Durante o período romano, Évora manteve relações comerciais com outros centros urbanos. Não se sabendo ao certo se este contacto comercial se mantém durante o período visigótico, tudo indica que a cidade entra em declínio após o século III, tanto do ponto de vista social, como económico.
Os primeiros séculos da presença islâmica em Évora (VIII e IX) são pautados por uma latência económica, urbana e social, herdada da época romana. A cidade manteve as estruturas da Antiguidade com poucas alterações. O texto de Isa ar-Rázi, presente na obra al-Muqtabis V, relativamente ao saque da cidade de Évora pelo galego Ordonho II ocorrido em 912 e à sua nova fundação, assume-se como ponto de observação privilegiado. Esse foi um acontecimento decisivo para a mudança de paradigma e para a evolução da cidade.
Um ano após ter sido destruída, Yábura foi reconstruída e repovoada pelo muladí Úd Ibn Sa ́dún as-Shurumbaqi, a mando de Ibn Marwan, ficando sob a alçada de Badajoz, o que terá sido a força motriz para assegurar o seu renascimento económico e cultural.
Se durante os séculos VIII e IX, em Évora, o repertório de materiais arqueológicos é bastante reduzido, os dados disponíveis parecem confirmar que a partir da segunda metade do século X se verificou um aumento significativo, tanto a nível de produções locais como no volume de importações.
Este saque veio demonstrar alguma vulnerabilidade dos territórios do Garb e justificar a posição levada a cabo por ‘Abd al-Rahmān III, o qual alastrou a todas as regiões do al-Andalus a centralização do seu poder governativo a partir de Córdova. Irá submeter todos os territórios dissidentes, unificando-os e controlando os novos ímpetos regionalistas através da nomeação de governadores da sua confiança para a administração das cidades.
Este califa assume estrategicamente a autoria da reconstrução de Évora em 914, apropriando-se deste acontecimento fundacional para ocultar a obra dos seus inimigos demonstrando a sua hegemonia e ligando-o ideologicamente à sua ação.
Foi neste momento que Évora se incluiu na próspera rede comercial que caracterizou o período omíada. O momento do renascimento da cidade juntamente com a sua progressiva incorporação na orla de Badajoz, fazem com que comecem a chegar a Évora peças exógenas com enorme requinte, simbolismo, propaganda ideológica e com um índice de raridade bastante acentuado, vindas de diferentes pontos do al-Andalus.
A simbologia religiosa do Islão, que está presente no quotidiano destas populações, é sinónimo claro da presença de uma elite islâmica, que se fixa em Évora neste período e defende uma revitalização urbana e do fortalecimento de um comércio estreito entre Évora, Badajoz e a região de Córdova, como se comprova pelo elevado número de paralelos com peças destas regiões.
Apesar de não existir uma tradição de estudos arqueológicos com caracter puramente científico em Évora, devido ao elevado volume de acompanhamentos arqueológicos de obras, é conhecido, hoje, um heterogéneo e apreciável acervo arqueológico de época islâmica proveniente do Centro Histórico da cidade, suficiente para sustentar a criação de uma unidade museológica sobre o tema.
A mudança de paradigma no que à arqueologia diz respeito, beneficiaria os diversos quadrantes do desenvolvimento, contribuindo para uma identificação cultural e conservação da memória coletiva, que sequencialmente, afluirá num maior bem-estar e consciência social. De igual forma a conexão do setor económico local com esta estratégia é essencial e torna-se uma força motriz para suportar um turismo com uma, cada vez maior, apetência cultural.
Fig.1 – Lado 1 da lapide duplamente epigrafada. “Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso. [Dou testemunho que] não há outro Deus, se- não Deus, Ele só, [que] não tem associado e queMuhammad é o seu servo eleito e o seu profeta, merecedor de toda a Sua complacência – Que Deus nos guie através Dele pelo bom caminho. Esta cidade foi reconstruída […]”.
Fig.2 – Fragmento de cerâmica exumada em Évora (Colégio dos Meninos do Couro), decorada com recurso a técnica comumente designada como “verde e manganês”, onde se vislumbra um motivo antropomórfico, contrariando clara- mente a corrente iconoclasta do islão.
* Arqueólogo