Uma das grandes vitórias no processo de reabilitação foi quando, a meu pedido, consegui andar na passadeira elétrica (igual às dos ginásios de ‘fitness’). Andei durante cinco minutos, à estonteante velocidade de 1. Vá, não se riam, que é feio.
Dias depois, a 4 de fevereiro, consegui quebrar o recorde de 500 metros em “apenas” 22 minutos, tendo às escondidas aumentado pela primeira vez a velocidade, para uns audazes 1,5. Sim. Sentia a t-shirt quase ensopada em suor, tal como há uns meses, ao fim de correr cinco quilómetros em meia hora, iniciando o treino habitual. O pouco suor desta feita celebrava o simples ato de conseguir andar. Sem bengala, nem andarilho ou muletas. E por 500 metros seguidos. Não há medalhas para isto, nem precisamos delas. A recompensa, incerta, é a de regressar à vida que tinha antes.
Este terceiro artigo culmina o trabalho jornalístico iniciado na edição n.o16, de janeiro, prosseguido no n.º17, de fevereiro de 2025. No fundo, é uma só peça, uma grande reportagem sobre este tema e uma não desejada experiência, vivida do interior. Que por opção editorial subdividimos ao longo de três publicações da revista “Alentejo Ilustrado”.
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A primeira constatação final, porque somos animais sociais (certo?) é o enquadramento humano, e é a seguinte. Passei por vários sítios e há cinco meses que vejo muita coisa. Nem todas as pessoas deveriam ter o direito a trabalhar, na área da saúde. Não basta tirar um curso, completar um estágio e seguir em frente, picando o ponto, igual a qualquer outro emprego. Para estar habilitada a trabalhar na saúde, seja você enfermeira, auxiliar, terapeuta, médico, assistente social ou até maqueiro ou técnico de análises… tem de ter a consciência plena de que os pacientes, ou utentes, são pessoas iguais a si, mas atravessando um período das suas vidas em que estão muito fragilizadas. E não é fácil, porque os profissionais são pessoas e, como tal, também têm os seus problemas em casa, etc.
Durante o tempo de internamento no hospital ou unidades de cuidados, os utentes contam consigo, para que tudo corra bem. Na esperança de um dia regressarem sãos e salvos às suas casas e famílias. Os que ainda as tiverem.
Escrevo estas palavras em fevereiro, para que os leitores possam lê-las no mês de março (na edição em papel) ou de abril (na internet). Tenho ainda esse mês pela frente, para recuperar dos défices deixados no meu corpo pelo maldito AVC e sair daqui no próximo dia 30, igual ao que era a 26 de setembro de 2024, dia que antecedeu o do meu fatídico acidente vascular cerebral.
Mencionei anteriormente (ver edição de fevereiro) o papel fundamental daqueles a quem apelidei “Anjos da Guarda”. Contudo, omiti deliberadamente, para lhes dar destaque em separado e merecido (ou não), de outros “Anjos” que nos guardam a vida deixada para trás e nos amparam a cada metro desta estrada, que são a família. Família de sangue ou de afeto/aliança, onde se incluem os amigos. Se fosse somente de sangue, no meu caso, excetuando os meus filhos, estava tramado. Não se ofendam, é o meu humor ‘british’.
Porque, na verdade, após o acidente vascular cerebral (AVC) vimo-nos, como que por magia (negra) expelidos do mundo habitual onde vivíamos, passando repentinamente a integrar como seres dependentes um mundo fechado, o da hospitalização na área da saúde e afins. Lidando dia e noite com desconhecidos (enfermeiros, auxiliares, terapeutas, médicos, etc.) sobre os quais tudo ignoramos e aos quais inteiramente nos submetemos.
Isto para sublinhar que inesperadamente, e sem nós, “a vida lá fora” continua… como continuará, no dia em que definitivamente fecharmos os olhos. Ora ainda longe desse dia, recordem que são esses amigos e familiares que nos dão a mão, o carinho visitando-nos, impedindo-nos de resvalar no paranormal abismo dos comprimidos, dores, desesperança em redor, decréscimo de amor e apatia instalada. Estes são os imprescindíveis. Quando estiver alguém nesta condição, e o puder ir ver, nem que seja por 10 minutos, faça-o. Se não for por ele, por si.
Testemunhei ao longo de meses exemplos tristes, porém também lindos como era a imensa alegria da Marina (nome fictício, para lhe evitar sarilhos conjugais, caso ele leia estas linhas) cujo marido é um daqueles hiperativos empresários, um salta-pocinhas sempre fora de casa, tantas são as muitas responsabilidades socioprofissionais que tem. E que bom, que há gente assim.
Contudo, neste contexto, a mulher deu com o esposo a abdicar de quase tudo o que fazia, para inexoravelmente durante quatro meses receber a visita do seu marido todas, mas todas, as tardes na unidade onde esteve internada. Ou seja, todos os dias viajava ele mais de 250 quilómetros de automóvel para estar ao seu lado. “Nunca o vi tanto na minha vida”, galhofava a cinquentona esposa, feliz pela demonstração de amor do seu cônjuge.
