A associação de apoio social que consumou “o milagre” de Selmes

Criada há 25 anos, foi nos últimos nove que a Associação de Beneficência de Selmes e Alcaria passou de uma instituição com pouca atividade para maior empregador privado do concelho de Vidigueira. Gere um lar, uma unidade de cuidados continuados e projeta investir mais 1,5 milhões, mesmo sem financiamento comunitário Também foi precisa alguma sorte, mas essa deu muito trabalho. Luís Godinho (texto)

É Manuel Narra, ex-presidente da Câmara de Vidigueira, quem nos conduz pela história da Associação de Beneficência de Selmes e Alcaria (ABSA), que agora dirige. “A associação”, recorda, “começou a dar os seus primeiros passos em 1999, depois conseguiu obter o estatuto de Instituição Particular de So- lidariedade Social (IPSS), fez alguns projetos que candidatou à Segurança Social, sempre declinados, pelo que nesses primeiros anos praticamente não teve atividade”.

Desse núcleo fundador, um dos associados mais empenhados foi António Aguilar, conhecido como “O Brás”, 16 anos presidente da Junta de Freguesia de Selmes e recentemente falecido. “A ideia inicial foi criar um centro de convívio, à semelhando dos que já existiam noutras localidades aqui do concelho. Eram centros não comparticipados pela Segurança Social, onde havia um café e que servia de ponto de encontro, sobretudo para os velhotes jogarem às cartas. Isso fizeram”. Os outros projetos é que foram ficando pelo caminho, pois “havia sempre qualquer coisa” a emperrar as candidaturas.

Note-se que os centros de convívio do concelho eram geridos pela Câmara de Vidigueira. A exceção foi o de Selmes. Em 2007, prossegue, a ABSA é notificada, tal como a Santa Casa da Misericórdia de Vila de Frades, da intenção da Segurança Social em lhes retirar o estatuto de IPSS, “precisamente por não terem atividades”.

Aí já o próprio Manuel Narra estava à frente da Câmara de Vidigueira, tendo obtido uma maioria absoluta, a primeira de quatro, nas eleições de 2005. “Esta malta, que era da associação e também da Junta de Freguesia, vem ter comigo, com um papel na mão, a dizer que a Segurança Social lhes queria tirar o estatuto de IPSS por não terem atividade e que não tinham atividade porque a Segurança Social não aprovava os projetos. Pronto, entrámos na guerra, não podia aceitar uma coisa dessas”, refere o ex-autarca.

Por essa altura estava aberta uma candidatura ao Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES), aproveitada pela Misericórdia de Vila de Frades para construir um lar, com o apoio do Município. Em Selmes, a ABSA avançou com um centro de dia, financiado pela própria Câmara, que delegou também na associação o fornecimento de refeições às escolas do 1.º Ciclo.

Mantido o estatuto de IPSS uma nova oportunidade surge em 2009, quando um projeto não executado ao nível das infraestruturas rodoviárias permitiu à Câmara obter dois dois milhões de euros para construir um lar em Selmes. “Na memória descritiva ficou logo estabelecido que a gestão seria atribuída à ABSA, que assim poderia manter a atividade sem mais sobressaltos”, refere Manuel Narra.

Acresce que essa era, como continua a ser, uma necessidade premente no concelho e na região. Um estudo elaborado pela autarquia apontava para a necessidade de 230 camas em lar de idosos, mas no concelho existiam apenas 25. É assim que surge o novo lar da Fundação Domingos Simão Pulido e são construídos os lares da Misericórdia de Vila e de Frades e de Selmes. A candidatura foi apresentada em 2011 e a obra ficou pronta seis anos depois. “Fez-se o lar e abriu em 2017, com 73 lugares e bastantes dificuldades, pois ainda não havia acordos com a Segurança Social”. A salvação partiu, uma vez mais, do Município.

“Fizemos um protocolo a atribuir à ABSA a mesma verba dos acordos da Segurança Social para 15 lugares, diminuindo um à medida que o Estado passasse a cofinanciar outros dois. Quando tivessem 30 a Câmara saía de cena”. A previsão era que o processo se arrastasse, mas o acordo de cooperação com a Segurança Social acabaria por ser assinado em junho de 2018. Desde essa altura, 58 lugares do lar de Selmes são cofinanciados pelo Estado, os res- tantes 15 funcionam em regime privado. “O protocolo com a Câmara”, refere o ex-presidente, “permitiu aguentar os primeiros tempos”.

Já a carência de lugares em lar continua a ser uma realidade e é por aqui que se começa a desenhar o próximo projeto da associação. “Temos uma lista de espera e estamos a posicionar-nos para lhe dar resposta. Mesmo sem fundos comunitários vamos começar a construir um lar em Alcaria da Serra com capacidade para 30 ou 40 utentes”, assegura Manuel Narra, referindo que a ABSA “tem capacidade para aguentar um milhão e meio de investimento sem fundos comunitários”, desde logo porque a dívida bancária está a zero. Também há o projeto de uma casa de repouso, “com uma filosofia totalmente diferente” do que existe, e um espaço de três mil metros quadrados adquirido para o efeito. Mas a ideia ainda está em estudo.

Unidade de Cuidados Continuados de Convalescença Integrados (UCCI) parece ser um conceito difícil de explicar. Não o é. Trata-sede uma unidade destina-se a receber doentes com perda transitória de autonomia, seja por AVC ou acidente, potencialmente recuperável até 30 dias, com cuidados de reabilitação clínica e medicina física.

Para contar a forma como a ABSA abraçou esta área, bom, para isso é necessário recuar a uma conversa – “já não me lembro se ao almoço ou ao jantar” – que sentou à mesa Manuel Narra com o então presidente da Administração Regional de Saúde do Alentejo, José Robalo, com Filipe Palma, então responsável pela gestão do Alentejo 2020, e com José Soeiro, dirigente da associação.

“Às tantas, o José Robalo diz que estavam previstas duas unidades destas para servirem a região, uma delas que pudesse servir os hospitais de Beja, Évora e do Litoral Alentejanos, sendo que nós estamos situados no meio deste triângulo. Mal acabou de falar disse-lhe para não procurar mais ninguém, que iríamos começar a desenvolver o projeto”, recorda. A UCCI de Selmes começava a ganhar forma. E depois… depois veio a pandemia de covid-19.

Se na fase inicial o projeto estava orçamentado em cerca de três milhões de euros, metade assegurada pela associação através de financiamento bancário – “tínhamos um estudo de viabilidade económica e o projeto aguentava o endividamento” -, a pandemia ditou uma (boa) alteração de planos. “O Governo decidiu, através de portaria, que toda a despesa de construção destes equipamentos entre 2020 e 2021 não seria apoiada em 85%, mas em 100%. E quase toda a nossa despesa foi efetuada nesse período”, conta Manuel Narra. A inauguração foi em dezembro de 2021. A UCCI de Selmes tem capacidade para receber 40 doentes, 30 dos quais financiados pela Rede Nacional de Cuidados Continuados.

Entre as principais dificuldades está a contratação de pessoal, “transversal a todas as áreas”, que a associação procura colmatar com recurso a trabalhadores provenientes dos países de expressão oficial portuguesa, alguns dos quais saídos do curso de auxiliar de saúde ministrado pela Escola Profissional Fialho de Almeida.

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