Como é que a Misericórdia está a celebrar estes 500 anos?
Bom, o objetivo da comemoração dos 500 anos, naturalmente, é dar uma ênfase à própria data, que não se comemora todos os dias. Sendo uma instituição tão resistente, tão resiliente, tendo já passado por tantas dificuldades e também por tantos momentos bons, entendemos que tínhamos de aproveitar a data para fazer umas comemorações fora do comum e que vincassem este momento.
Que já se iniciaram.
Iniciaram-se no último fim de semana de janeiro, com o anúncio da comissão de honra e com um espetáculo de gospel, que no nosso Alentejo não é habitual ter-se oportunidade de assistir. Foi um grande sucesso. Depois, no dia 23 de março, tivemos também um concerto da Orquestra da Escola de Dança e Música da Santa Casa da Misericórdia do Fundão e esse concerto realizou-se na Igreja Matriz de Borba, um espetáculo com uma dignidade acima da média. No passado sábado, dia 25, inaugurámos uma exposição, com um sarau de ginástica e no próximo dia 18 de junho será o dia em que a Misericórdia fará os 500 anos.
Ou seja, é um programa ao longo do ano?
Sim, vamos fazendo vários eventos ao longo do ano e todos esses eventos queremos que sejam marcantes. Por exemplo, o sarau de ginástica é composto por 500 atletas, porque se assinalam os 500 anos. Teremos outras iniciativas, no dia 29 de junho também vamos ter a atuação de um músico, de renome nacional, se calhar a mais famosa neste momento de entre as bandas portuguesas, vai estar em Borba, no dia 29. Depois, julho, teremos, em princípio, 500 músicos também a tocarem em simultâneo, para envolver toda a comunidade… Como vê são momentos marcantes.
Passados cinco séculos, qual é hoje a missão da Santa Casa da Misericórdia de Borba?
É uma missão muito abrangente, muito nobre, uma missão de acudir a todos, acudir àqueles que necessitam. E acudir e ajudar também os que não necessitam, mas que de alguma forma possam vir a precisar de auxílio. A missão da Misericórdia é estar disponível para socorrer o próximo. Quer saber de valências, não é?
Precisamente.
Como disse, temos essa missão bastante nobre e abrangente, que se traduz em respostas de apoio social, desde o berçário ao jardim de infância, até às estruturas residenciais para pessoas idosas. Temos também apoio domiciliário, apoio às famílias mais desfavorecidas com vários projetos, projetos alimentares e de auxílio em diversas áreas. Ou seja, temos valências associadas à família. No caso dos idosos, além da resposta em lar e centro de dia, além dos apoios domiciliários, temos também um conjunto de serviços destinados a melhorar a qualidade de vida dos nossos utentes, temos fisioterapia, piscina, centros de convívio, uma universidade sénior com diversas actividades, centros de acolhimento temporário. Tudo isto envolvido, naturalmente, no culto religioso, pois temos regularmente a eucaristia com o pároco da nossa terra. A Misericórdia de Borba, felizmente, consegue responder a este leque tão alargado de respostas sociais aos problemas e dificuldades que se colocam a qualquer um dos cidadãos.
E quais são as principais dificuldades da Misericórdia?
Todos os dias temos variadíssimas que com bom senso, com tolerância, temos de ultrapassar. Desde logo, estamos no interior do país com a situação económica que se conhece. Embora a Misericórdia de Borba não tenha dificuldades económicas, felizmente que está bem do ponto de vista financeiro, debatemo-nos com os mesmos problemas graves de quem vive no interior: as reformas dos nossos idosos são muito inferiores às dos que vivem no litoral. Ora, se nós aplicamos as mesmas tabelas, é diferente cobrar 80 ou 90% de uma pensão de 500 euros ou de um valor mais elevado, como sucede no litoral. E o Governo não faz essa diferenciação, positiva ou negativa, como a quisermos definir…
Não há diferença de tratamento?
Não, o Governo não faz essa diferenciação entre realidades que são distintas. Portanto, um utente que está na Misericórdia de Borba paga 90% da sua reforma, se esta for de 500 euros paga 450. Na grande Lisboa, por exemplo, se o valor médio dessa reforma for de 1500 euros, o utente paga os mesmos 90%, mas a instituição recebe 1350 euros. É uma diferença bastante significativa. Ora, os serviços que são prestados em Borba ou em Estremoz são iguais aos de Lisboa ou de Oeiras, são iguaizinhos. O que está aqui em causa é que a comparticipação depois da Segurança Social, para Oeiras é 570 euros e para Borba é 570 euros. Mas a comparticipação do utente, isto é, a mensalidade que o utente paga nada tem a ver.
