Natal! Tempo de iluminações, sonhos e, claro, reflexões. Enquanto o cheirinho a filhoses e nógados invade as nossas cozinhas, importa pensar no que realmente queremos guardar para o futuro. Afinal, se desconhecemos e desprezamos a nossa História, se achamos que a crise da habitação é apenas o “mercado a funcionar”, se ficamos indiferentes à transformação das cidades em parques temáticos, mas franzimos o nariz sempre que abre mais uma “loja do indiano”… bem, meus caros, é racismo, não orgulho.
Vejam o caso da restaurada Notre Dame, em Paris. Um monumento histórico que reabriu em glória no início do mês, enquanto por cá, a centenária Academia de Amadores de Música, em Lisboa, enfrenta o despejo. Qual será o destino do edifício? Provavelmente, mais um hotel. E a casa onde nasceu Almeida Garrett, no Porto? Também está na bicha para se tornar mais um local de consumo.
É curioso como os tais defensores da “identidade histórica” ignoram estes casos, mas apontam o dedo aos imigrantes pobres como uma ameaça à nossa cultura. A verdade é que são os portugueses que mais desrespeitam aquilo que dizem querer proteger.
Recentemente, cerca de 300 alunos – dos seis aos 74 anos – protestaram contra o encerramento da Academia de Amadores de Música. Com Lopes Graça como pano de fundo, cantaram “Acordai, homens que dormis…” às portas da Assembleia da República. E nem um único nacionalista militante se juntou ao coro. Estranho, não é? Onde está o amor à cultura que tanto apregoam?
Entretanto, o Governo decidiu vender 19 edifícios públicos a privados, incluindo um na Avenida 24 de Julho, em Lisboa, com uns modestos 17 mil metros quadrados. Numa Europa onde a habitação pública é uma arma eficaz contra a especulação, o parque habitacional português é apenas 2% do total. Nos Países Baixos, chega aos 30%. Em Viena [Áustria], 40%. Por cá? Vendemos o pouco que ainda temos. E, mais uma vez, ninguém pestanejou.
A nossa indignação parece estar sempre mal dirigida. Em vez de combater o abandono das nossas tradições e o lucro desenfreado que destrói comunidades, preferimos culpar o paquistanês da loja ou o angolano do Uber. A verdade é que o problema não está na loja de conveniência da esquina, mas nas escolhas políticas que moldam o nosso país.
Dezembro trouxe-nos outra lição de humildade. A Câmara de Paris atribuiu o nome de Agustina Bessa-Luís a uma biblioteca na Cidade Luz, a poucos quilómetros da Notre Dame. Curioso, não? Enquanto por cá, muitos desconhecem ou desprezam a maior escritora portuguesa, em Paris, celebram-na como merece. Será que os nossos “guardiões da cultura nacional” têm algo a dizer? Talvez ainda estejam ocupados a escrever comentários furiosos sobre o novo vizinho indiano.
Deixemos de lado os preconceitos. A verdadeira identidade cultural não está na pele de quem passa, mas nas nossas ações e escolhas.