Abílio Amiguinho: “Os ventos da democracia”

"Ventos do Nordeste Alentejano". A opinião de Abílio Amiguinho (professor jubilado do ensino superior)

São 50 anos dela. Precisamente mais dois do que aquele tempo longo em que nos foi negada. Instituímos, de vez, e consolidámos o direito a votar. A liberdade de expressão fez o resto, pela discussão de ideias, ainda que longe do desejável, e pela sua afirmação, assentando, agora, em poderosos alicerces, uma democracia representativa.

Mas democracia, como o poder do povo, vai muito para além da liberdade outorgada. Consagrou direitos e, obviamente, deveres, como pilares da cidadania. Precisamente para que, usando-os, o povo clame por justiça social e se insurja contra toda a espécie de iniquidades. Participando social e politicamente por sua iniciativa ou se quem exerce o poder, legitimado pelo voto, lhe concede oportunidades para isso.

Mas, para muitos, a democracia parece ter-se reduzido ao exercício do voto livre. Quase, como se a partir daí não houvesse contas a prestar pelos que foram eleitos. Ou se a política, como arte e prática que visa assegurar o bem comum, fosse uma mera delegação de poderes para que os que a exercem, sem atender ao que se diz e se ouve, para a concretização desse propósito.

Enfim, há que reconhecê-lo, estamos ainda muito aquém de um quadro de democracia participativa, que fomente o exercício da cidadania. Para que à liberdade se adicione deliberadamente maior implicação do povo, para um efetivo exercício do seu poder na prossecução na melhoria global das suas condições de existência.

O sinal foi dado nas últimas eleições e a mensagem parece ter passado. O primeiro veio pelo uso da quase exclusiva arma que o povo tem ao seu alcance. Isto é, o voto, depois de, anos a fio, muitos terem vindo a prescindir dele. Fizeram-no, agora, e sou dos que também assim o consideram, grandemente como protesto ou mesmo revolta. A mensagem que passou está nas afirmações reiteradas de recuperar os descontentes ou desencantados, por um largo espetro do quadro partidário. Espero que não se pense apenas que se vai lá pela recorrente e gasta narrativa da maior proximidade entre os cidadãos eleitos e quem os elegeu, no contexto da democracia representativa.

Se a governança local já lançou mão de instrumentos, ainda assim exíguos, como, por exemplo, os orçamentos participativos, a nível do Governo do país há uma mão cheia de quase nada e outra de coisa nenhuma. Urge, pois, passar das intenções aos atos,neste plano como noutros.

Sintomaticamente até no da democracia representativa. Quantas razões de queixa daquele quase um milhão de portugueses cujo voto para nada serviu, dado que não elegeu ninguém. Ironia suprema: Portalegre, o mais pequenino círculo eleitoral do país, com apenas dois deputados, é o que mais votos esbanja. Não será preciso acrescentar muito mais, para perceber da urgência do cuidar da saúde da nossa democracia. Mesmo no fundamento da que traduz votos em representantes. Contudo, e longe vá o agoiro, é no interior e no aprofundamento da democracia que há soluções para os seus problemas. O que nunca fará sentido é limitá-la e muito menos suspendê-la.

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