Agricultura e alterações climáticas ameaçam montado alentejano

Por estes dias todos os caminhos vão dar a Portel, onde até dia 3 de dezembro decorre a XXII Feira do Montado. Mas nem tudo são boas notícias. Luís Godinho (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)

O Alentejo perde, todos os anos, cerca de 2600 hectares de montado de sobro, de acordo com dados do Inventário Florestal Nacional. Só entre 2005 e 2015 a área plantada com sobreiros no Alentejo baixou de 635,3 para 609,4 mil hectares, indica a mesma fonte. Já um estudo do Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento (MED), da Universidade de Évora, aponta para uma realidade ainda mais sombria, estimando que o declínio desde habitat possa chegar aos cinco mil hectares por ano.

O envelhecimento dos povoamentos de sobro e a sua não substituição por árvores novas, técnicas de mobilização dos solos mais “agressivas” e a intensificação das práticas agrícolas são algumas das causas que explicam a “morte” de sobreiros e azinheiras com a consequente diminuição da área de montado.

“Há mais declínio em zonas mais planas, que são zonas com mais agricultura e onde o montado é explorado de forma mais intensiva”, explica Vanda Acácio, do Instituto Superior de Agronomia, autora de um estudo sobre o declínio do montado. Segundo refere, “há um limite em relação à intensidade de gado que se pode pôr numa determinada área” sem estragar o solo, sendo o sobreiro parece igualmente “ressentir-se” com o aumento da temperatura média anual.

Este fator irá igualmente provocar “um aumento significativo da vulnerabilidade” das azinheiras, designadamente em virtude do aumento da temperatura, de ondas de calor mais frequentes e prolongadas e da diminuição da precipitação, de acordo com a Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas, encomendada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Alentejo a um consórcio liderado pela Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI).

Segundo o documento, a perspetiva é que as alterações climáticas conduzam a uma “sustentabilidade reduzida” dos povoamentos de azinheira “face a um cenário climático mais severo”, podendo a espécie “desaparecer em várias áreas de montado, levando à sua substituição por formações vegetais de matagais mediterrânicos”.

Os impactos “mais severos” sobre as azinheiras irão ocorrer precisamente nas áreas atualmente ocupadas pelo montado, “conjeturando-se um aumento da dificuldade da regeneração” dos povoamentos pois a frutificação das árvores “será afetada pelo aumento de temperatura e diminuição da precipitação, o que diminuirá o tamanho das bolotas e a sua produção total”.

Num artigo publicado este ano, Teresa Pinto Correia, coordenadora do MED, lembra que o montado “é a paisagem mais icónica do Alentejo, e em parte do Ribatejo, marco de identidade, tradições e costumes”, constituindo igualmente uma “barreira” entre o deserto e a Europa.

“Pela cobertura arbórea que mantém algum grau de humidade, evita a erosão do solo e não tem risco de incêndio porque as árvores estão dispersas, pela acumulação de matéria orgânica e armazenamento de água no solo e pela resistência ao fogo, mais do que qualquer outra cultura, o montado confere ao território no sul do país maior resiliência às alterações climáticas e ao processo de desertificação”, sublinha a investigadora.

Ainda de acordo com Teresa Pinto Correia, “ao permitir a infiltração da água da chuva no solo, o montado reabastece os lençóis freáticos e contribui para a regulação hidrológica das áreas onde se mantêm com impacto nas áreas circundantes”, sendo igualmente importante o seu papel no sequestro de carbono e para a biodiversidade. Ao necessitar de pouca água e ao reter água no solo pode igualmente “contribuir para temperaturas mais moderadas e maior quantidade de humidade no solo e na atmosfera”.

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