A assiduidade destas pessoas é fundamental, pese embora os utentes talvez possam não saber como exteriorizar o reconhecimento, exibir a justa importância que lhes dão. Mas sentir que “lá fora” o nosso mundo (familiar, profissional, social) continua e não desaba, aguardando por nós, é uma peça central do puzzle psicológico do doente. E da sua recuperação.
Por fim, ‘the last but not the least’, chegamos à razão central de toda esta reportagem: perceber o porquê, na origem dos acidentes vasculares cerebrais, que são a maior causa de morte em Portugal. Porquê? São fruto dos nossos hábitos, tão simples e perverso quanto isso. Excluindo aquilo que não controlamos, como seja o histórico familiar que recebemos geneticamente, podemos debelar os causadores, que à partida são todos possíveis de verificar, senão de evitar.

Vejamos, a vencedora, principal geradora do AVC, é a hipertensão arterial. O sal. O segundo são os diabetes. O açúcar. Logo em terceiro, pelo colesterol alto. Gorduras más. Este é o escabroso ‘cocktail’ clássico, dos acidentes vasculares cerebrais. E que de uma forma ou de outra, todos sabemos, mas irracionalmente recusamos aceitar.
Vou expor a matéria sem paternalismos, como se tivéssemos todos cinco anos de idade. É por causa da nossa má alimentação, sobretudo do excessivo consumo de sal (eu, que o diga), ao qual ingenuamente lhe associamos muitos produtos alimentares ultraprocessados e gorduras saturadas, o que faz subir drasticamente o risco de hipertensão. Vai-se ao médico, dão-nos uns comprimidos, e está resolvido. Continuamos a comer como fazíamos. Repita comigo: o sal é o principal veneno desta doença da hipertensão. Sim, é uma doença. O pouco potássio nas frutas e legumes, que não comemos, também prejudica o negócio.
Repito, é por causa da nossa má alimentação, e à excelência da nossa doçaria, que é tão fácil em Portugal sofrermos de diabetes. Provindo do excesso da glicose no sangue, que em português significa açúcar a mais. Isso, e comer demasiados produtos ultraprocessados.
Por fim, o terceiro ferro no dorso do bicho, é o colesterol alto. Outra vez, escreva 100 vezes no caderno, que também deriva da má alimentação que temos. Temos, porque queremos. Ninguém nos obriga a comer assim. Está bem, a gastronomia portuguesa é excecional, verdade. Mas se tiver dinheiro para comprar um Ferrari, a ideia não é espetá-lo a 300 quilómetros à hora contra um muro, certo? Portanto, reduza o sal e o açúcar. Simples como beber água. Que também é bom, aliás, dois litros por dia. Não reclame. Se fosse vinho, até lhe parecia pouco.
Regressando à língua de vaca fria, o colesterol é o resultado do excesso de gorduras saturadas e trans. Sim, na alimentação também existem os trans. As gorduras trans estão presentes nas frituras, na ‘fast food’, embutidos, carnes gordurosas e produtos industrializados. E uma vez mais, se os seus hábitos alimentares forem pobres em fibras, por falta de frutas, verduras, legumes e cereais integrais, isso continua a prejudicar a sua condição de saúde.
A Dra. Ana Revez é uma das médicas responsáveis pela Unidade de Acidentes Vasculares Cerebrais no Hospital do Espírito Santo, em Évora, e não tem dúvidas em colocar os hábitos alimentares no topo dos fatores proporcionando o AVC. “Então no nosso Alentejo ainda é mais evidente. A comida é um culto, saborosa, com aquela gordurinha”.
A médica, que é natural de Beja, afirma que é um paradigma cultural, o qual deveríamos reeducar. Como? “É um longo trabalho que temos pela frente, a começar em casa. No seio familiar. Não precisamos de perder a nossa gastronomia alentejana, mas deveríamos saber adaptá-la”. No sal. No açúcar. “E na quantidade de comida que ingerimos”, remata a responsável clínica.
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Outra nota, na qual quase todos os portugueses e alentejanos se vão rever. Além de ser fácil terem cuidado na quantidade excessiva de sal, de açúcar e gorduras saturadas (e trans) que ingerem… também não precisamos de comer como uns enfarta brutos. E a todas as refeições! O excesso de quantidade não só aumenta as doses desses venenos mencionados, como origina a obesidade. Outro fator de risco, a obesidade.
Venenos? O açúcar é o nosso combustível! O organismo humano não pode ficar sem ele, o açúcar é essencial para o funcionamento do cérebro, da retina e dos rins. Dá-nos quase toda a nossa energia. Sim, mas não precisa de ser comido às colheres, também pode ser encontrado na forma de sacarose, frutose e lactose, entre outros. Por outro lado, o açúcar torna-se num vício. Como se fumasse. Aí está outro fator de risco para os AVC, associado o tabagismo.
