Na planície generosa do Alentejo, onde o tempo corre devagar e a terra guarda segredos milenares, a cultura da vinha é uma herança de várias civilizações que remonta ao período pré-romano. Em Borba, essa tradição ganhou raízes profundas e, ao longo dos séculos, floresceu como uma das mais marcantes expressões agrícolas da região. A história da Adega de Borba é o reflexo dessa longa caminhada feita de problemas, desafios, conquistas e paixão pelo vinho.
Desde sempre o vinho complementava o sustento das populações alentejanas através da trilogia entre os cereais, a oliveira e a vinha. Mas foi a partir do século XVII, e principalmente após a assinatura do Tratado de Methuen, em 1703, que o vinho começou a ganhar protagonismo económico. Em Borba, o solo e o clima conspiraram a favor de uma identidade vinícola própria, tornando os seus vinhos cada vez mais procurados, elevando Borba à vanguarda do desenvolvimento ilustrado – um espírito ainda hoje visível nas casas senhoriais de traço elegante que encontramos nas suas ruas.
Já no século XIX, a Revolução Industrial trouxe a modernização das adegas: das tradicionais talhas de barro, que continuaram a persistir, passou-se aos lagares de mármore, prensas mecânicas, balseiros e toneis, permitindo maior escala e qualidade.
A paisagem vínica de Borba cresceu em torno de um ‘terroir’ singular. Esta sub-região é atualmente a segunda maior do Alentejo, estendendo-se por outras vilas e aldeias: Estremoz, Sousel, Terrugem, Orada, Vila Viçosa, Rio de Moinhos e Alandroal.
Os solos maioritariamente calcários, mas com manchas de xistos vermelhos a norte e pedras de xisto preto a sul, e os de- pósitos de mármore moldam não só a paisagem, mas também o caráter dos vinhos – frescos e ele- gantes, beneficiando de um microclima, entre a Serra de Ossa e a de São Mamede, com uma altitude (entre os 400 e os 500 metros), pluviosidade maior e menos calor que a média do Alentejo.
Foi neste contexto que, a 7 de maio de 1955, nasceu a Adega Cooperativa de Borba. Um grupo de 12 viticultores, insatisfeito com os preços injustos a que eram vendidos os seus vinhos, decidiu abandonar a dependência dos intermediários e dos negociantes de vinhos (problema que ainda hoje persiste e que está a afetar a produção nacional). Assim, a adega uniu forças para criar algo novo: uma estrutura capaz de dar escala, valor e futuro à produção local.
Num primeiro momento a cooperativa destinava-se apenas a comercializar os vinhos em melhores condições, mas em 1958 começou também a vinificar as uvas dos sócios. A ideia era, então, uma aposta ousada, mas revelou-se visionária. Em 1959 começaram a vender garrafões de cinco litros e em 1961 garrafas de litro, tendo começado a ganhar imediatamente diversos prémios.
A Adega de Borba não apenas profissionalizou a viticultura da região – tornou-se pioneira na introdução de novas tecnologias e na construção de marcas fortes. Criou oportunidades para os viticultores e garantiu aos consumidores um vinho de qualidade, com origem controlada e autenticidade alentejana.
Hoje, a Adega tem instalações modernas e funcionais preparadas para o enoturismo, com sala de provas, loja e o restaurante Adega de Borba – O Espiga, reúne 230 associados e cuida de cerca de 2.200 hectares de vinha, repartidos entre 75% de castas tintas e 25% de brancas. O preço que a Adega paga pela uva é uma referência na região e criou “um sistema de penalizações e bonificações que podem ir dos 20% aos 280% do preço base”, conforme nos revelou o enólogo Óscar Gato.
Logo, privilegia-se a qualidade e a sustentabilidade da cooperativa, apostando em uvas sãs e vinhos de diferentes perfis (com mais de 40 referências) direcionados para o mercado, integrando desde há alguns anos o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo. Cada produtor é herdeiro de uma tradição que se mantém viva e dinâmica. Mais do que um empreendimento económico, a Adega de Borba é um símbolo da inovação, da autenticidade e da identidade coletiva.
CELEBRAR A HISTÓRIA EM COPOS DE TEMPO
Sete décadas depois da sua fundação, a sua história é contada também pelos seus vinhos – e foram precisamente esses os protagonistas de uma comemoração que uniu memória e modernidade em torno da mesa e do copo, da qual tive o privilégio de participar.
Foram apresentados os vinhos comemorativos Havendo Tempo Branco 2023 e Tinto 2021 (ver caixa), juntamente com os Adega Cooperativa de Borba Edição Especial Branco 2021 e Tinto 2011 (que recriam um dos primeiros rótulos da Adega). Cada garrafa, uma homenagem à persistência dos viticultores da região e à evolução da enologia alentejana. São vinhos que honram o passado desta profissional cooperativa alentejana e trilham caminhos de futuro, com vinhos frescos, longevos e precisos.
O tempo, esse enólogo invisível, também foi chamado à prova, ao lado dos enólogos atuais da Adega, Óscar Gato e Ricardo Xarepe Silva. Num raro exercício de memória líquida, degustaram-se algumas das edições do Grande Reserva Rótulo de Cortiça Tinto deste milénio: 2021, 2020, 2014, 2013, 2011 e 2009; e o Adega de Borba Cinquentenário Grande Escolha Tinto 2003. Uma viagem sensorial que revelou não apenas a consistência do ‘terroir’ de Borba, mas também a delicada assinatura de cada ano climático que torna cada vinho único e autêntico – vinhos de excelência, com nuances tão didáticas quanto emocionantes.
E porque uma celebração como esta merece um epílogo à altura, o último copo trouxe consigo um monumento da história vínica nacional: o Adega Cooperativa de Borba Rótulo de Cortiça Tinto 1964. Passados 61 anos, o vinho mostrou-se vivo e comovente – aromas terciários de cacau e caramelo encheram a sala, enquanto na boca surgia fresco, elegante e cheio de vida, com apenas 12% de álcool, como era apanágio na época.
Em suma, 70 anos depois, a Adega de Borba não é apenas o testemunho de um sonho coletivo que vingou – é também farol e memória viva do Alentejo. O seu percurso entrelaça-se com a história da própria região, reafirmando que, no Alentejo, cuidar da vinha e fazer vinho é também uma forma de cultivar a memória, a terra, a tradição e a esperança.

HAVENDO TEMPO TINTO 2021
DOC Alentejo Adega de Borba
Castas: Alicante Bouschet, Trincadeira e Alfrocheiro
Cor granada. No aroma surgem frutos negros, ligeira compota, especiarias e no final destacam-se as notas de pimento, que lhe dá frescura e vivacidade. Na boca mostra grande suavidade e equilíbrio, com taninos aveludados, frescura e requinte. Revela notas de esteva e algum mentol, num final longo e persistente. Longevidade assegurada pela boa estrutura e acidez, e pelo estágio preciso em barricas de carvalho francês e americano, tonel de carvalho francês e afinamento em garrafa.
14,5% vol. / PVP: 35,00 euros

HAVENDO TEMPO BRANCO 2023
DOC Alentejo Adega de Borba
Castas: Roupeiro, Rabo de Ovelha e Arinto
Cor citrina esverdeada. Aroma delicado, mas muito preciso, a frutos citrinos e nêspera. Na boca mostra boa estrutura, untuosidade e cremosidade, com notas leves de fruto tropical contido e com grande frescura e persistência. Um vinho com base nas castas tradicionais do Alentejo, mas que sabe ser contemporâneo e cosmopolita.
13% vol. / PVP: 35,00 euros