Só o saldo migratório evita um declínio demográfico mais acentuado no Alentejo. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2023, entre os que deixam a região e os que nela se instalam há um saldo positivo de 5860 pessoas. E é isso que tem estado a “travar” o despovoamento. O número de mortes, o ano passado, foi muito superior ao de nascimentos: houve mais 3894 óbitos, ou seja, um saldo natural negativo, que tem sido uma constante ao longo das últimas décadas.
Geógrafo e investigador da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, João Ferrão reconhece que “há determinadas áreas [territoriais] onde inverter esta situação atual de baixa densidade é muito difícil”. Ou seja, há territórios “onde é possível inverter, mas há outros onde, não vou dizer que seja impossível, mas é muito difícil quebrar esse ciclo e, portanto, temos de ver como lidar com essa situação”.
E aqui, acrescenta João Ferrão, colocam- -se duas questões. Por um lado, “como garantir a qualidade de vida digna para as pessoas” que se mantêm nos territórios com despovoamento mais acentuado, “pois não são cidadãos de segunda pelo facto de viverem em áreas com uma densidade demográfica muito baixa e até continuar a diminuir”. Por outro, como assegurar que o despovoamento não signifique abandono, ao contrário do que é usual acontecer.
“Não podemos, como tem sido feito muitas vezes, acompanhar o decréscimo da população pelo encerramento sistemático daquilo que são ser- viços básicos, como o centro de saúde, a escola, os correios, até a agência bancária. Temos de arranjar soluções que sejam compatíveis com essa baixa densidade”, defende o geógrafo, sublinhando que essas soluções “são conhecidas e têm sido desenvolvidas noutros países” onde as questões do despovoamento até atingem dimensões maiores do que no Alentejo, como é o caso da Suécia ou da Finlândia.
João Ferrão aponta alguns exemplos de intervenções possíveis nestes territórios: “Temos de evoluir dos equipamentos setoriais para os multisetoriais. Ou seja, se já não existe dimensão suficiente para ter equipamentos específicos, posso ter a funcionar no mesmo espaço, por exemplo, uma creche e um lar de idosos, o que até é positivo pois promove as relações intergeracionais”. Trata-se de “encontrar novas soluções” para ganhar escala e tornar viável o funcionamento dos equipamentos existentes.
Outra solução, explica, é a mobilidade. A chamada “mobilidade a pedido”, ajustada às necessidades das populações, já existe em diversas áreas do Alentejo. Mas serviços culturais (como o cinema) ou sociais (como o barbeiro), que já foram itinerantes, es- tão hoje afastados dos territórios mais despovoados.
“Como é que cortamos esta relação, que muitas vezes consideramos inevitável, entre despovoamento e abandono?”, interroga João Ferrão, reconhecendo que essa “será a tendência, se não fizermos nada”.
A agricultura é um bom exemplo de que essas duas realidades podem não ser sinónimas: “Com o desenvolvimento das soluções de satélite, com soluções de inteligência artificial daquilo que se chama a internet das coisas, podemos fazer uma gestão à distância da atividade agrícola, da atividade pastoril, da qualidade do solo e da água”.
Ou seja, “é possível fazer à distância, com muito poucas pessoas, mas com pessoas com competências especificas, aquilo que antes era feito localmente por muitas pessoas”. Para isso, para concretizar esse “grande esforço” contra o abandono do interior, são necessários investimentos básicos, como a existência de um bom acesso à rede de internet. “Reivindicar uma boa cobertura 5G para territórios de baixa densidade é fundamental para permitir esse tipo de gestão à distância que garante que despovoamento não significa necessariamente abandono”, conclui.