Ribeira de Olivença. Ao lado da ponte nova está uma mais antiga, que deixou de ser usada em 1994. Para já, informa-se que está a um quilómetro do local onde foram assassinados o general Humberto Delgado e a sua secretária, em 1965. Está próximo, muito próximo mesmo de Olivença. Acabará por avistar a cidade, donde se destaca a Torre de Menagem. Avance, vire à direita, e terá chegado a um mundo que o surpreenderá… se tiver olhos para ver. Continue a ler, e dar-nos-á razão… esperamos.
Verá muitas casas alentejanas, principal- mente em ruas pequenas, e até em algumas grandes. Principalmente algumas artérias simples poderão surpreender, mesmo porque é nelas que eventualmente poderá ouvir falar português “alentejano”, por vezes com surpreendente pureza. Pode mesmo tomar a iniciativa.
Sem dúvida que os nomes das ruas parecem, e são, espanhóis. E, daí, talvez não. Os nomes antigos, que os precederam, são bem portugueses, e muita gente os conhece, principalmente os mais idosos. Rua dos Oleiros. Rua das Atafo- nas. Rua do Poço. Rua da Caridade. Rua da Pedra. Rua dos Saboeiros. Há tantas, tantas!
Mas… vamos à parte turística “consagrada”. Comece pela Torre de Menagem, construída por volta de 1488, por ordem de D. João II de Portugal. Encontrará, num mesmo complexo, um Museu Etnográfico… que já foi municipal e que é admirável. Está ali todo um passado, quase sem barreiras. Há pré-história. Há mundo rural. Há mundo urbano. Há coisas que nunca pensou ver num museu, mas que devem mesmo lá estar.
Está na parte mais antiga de Olivença, a chamada zona dionisina. Nome derivado de D. Dinis de Portugal, que em 1297 assegurou a posse lusitana da cidade (Tratado de Alcanices), após meio século de confusões fronteiriças. Verá por ali as Portas dos Anjos, ou do Espírito Santo. Tam- bém as de Alconchel. E, já disfarçadas no Palácio dos Duques de Cadaval, atual Câmara Municipal, as Portas da Graça. E ainda há outras, as de São Sebastião.
Porque estamos na parte dionisina, visite a Igreja de Santa Maria do Castelo, que seria a mais antiga (século XIII) se não tivesse sido toda reconstruída no final do século XVI e recebido acrescentamentos posteriores. Por isso, nela encontrará talha barroca. E também uma belíssima árvore ge- nealógica da Virgem Maria (árvore de Jessé; dizem que é a maior que existe).
Saiamos da zona dionisina pelas Portas do Espírito Santo, e examinemos a porta manuelina da Câmara Municipal. É um exemplar valioso. Já que falamos em manuelino, vamos à Igreja de Santa Maria Madalena, a 20 metros de distância. Eis uma espantosa catedral gótica-manuelina, a segunda em tamanho existente neste estilo… após, naturalmente, os Jerónimos. As colunas toscanas imitam cordas na perfeição. E podemos ver azulejos. E talha barroca, mais recente. Este templo, há poucos anos, mereceu a classificação de “espaço mais bonito de Espanha”, num concurso aberto à votação pública da responsabilidade de uma companhia petrolífera.

Não há que espantar. O templo foi sede do Bispado Português de Ceuta. O seu primeiro bispo, Frei Henrique de Coimbra, está lá sepultado. Tra- ta-se (as voltas que a História dá!) do homem que rezou a primeira missa no Brasil, em 1500.
Voltemos a passar em frente da Câmara Municipal, e viremos à esquerda, percorrendo parte da Rua da Caridade. Eis-nos diante da Misericórdia de Olivença. Vejamos os mármores em torno da belíssima porta. Os escudos nacionais de Portugal e Es- panha. Sobre a porta da Capela, outro escudo luso, embora picado. Entremos na igreja/capela, que só abre de manhã. Tantos azulejos portugueses! Dir-se-ia uma versão menor da Igreja da Madalena.
E há talha em madeira para todos os gostos. Sigamos depois pela Rua Espírito Santo, ou pela sua paralela, a Rua Fernando Afonso Durão (“Fernando Alfonso”), ou das Parreiras. Desembocaremos na Plaza de España, antigo Terreiro ou Passeio Velho. E para quem pensa que a presença histórica portuguesa se esgotou lá pelo século XVII, veja o Palácio dos Marçais, pombalino, do século XVIII. Aí chegados, se houver tempo, não é má ideia visitar-se o Convento de São Francisco (séculos XVI/ XVII), porque fica a menos de 100 metros.
Existem muitas alternativas ainda. Podemos visitar alguns troços, de incontestável beleza, das muralhas de estilo “Vauban”, iniciadas a propósito da Guerra da Restauração, e, andando um bocado mais, ver as Portas do Calvário, que delas fazem parte, em mármore, iguaizinhas às que se encontram, por exemplo, em Elvas e Estremoz.
