Em 1994 os portugueses ainda usavam escudos. O cavaquismo vivia os seus últimos tempos, depois de duas maiorias absolutas. E Alqueva, a Barragem de Alqueva, era promessa que se arrastava desde 1957, aquando da elaboração do Plano de Rega do Alentejo. Ao fim de 37 anos de discussão, visto de fora, o projeto continuava a extremar posições.
Gonçalo Ribeiro Teles, arquiteto paisagista, ecologista e ministro no primeiro Governo da AD (1981/83), não sem alguma razão, escrevia que “se o Alqueva funcionasse (…) provocaria a criação do latifúndio tecnocrático”. O próprio Cavaco Silva opunha-se à obra. “Dizia que se tratava de um projeto de enormes custos e que em alternativa poderia fazer muitos hospitais”, escreveu o ex-presidente da Câmara de Reguengos, Victor Martelo, no seu livro de memórias, recordando uma sessão pública em que o então primeiro-ministro colocou “travão” ao avanço da barragem.
Se em 1957, o plano assumia a necessidade de construção Alqueva, 11 anos depois Portugal e Espanha celebravam um convénio para aproveitamento hidráulico do Guadiana; em 1975 o Conselho de Ministros aprovava a realização do projeto e, no ano seguinte, iniciavam-se as obras preliminares, interrompidas três anos depois. Miragem sucessivamente adiada, em 1994 anunciava-se a realização de um estudo de impacte ambiental.
É por essa altura, maio de 1994, que o núcleo de Beja da Juventude Socialista (JS) organiza um acampamento na zona onde hoje se encontra a Barragem de Pedrógão (Vidigueira). “Esse acampamento”, recorda Jorge Barnabé, “tinha dois objetivos. Um primeiro destinado a chamar a atenção para os problemas ambientais da região e um outro que pretendia reivindicar a necessidade de investimento e de construção da Barragem de Alqueva”.
Em boa verdade, o acampamento serviu também para Jorge Barnabé arregimentar apoios com vista a uma candidatura que viria a protagonizar, um ano depois, à Federação da JS do Baixo Alentejo. E que viria a ganhar.
Pelo meio das intervenções políticas, e do convívio, surge a ideia de aproveitar o pontão da estrada que permitia cruzar o Guadiana para escrever uma frase que, sendo simbólica, tivesse impacto: “Construam-me porra!!!” nasceu assim, com três pontos de exclamação.
“Quisemos chamar a atenção e criar algum mediatismo em torno da defesa da barragem, mas um mediatismo que seria local ou regional. Nunca pensámos que aquela frase teria um impacto tão grande, ao ponto de as pessoas ainda se lembrarem dela, 30 anos depois de ter sido escrita”, assegura Jorge Barnabé.
Para o consultor e presidente do Observatório do Baixo Alentejo, a frase então escrita acabou por ter um alcance “ainda maior” que a defesa de Alqueva, chegando a ser “identitária” da região, independentemente das opções partidárias de cada um.
“O Construam-me porra!!! surgiu do debate realizado nesse acampamento, e curiosamente, foi proposto por duas pessoas que não eram da Juventude Socialista, mas que nos acompanharam nessa altura: o António Ramos e o José Fernando Rosa Mendes, que era funcionário do PS”, revela Jorge Barnabé, garantindo que “foi deles a ideia” de escrever a frase nos dois sentidos da estrada, entre Moura e Portel. “Se a memória não me falha”, refere, “foi o Miguel Sousa Tavares quem primeiro a referiu a nível nacional, tornando-a mediática”.
No acampamento participaram cerca de 40 jovens. Jorge Barnabé era o presidente da JS de Beja. Aníbal Reis Costa, atual vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, era à época o presidente da Federação da JS do Baixo Alentejo.
“Aquela frase teve um impacto muito significativo, porque traduzia um desejo já manifestado por tanta gente, durante tanto tempo, que chegou a uma certa altura em que todos sentíamos existirem condições objetivas para se avançar, só faltava vontade política”, diz Aníbal Reis Costa, sublinhando que como os socialistas estavam na oposição “insistiam mais” na necessidade de construir a barragem.
Depois o Governo mudou, António Guterres ganhou as eleições, as obras começam em 1998 e a Alqueva seria inaugurada, seis anos depois, já com Durão Barroso como primeiro-ministro.
“Nesta altura”, acrescenta o vice-presidente da CCDR do Alentejo, “não nos poderíamos dar ao luxo de não ter o Alqueva”, que veio resolver os problemas de abastecimento urbano e provocar “um impacto muito significativo” na economia regional. “Seria um Alentejo muito mais pobre, com muito menores expectativas”.
O pontão onde a frase foi escrita foi derrubado. Mas o “Construam-me porra!!!”, três décadas depois, permanece na memória coletiva. Com três de exclamação.