É uma diferença bastante grande.
Poderá dizer-me que o Estado não tem culpa disso, e é verdade, mas temos de ter noção do problema. Efetivamente as reformas ou as pensões dos idosos que estão no interior [muitas delas resultado do trabalho agrícola], infelizmente são inferiores às da maior parte da população que vive nos grandes centros urbanos. Também há, no litoral, reformas baixas, temos essa noção, mas são em número mais reduzido. Este é o grande problema, e é esta diferenciação que qualquer ministro ou Governo tem de fazer. Mais cedo ou mais tarde terá de o fazer sob pena das Misericórdias do interior sofrerem sempre mais que as do litoral. Essa é uma dificuldade que é difícil de explicar, ainda para mais por nós, pois a Misericórdia de Borba está economicamente bem.
E em termos de pessoal?
A questão dos recursos humanos é outro problema, esse transversal ao litoral e ao interior do país. É um problema grave porque temos muita volatilidade, muita mudança. Se os problemas no litoral são graves, e eles têm mais hipóteses do que nós, como há pouco referi, imagine no caso do interior.
Quantos funcionários tra- balham na Misericórdia de Borba?
É sempre o número que varia um pouco, mas temos na ordem dos 174 funcionários, nas diversas valências.
A comparticipação do Estado às Misericórdias é suficiente?
Vamos lá ver… hoje em dia há aí uma grande guerra… tudo a pedir mais, tudo. Obviamente que nós nunca estamos satisfeitos, queríamos sempre mais, naturalmente que a comparticipação do Estado poderia ser maior, como é óbvio, até porque o acordo de comparticipação data de 1996, tendo sido revisto uma ou duas vezes. Foi assinado pelo engenheiro António Guterres como primeiro-ministro e pelo padre Vítor Melícias [à época presidente da União das Misericórdias Portuguesas], depois houve uma ou duas revisões em que o Estado comprometia-se a pagar 50% dos custos que as instituições sociais tivessem. Isto não está a ser efetivamente cumprido, o Estado está a pagar muito menos. Logo,ao não cumprir esse acordo, pode-se logo dizer que a comparticipação do Estado pode ser aumentada porque não chega aos 50%. Agora, eu entendo que o principal problema é não existir a tal diferenciação, positiva ou negativa, como lhe quisermos chamar, entre as instituições de territórios de alta densidade e de baixa densidade.
Em benefício do interior, claro.
Por exemplo, poderiam existir benefícios em termos de IVA na eletricidade e outros apoios do género direcionados especificamente para as instituições que estão no interior do país. Nós tentamos zelar pela qualidade, pela boa prestação de serviços, que é um dos princípios que nos regem, além de todas aquelas expressões afetivas, da proximidade, de amor ao próximo. Somos muito exigentes com a qualidade na prestação do serviço, mas os nossos colaboradores ganham pouco mais que o salário mínimo, quando encontram outra alternativa vão-se embora e essa rotatividade não é boa para a qualidade do serviço.
Qual é a importância da Misericórdia na comunidade de Borba?
Sou suspeito para responder, ficar-me-ia mal dizer que é altíssima…. Bom, a Misericórdia de Borba responde [às necessidades da comunidade] com a creche, tem um jardim de infância, embora também já exista esta resposta no público, a Misericórdia de Borba tem o apoio domiciliário, tem os lares… sou de facto suspeito para responder, mas a importância da Misericórdia para a população de Borba é, de facto, altíssima.
Quais os projetos a curto prazo?
Além das comemorações dos 500 anos, a que estamos a dar grande ênfase e grande importância, estamos a finalizar o alargamento da nossa creche, com o programa Creche Feliz. Sentimos que havia necessidade de alargar o número de respostas. E, obviamente, estamos a pensar em várias intervenções, mas também poderemos fazer habitações colaborativas, poderemos fazer outro tipo de investimentos sempre que sejam necessários para aumentar a qualidade do nosso serviço, e assim continuar a dar resposta à população.