À direita das Portas do Calvário, encontra- remos o Convento de São João de Deus (século XVI). Se, depois, seguirmos pelas ruas de Santa Luzia e de Santa Quitéria, encontraremos uma pequena Igreja de Nossa Senhora da Conceição (ou de Santa Quitéria), e, sempre andando, uma dependência das já destruídas Portas de Santa Quitéria, ou Porta Nova, companheiras das Portas do Calvário (ainda que sem mármores), tal como uma outra também já destruída, a de São Francisco. De três, resta uma. Mais acima, o antigo Quartel de Cavalaria dos Dragões de Olivença (século XVIII) dá-nos as boas vindas. Em frente, nas antigas cavalariças, um centro de lazer para idosos (hogar del pensionista) poderá ensinar-lhe muita coisa. A menos de 50 metros está o novíssimo Centro Cultural de Olivença.
Em todas estas “voltas”, poderão observar-se os muitos “Passos” da Paixão de Cristo de que Olivença dispõe. Estão um pouco por todo o lado, alguns com azulejos novos, executados por artistas/profissionais das Caldas da Rainha. Há muita coisa para ver. É difícil dizer tudo. Se, de facto, se pensa que a cultura não são só monumentos, e nem só cidades, então, para além das ruas antigas já sugeridas, podemos visitar as aldeias dos arredores. Como, por exemplo, São Jorge de Alôr, cinco quilómetros para leste. Veremos casas “alentejaníssimas” e chaminés meridionais portuguesas de estonteante altura. Podemos, em alternativa, visitar São Bento da Contenda (sete quilómetros a sudoeste), com o mesmo tipo de arquitectura, uma das povoações onde a língua portuguesa se mantém como língua comum.

Podemos ainda visitar Vila Real, 10 quilómetros a oeste, frente a Juromenha, de cujo extinto concelho foi parte até 1801. As características linguísticas e arquitectónicas continuam a surpreender… ou, nesta altura, talvez já não, ainda que muita coisa tenha mudado, no início deste século, com obras em várias das suas velhas casas. Pelos vistos, não se está a preservar como devia a velha traça popular na região.
Vamos a São Domingos de Gusmão, 4 quilómetros a sudeste, aldeia quase abandonada por causa da emigração. Prosseguindo pela estrada que a esta conduz, já a 20 quilómetros de Olivença, encontra-se Táliga, ou Talega, uma antiga aldeia que é hoje um concelho independente da Terra das Oliveiras. Embora não tanto como noutras povoações, o português alentejano ainda por lá subsiste e é muito bem entendido, ainda que o possa não parecer à primeira vista !
Poderemos também visitar as aldeias novas de São Francisco e São Rafael, sete quilómetros a norte de Olivença, a primeira, e nove a nordeste, a segunda. Só existem desde 1954. Claro que, por isso, as suas características arquitectónicas são diferentes, mas há por lá umas chaminés não previstas nos planos iniciais.
Já que andamos por estradas várias, independente- mente de depois voltarmos para trás ou de simplesmente continuarmos diretamente para Elvas, visitemos a velha Ponte da Ajuda, destruída desde 1709. Não foi reparada depois, e a ocupação espanhola de Olivença em 1801 veio dificultar ainda mais as coisas. É um impressionante monumento manuelino (mais um!), que tem cerca de 450 metros, 19 arcos, e um largo tabuleiro de quase seis metros… o suficiente para se cruzarem duas carroças. Não se sabe quando, ou mesmo se será reconstruída. O que se fez nesse sentido esteve e está envolvido em acesa polémica. Mas, como se disse antes, há uma ponte novinha a 100 metros de distância, pelo que o Guadiana já não é obstáculo.
Vamos dedicar a nossa atenção a outros pontos de interesse. Por exemplo, na estrada para São Jorge de Alôr há a Quinta de São João, ou da Marçala, ou dos Marçais… que esconde um convento de frades franciscanos do Algarve, fundado talvez em 1500. Encontramos muitos “montes” rurais alentejanos, em número superior a uma centena. E pelo menos um doce português afamado em duas pastelarias, chamado técula-mécula ou la cheminea, que me perdoem em alguma eventual guerra de patentes.
Quem quiser, vá a Olivença. Descubra mais coisas. Escreva sobre isso, ou relate aos amigos. Parece-nos que já demos pistas suficientes! A não ser que… pois, tem de ser! Desde 2008 há uma associação autóctone, a Além Guadiana, que sem se meter em políticas ou questões de soberania luta pela herança cultural lusa de Olivença em todas as suas vertentes, tendo conseguido convencer as autoridades locais a reporem os velhos nomes portugueses, ao lado dos atuais nomes espanhóis, em 74 ruas e praças no burgo. E anda no ar a ideia de fazer de Olivença uma espécie de cidade-museu, ou cidade de museus.
Repetimos: vá lá, visite o que puder. Já agora, não caia no erro de querer visitar monumentos entre as 14h00 e as 17h00 horas locais, pois nesse período tudo fecha. É a inevitável siesta, a sesta, que já se usou no Alentejo e que agora, dizem, vai acabar. Ah, e procure visitar as igrejas durante a manhã, pois de tarde só por acaso estarão abertas.