A 26 de agosto alguém, aqui em casa, disse-me que tinha sentido o sismo como um grito da Terra, um desabafo de alerta do planeta em que vivemos. Esta é uma fascinante interpretação da tectónica de placas e das consequências do movimento destas. O que há mais, para além da tectónica de placas, que justifica que alguém tenha esta perceção de “grito da Terra”?
O geólogo, que sou, pousa esta caneta e assume que as coisas estão todas ligadas, provavelmente muito mais do que supomos. Obviamente que falta saber, ou admitir, como se relaciona tudo o resto com a tectónica? A Terra geológica com a biológica. Se quisermos, a vida com o inerte. Será que esta dicotomia, vida e não vida, faz sentido? Será que a Terra, enquanto planeta, tem algum modo de vida que lhe permite gritar? A verdade é que nós próprios, humanos, somos Terra, a terra/lugar onde nascemos. O tal conceito de terroir assenta no humano perfeitamente.
Voltemos ao sismo. O geólogo pega na caneta e diz que temos de ser claros, verdadeiros e objetivos: nascemos num lugar sismicamente perigoso. Portugal é um lugar perigoso. Situado nas margens tectónicas entre a Europa e a América e entre a Europa e África, mais complexo seria difícil.
Ao longo da história da Terra, o território que hoje é Portugal sempre teve em posição de grande relevância geológica. É por isto que somos tão geodiversos, ou melhor, geobiodiversos, que tudo muda (rochas, vegetação, paisagem…) em poucos quilómetros em qualquer sentido. E, já agora, a diversidade cultural justifica-se pela mesma causa.
Para além da geologia, há outras razões para que sejamos um país perigoso, entre elas a exposição atlântica e a orientação longitudinal do nosso território face à latitude, que impõe uma enorme variabilidade climática. A agravar o risco que esta natural perigosidade nos confere, temos a incúria e irresponsabilidade dos políticos decisores. Este é um tempo para que os nossos governantes, nos vários níveis da administração, levem a coisa muito a sério, pois fica a certeza de ocorrências cada vez mais frequentes, imprevistas e intensas. Só falta saber quando será o tal terramoto.