Mais de 70% dos doentes não têm acesso a cuidados paliativos em tempo útil, valor que ascende para 90% no caso das crianças, segundo dados da APCP. O problema é nacional, mas com assimetrias regionais, sendo o Alentejo e Algarve duas das zonas que mais necessitam de reforço nos cuidados pediátricos.
Catarina Pazes, que alertou recentemente a Comissão Parlamentar de Saúde para o facto de a maioria dos portugueses não ter acesso a esses cuidados em tempo útil, explica à Alentejo Ilustrado que “não há cuidados paliativos pediátricos es- truturados no Alentejo”, embora existam iniciativas para os desenvolver.
As crianças e jovens são atendidos pelas equipas de cuidados paliativos de adultos, mas sem um acompanhamento especializado que responda às suas necessidades específicas ao longo da vida. Mas não há uma resposta estruturada que possa acompanhar as crianças e respetivas famílias “com diferenciação na área, que lhes permita viver uma situação paliativa, muitas vezes durante toda a vida”, de forma plena e segura.
Geralmente são crianças que nascem com “problemas de saúde graves que lhes condicionam a vida, trazendo para elas e para as suas famílias grandes desafios ao longo do percurso, que carecem de uma abordagem multidisciplinar”. Logo, com necessidades que vão “além do tratamento do que vai surgindo”.
Catarina Pazes refere que a ausência da resposta comunitária pediátrica, isto é, de equipas que saiam dos hospitais “para ir a casa ver as crianças”, resulta em muitos mais internamentos e recursos aos hospitais do que seriam necessários. A sua existência contribui “para maior segurança das crianças e das famílias, redução do sofrimento, diminuição de internamentos e de fases finais de vida em hospitais”, sendo, por isso, urgente um “investimento neste sentido”.
A criação de equipas comunitárias de suporte de cuidados paliativos em todas as Unidades Locais de Saúde (ULS) é um dos pontos do conjunto de propostas apresentadas pela APCP à Comissão Parlamentar, que pede também o “reconhecimento das necessidades das que já existem”.
O Alentejo, especificamente, tem respostas de cuidados paliativos de adultos, mas acontece que ainda não são suficientes face às necessidades. A presidente da Associação explica que as equipas são pequenas para o número de pessoas a precisar de cuidados, e que “a resposta, nomeadamente ao nível da comunidade, não é igual em todo o Alentejo”, não permitindo às pessoas “ter a garantia de acesso à resposta que precisam, se decidirem que não querem estar no hospital em caso de agravamento da sua situação clínica”.
A associação pede que em todas as Unidades Locais de Saúde sejam garantidas as respostas na comunidade. Isto é, que as equipas comunitá- rias de suporte em cuidados paliativos “tenham os recursos necessários para assegurar uma resposta atempada e adequada a todos os doentes que delas precisam”.
O que engloba não só “uma resposta direta a estes doentes e famílias”, mas também que “estas equipas possam garantir assessoria a outros profissionais que trabalham na comunidade – nos Centros de Saúde, Lares de Idosos, Cerci ou nos Centros de Paralisia Cerebral –, num trabalho de parceria e articulação”.
A presidente da APCP refere que a resposta de cuidados paliativos não depende só da existência de equipas especializadas na área. Mas também de “uma disseminação dos conhecimentos e das competências a este nível por todos os profissionais, e de um compromisso que as direções das ULS assumam relativamente ao tema”, reconhecendo a sua urgência “no panorama dos cuidados de saúde”. Relembra que para além de garantir cuidados mais adequados, esta é “a via para evitar” internamentos e idas evitáveis ao serviço de urgência, poupando “em recursos e custos altamente dispendiosos”.
Para que isto funcione, afirma que é preciso “investir e criar condições às equipas”, não sendo “aceitável que profissionais que estão nesta área peçam para fazer formação e esta não lhe seja dada”, quando a ministra da Saúde reconheceu recentemente esta área “como altamente prioritária”.
A formação dos profissionais é mais uma das medidas requeridas no conjunto de propostas levadas à Comissão Parlamentar. “Portanto”, refere, “não estamos só a falar de investimento financeiro. Mas também a nível da tomada de decisão e da gestão dos cuidados, de maneira a garantir as condições necessárias para que eles se desenvolvam”.
Catarina Pazes pede também uma “melhor e mais eficiente articulação” entre a coordenação da Rede Nacional de Cuidados Paliativos e a da Rede Nacional de Cuidados Continuados. “É preciso olhar para a forma como os doentes são identificados e referenciados”, desde logo porque existem atrasos na “identificação, referenciação e colocação dos doentes”.
Ainda assim, a presidente da APCP não considera que o Alentejo esteja em desvantagem, observando que existem áreas que “funcionam muito bem, tendo Unidades de Cuidados Paliativos nos hospitais”, no caso Portalegre e Santiago do Cacém.
“O distrito de Beja tem uma equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos bastante forte, com muitos anos de trabalho e experiência, o que dá a esta região uma vantagem ao nível da comunidade”. Também Évora, assegura, “tem uma equipa intra-hospitalar com bastante dinâmica, a funcionar bem e há já muito tempo. Portanto, temos boas práticas, temos boas equipas e excelentes profissionais no Alentejo”.
DEDICAÇÃO ÀS PESSOAS
Catarina Pazes nasceu em Vale de Vargo, concelho de Serpa, e sempre soube querer ter uma “profissão que fosse dedicada às pessoas”, sem pensar concretamente em vir a ser enfermeira. Já a frequentar enfermagem, percebeu estar no curso certo.
Seguiu-se uma pós-graduação na área da gerontologia social e o mestrado de cuidados paliativos. É especialista em enfermagem comunitária e cuidados paliativos, que assume como uma mis- são: “Tive a certeza que era isso que queria fazer, porque tinha ferramentas para lidar com aquilo que me atraía: a fragilidade, a vulnerabilidade, o pôr-me ao serviço. É algo que me atrai e isso é quase inexplicável”. É enfermeira responsável do Serviço Integrado de Cuidados Paliativos Beja +, e desde janeiro de 2021 presidente da APCP.
Catarina iniciou a sua vida profissional no Litoral Alentejano com o marido, que também é enfermeiro, e quatro anos depois mudaram-se para Beja. De vez em quando surgem “convites e propostas”, mas é aqui que ela se sente “em casa”.
Diz-se grata aos colegas de equipa e à coordenadora, a médica Cristina Galvão, aos doentes e às famílias, bem como aos profissionais que aceitaram estar com ela na APCP. Dividida entre tantas tarefas, no momento está ainda a tirar o doutoramento em cuidados paliativos. “O meu marido e as minhas filhas são o grande suporte disto tudo, que permitem muitas coisas, me apoiam, e também vivem os cuidados paliativos”, conclui.

REFERENCIAÇÃO TARDIA
Catarina Pazes, a alentejana que preside à Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos lamenta a existência de vagas que não são atribuídas de forma atempada porque o processo “não está adequadamente agilizado”. Por outro lado, “não há capacitação de todos os profissionais” para reconhecer as necessidades dos doentes, alguns deles referenciados “de forma tardia”, o que não permite disporem de vaga “em tempo útil”.
Fotografia principal | Paulo Cunha/Lusa (Arquivo)