta dos filhos, a ter mais responsabilidades que os homens nas lides domésticas”.