Aí está o Monsaraz Museu Aberto. Renovado e a propor um “grito de alerta”

Está inaugurada a edição deste ano do Monsaraz Museu Aberto, a decorrer até 21 de julho. Uma edição “renovada”, que “recupera a matriz inicial” do evento e se apresenta como um “grito de alerta” para as ameaças que o interior enfrenta. Luís Godinho (texto)

No Monsaraz Museu Aberto haverá espetáculos, claro, desde logo registo para o concerto inaugural de Dulce Pontes, na noite de domingo, a que outros se seguirão, como daremos conta, mas o certame dá este ano um passo de gigante afirmando-se como um ponto de encontro, e de cruzamento, entre a criação artística e a reflexão em torno de temas que nos marcam enquanto sociedade.

Trata-se, diz António Fialho, vereador da cultura na Câmara de Reguengos, de “ir buscar a matriz original” do Museu Aberto, inaugurado em 1986 e que nas edições de 2002 e 2004, com Arlinda Ribeiro como programadora, se debruçou sobre a água e sobre a paisagem, não por acaso coincidindo com o período de enchimento da albufeira de Alqueva e as alteração paisagísticas dele decorrentes.

Ora, depois de um longo período de “arrefecimento”, em que o certame pouco mais foi do que uma imagem pálida do conceito original, o Município entendeu que era o momento de relançar a bienal e António Fialho decidiu convidar Arlinda Ribeiro para voltar a assumir a programação. Passados 20 anos das edições dedicadas à água e à paisagem, aí está de novo o Monsaraz Museu Aberto apostado em pensar a região. De uma das mais conhecidas modas do cante, “Alentejo, Alentejo”, saiu o mote para a edição deste ano, “Eu vou devedor à terra”.

Em vez da “coisa avulsa” em que se tinha transformado, para usar a expressão do autarca, o festival ressurge em força para, durante uma semana, constituir um “grito de alerta” para os problemas e desafios colocados pelo uso da terra. A começar pelos “da interioridade, e da desertificação, sobre a necessidade de haver políticas que promovam uma maior igualdade territorial”, diz António Fialho, não olhando apenas para o poder central, mas também para a responsabilidade que neste domínio têm “o poder local e nós próprios, alentejanos, de agarrar a vida e a vida coletiva” para inverter um ciclo de despovoamento que se traduz no encerramento de serviços de educação ou de saúde, no envelhecimento da população pois os jovens continuam a partir em busca de trabalho.

Sendo apenas um exemplo desse despovoamento, idêntico ao da generalidade da região, nem por isso o caso de Monsaraz deixa de ser revelador, uma vez que na década de 60 a freguesia era habitada por mais de duas mil pessoas, restando 658. Destes, segundo o último Censos, 59 têm menos de 15 anos, o que compara com as 221 pessoas com mais de 65.

“Não é um fenómeno específico da freguesia de Monsaraz, é de todo o Alentejo, de todo o interior. Há necessidade de olhar para isto, de nos unirmos, de lutarmos, e de batermos o pé para que o poder central tome medidas, mas também para fazermos alguma coisa para acabar com esta hemorragia de jovens para os grandes centros urbanos”, acrescenta António Fialho. “O risco que corremos é qualquer dia estarmos confrontados com aldeias e vilas desertas”. Daí que o Monsaraz Museu Aberto, no cruzamento entre arte e reflexão, cultura e cidadania, se proponha ser o tal “grito de alerta” que ajude a chamar a atenção para “os problemas da terra, da nossa casa comum”, na expressão do Papa Francisco.

A programação para esta segunda-feira, dia 15, inclui, às 17h00, na Igreja de Santiago, uma palestra do arqueólogo Manuel Calado intitulada “O Pecado Original: Agricultura intensiva do Neolítico aos nossos dias”. Duas horas depois, o Centro de Convívio da Barrada acolhe um concerto e uma oficina sobre gastronomia alentejana e, a partir das 22h00, a praça de armas do castelo de Monsaraz vai receber a atuação da Banda da Sociedade Filarmónica Harmonia Reguenguense.

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