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Abílio Amiguinho: “O 25 de Abril e as questões socioambientais”

A opinião de Abílio Amiguinho, professor jubilado do Ensino Superior

O 25 de Abril despertou, sobretudo, anseios e possibilidades de justiça social, mas outros houve e que emergiram. Cabe evocar um que ganha atualmente particular interesse e pertinência. Referimo-nos às questões socioambientais, até então praticamente tabu e igualmente riscadas de qualquer possibilidade de contestação como todas as outras. A ideia de construção de uma central nuclear em Ferrel, Peniche, desencadeou um dos protestos mais visíveis e até integrou as “canções de intervenção”.

Mas também Afonso Cautela, um dos mais empedernidos militantes ecológicos, bramiu palavras de ordem e escreveu textos panfletários contra o apelidado “fascista dos campos”, ou seja, o eucalipto. É que depois de, como no caso do Alentejo, os poucos exemplares servirem apenas para sombras junto aos montes e casario, tinham ascendido à condição de mata, como no caso da Serra d’Ossa, secando tudo à volta ou com todo o séquito de consequências nefastas e também visivelmente sociais, em territórios até aí bem produtivos.

Vieram, ainda, à luz do dia as consequências da famigerada campanha do trigo, ideia de Salazar, na década de 30 do século passado, provavelmente o mais devastador abate de azinheiras e sobreiros – suposto obstáculo à mecanização – e o maior atentado ao montado alentejano, grandemente causa de um Alentejo sem sombra.

Num texto sobre as diferentes formas de poluição, Manuela Silva generalizou a expressão, neste domínio, de “uns comem os figos e a outros rebentam-lhe os beiços” para denunciar como os poucos poluidores daí retiravam benefícios, a si confinados, que se traduziam, dramaticamente, em sérios prejuízos para muitos.

Como estudante de sociologia, no então Instituto Universitário e Évora, foi neste contexto que despertei para a causa ecológica ou socioambiental e, principalmente, do ordenamento do território, pela mão de um leque de professores, à cabeça dos quais colocámos Gonçalo Ribeiro Teles, uma das vozes silenciadas pela sua visão premonitória das catastróficas cheias de 1967 cujo número total de mortos ainda é desconhecido.

Esta evocação que agora faço, foi-me suscitada por um deles, ou melhor por uma delas. Tive o grato prazer, a propósito da comemoração dos 30 anos do Parque Natural da Serra de São Mamede, de ouvir a arquiteta paisagista Margarida Cancela de Abreu fazer a história das políticas ambientais e em particular o que se relaciona com a criação dos parques naturais, de zonas protegidas e similares.

De forma pertinente, tornou claro que este foi um dos “legados de Abril” que hoje se afigura como tendo sido decisivo, todavia longe de atingir os seus verdadeiros objetivos. Vincou, de resto, as muitas ameaças que pairavam no ar. Falou de retrocessos, que se tornaram bem visíveis quando se encerraram ou transferiram serviços, avolumando as distâncias para com as comunidades, deixando os responsáveis sem rosto aos seus olhos. E a situação só piorou agora que o parque acaba de fazer 35 anos. Uma face incontornável, pois, de um dos legados de Abril que persiste, em grande medida, por cumprir. Como outros!

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