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A BD chegou à Academia Nacional de Belas Artes

É há muito uma referência no universo da banda desenhada. E fora dele. Agora, Paulo Monteiro, responsável pelo Festival Internacional de BD de Beja, torna-se membro da Academia Nacional de Belas Artes. É a primeira vez que tal acontece com um autor de banda desenhada.

Júlia Serrão (texto) e Francisco Paixão (fotografia)

A integração da banda desenhada na Academia Nacional de Belas Artes é o reconhecer do seu contributo à cultura portuguesa, diz Paulo Monteiro. “É uma designação muito importante, essencialmente em termos académicos, pois permite abrir a Academia a uma arte que, de outra forma, teria muita dificuldade em entrar em certos circuitos”. Nota que Portugal foi um dos primeiros países do mundo a ter BD, existindo atualmente um corpo académico “muito bem fundamentado por algumas pessoas com muita capacidade”. 

O nome do mais novo membro da Academia também é sinónimo de talento. Paulo Monteiro é uma referência no universo da banda desenhada, e fora dele, como autor e como responsável pelo Festival Internacional de BD em Beja. Está na direção desde a primeira edição em 2005, e na sua preparação. “Podemos dizer que o festival começou em 1996 quando foi criado o Toupeira, o atelier de banda desenhada”, nota, referindo a publicação de muitos fanzines na altura, bem como a presença em exposições e alguns festivais. 

Daí resultaria a criação de uma BDTeca e do Festival, um dos maiores e mais prestigiados a nível nacional, que se pauta por ser uma mostra de todo o tipo de banda desenhada e juntar “os autores mais famosos do mundo e os desconhecidos, que são tratados da mesma maneira”, tanto a nível do alojamento como do tempo de intervenção no festival. Tem ainda a particularidade de pedir aos autores “40 minutos de conversa” com os leitores “e uma hora e meia de autógrafos”, o que lhes agrada muito. “Tenho experiência como autor e sei que não é muito comum”, realça.

O autor de BD é também o mentor do primeiro museu em Portugal para contar a história da nona arte, que vai nascer em Beja até 2025, sendo a proposta do projeto museológico da sua responsabilidade. Sem ousar uma data para a abertura, adianta que o acervo está reunido: “Temos mais de 1500 pranchas com muitas dezenas de artistas desde o início do século XX até agora, alguns artistas fantásticos para a história da BD portuguesa e muitos originais do Carlos Botelho, Eduardo Teixeira, José Rui e Fernando Bento”, entre muitos outros.

A responsabilidade do museu acontece no âmbito da sua formação superior em História de Arte, curso que escolheu depois de grandes hesitações, pois tinha “vontade de fazer vários diferentes”, e não conseguia decidir-se. 

Começou por inscrever-se em Belas Artes porque desenhava desde sempre, mas desistiu. Licenciou-se, fez uma pós-graduação em História de Arte, trabalhou na área e em Arqueologia, e iniciou uma breve carreira museológica no Museu Rainha Dona Leonor. Na sequência da apresentação do projeto da BDTeca e a da realização do Festival à Câmara de Beja, saiu do museu para integrar os quadros do município como responsável pela biblioteca especializada em banda desenhada.

Paulo Monteiro nasceu em Vila Nova de Gaia. A partir dos 13 anos começou a ilustrar fanzines de poesia, cartazes e murais. É filho do meio, e o que absorveu o ambiente criativo da casa de família para fazer a sua própria arte. O pai gostava muito de desenhar e de desenho de animação, fez modelos para o cinema, e a mãe escreveu para várias revistas de banda desenhada e contos. O avô tinha um espólio de revistas de BD dos anos 20, que leu com entusiasmo. “Quando era criança pensava que toda a gente lia banda desenhada e desenhava”, revela, para esclarecer que só na escola primária é que percebeu que não era assim. “A convivência com a BD foi muito natural”.

Soube sempre que queria ser autor de banda desenhada, embora viesse a ter interesses e atividades muito diferentes. Entre muitas outras coisas, escreveu para a radio e para os jornais, foi professor, compôs músicas, fez cenários, figurinos para teatro e teatro de sombras e de fantoche, e a curadoria de várias exposições de azulejaria, banda desenhada e ilustração.  

Estava a fazer o mestrado na faculdade de Lisboa e já era ilustrador – trabalhou na revista da Rua Sésamo, para crianças –, quando concorreu a uma bolsa que ganhou e o trouxe para Beja, tinha 23 ou 24 anos. Desistiu de tudo em Lisboa. “Achei Beja tão espetacular que já não quis voltar”, confidencia. Começou por trabalhar no museu, ficando responsável pelo serviço educativo. “Fazia um jornal, muito atelier de banda desenhada, azulejaria…Enfim, foi uma época extraordinária na minha vida”.

MÃO-CHEIA DE PROJETOS

O responsável pelo maior Festival de BD do país confidencia que gostava da região desde criança. “É engraçado porque sempre tive o sonho de vir viver para o Alentejo, por qualquer motivo. Então, foi uma coisa natural vir para cá”.Teve várias oportunidade de trabalhar em muitos outros sítios, dentro e fora de Portugal, mas nunca quis sair de Beja. Aprecia as pessoas, as rotinas, sente-se em casa. “Gosto de ir ao café e ficar no mesmo sítio onde fico sempre, ir pelas ruas que acho mais bonitas e onde vou sempre, tenho sítios das minhas paisagens favoritas onde vou de carro muitas vezes”.

Não pensa muito onde estará nos próximos anos, mas quando o faz vê-se a continuar na cidade. “Gosto muito de passear, viajar e conhecer outros sítios, mas Beja é uma coisa que está entranhada. Vim era um moço de 23 anos, tenho 56, estou aqui há mais de 30 anos. Já tenho um filho bejense. Beja é, na verdade, a minha cidade”.

Os dias de Paulo Monteiro são muito preenchidos, entre imensos projetos. Além dos que realiza no âmbito municipal, está a preparar a criação de uma BDTeca em Luanda e outra em Guiné-Bissau, a terminar um livro para ser distribuído pelos países de língua francesa, nas universidades com o estudo de português, com indicação onde os estudantes podem ler em português na área da BD, e a preparar uma exposição. 

A nível pessoal, está a realizar o livro “Estrela”, cujo projeto lhe valeu uma Bolsa de Criação Literária do Ministério da Cultura na área da banda desenhada, em 2019. Paralelamente, prepara um ciclo de conferências para as Belas Artes, que há de fazer também em Beja, “onde se possa abordar vários movimentos, várias épocas e vários artistas, com o objetivo de divulgar os autores de banda desenhada, de uma maneira geral, no meio académico”, explica.    

Ao longo da sua carreira artística, publicou diversos livros de banda desenhada, como “O Amor Infinito que Te Tenho” (Polvo, 2010), “Mariana” (Panóplia d’Encantos, 2019) e “Um Homem sem Medo” (Associação Cultural Fialho de Almeida, 2021). Com grande repercussão em Portugal e no estrangeiro, o título “O Amor Infinito que Te Tenho” venceu vários prémios em Portugal, Espanha e França, incluindo o prestigiado Sheriff d’Or, atribuído pela livraria francesa Espirit BD, de Clermont Ferrand. Escreveu e editou em poesia, os títulos “Poemas” (1988), “Poemas a Andar de Carro” (2003), “Poemas Japoneses” (2005) e “25 Voltas ao Equador para te Encontrar” (2014). 

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