Porque gostamos tanto dos nossos bolos? Porque no interior do cérebro humano, ingerir açúcar provoca os neurotransmissores com a serotonina (sensação de bem-estar) e a dopa- mina (sensação de recompensa), fomentando assim o consumo de açúcares, dando-nos de imediato sensações de prazer, bem-estar e felicidade. Perceberam os gulosos? E assim se torna num vício.
Porém, o excesso de açúcar, ao ser conservado por falta de equilíbrio entre as calorias ingeridas e a ausência de exercício físico corres- pondente, não queimando calorias suficientes, transforma-se em tecido adiposo. E essa acumulação de gordura corporal, obesidade, potencia mais doenças graves.
Veneno? O sal (o sódio, aliás) é um elemento essencial à vida e indispensável ao funcionamento do organismo. Ele mantém o equilíbrio de água no interior e ao redor das nossas células. Porque faz mal abusar? O sódio presente no sal retém uma maior quantidade de líquido e isso faz com que o calibre de fluidos nos vasos sanguíneos aumente. Dessa forma, os vasos sofrem maior pressão, conduzindo ao AVC, e aneurismas.
Qual é a quantidade diária de sal recomendada? São entre 2,4 e cinco gramas por dia. Sim, leu bem. Uma colher de sopa tem 15 gramas, ou seja, sal suficiente para três dias. O equivalente a uma colher de café, distribuído por todo o dia, é o suficiente. Agora, imagine com aquilo que come, quantas dessas colheres de café com sal consome por dia?

Pessoal! É só termos cuidado com a nossa alimentação! Mas é tudo tão bom! Sei que não fomos educados assim… desde bebés, os gordinhos, é que dizem estar saudáveis. Ora justamente, pelo menos, cuidemos das gerações mais novas, ensinando-lhes desde o lar e durante o período escolar, que bem comer não é comer bem. Evitaria no futuro numerosos doentes, dramas, mortos e grandes despesas na saúde pública. Seria difícil? Não. É uma questão de vontade.
Obviamente que a estes três fatores, podem ser adicionados outros maus hábitos de vida, tais como o tabagismo, o excesso de álcool, aliados ao sedentarismo e a tal obesidade, alguns que referi. Tomou nota? Não? A ilusão que a famosa dieta mediterrânica se pratica em Portugal, é mentira. E traduz um dos maiores mitos urbanos nacionais. Nós não comemos saudavelmente. Em particular na gastronomia alentejana. Um cozido de grão, ou couve, sim é perfeito. Então, mas e os maravilhosos enchidos que lhes juntamos?
Na realidade, a chamada dieta mediterrânica baseia-se na variedade e abundância de alimentos de origem vegetal, a par da moderação nos alimentos de origem animal. Ora um bife à portuguesa com um ovo a cavalo, rodeado de batatas fritas e arroz branco, ou uma francesinha que é uma torre de Pisa em colesterol, umas migas de pão com carne de alguidar e um cachaço de porco preto em vinho tinto ilustram bem o quão longe andamos da famosa dieta mediterrânica.
Depois, somos provavelmente o único povo que, à refeição, ainda não terminou de comer o prato que tem à sua frente na mesa, e já está a falar sobre outros pitéus e exímios cozinhados, “ai tão bom que é aquilo, temos de combinar um jantar para comermos”. Ainda nem chegaram à sobremesa!…
Atenção, todos dizem que depois de um AVC é difícil ter outro. Por causa dos medicamentos e mudança de hábitos. Na realidade, 14% dos sobreviventes têm um segundo episódio ainda durante os primeiros 12 meses. Eu resolvi, desde o primeiro dia, aproveitar o longo internamento para me reeducar em termos de alimentação. Perdi 12 quilos. Quero ainda perder mais seis. Mesmo que isso leve muitos meses. Mas isto sou eu, cada um faz como quiser. A dado momento das nossas vidas, é uma questão de bom senso, boa alimentação e boa saúde. Quanto mais cedo, melhor.
A Associação Nacional AVC é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 1993 e tem como grande missão apoiar as famílias e os doentes vítimas de acidente vascular cerebral. Uma das melhores associações na área da saúde, é também um excelente exemplo de que não é só em Lisboa ou no Porto que se pode fazer trabalho de qualidade e ao nível nacional.
A ANAVC tem origem no trabalho pioneiro de profissionais de saúde do Hospital de Santa Maria Maior, em Barcelos, face à insuficiência de cuidados após a alta dos doentes com acidentes vasculares cerebrais, nomeadamente nos sectores da fisioterapia e reabilitação e dos cuidados continuados na comunidade e no domicílio. E ainda hoje, mantém a sua sede em Barcelos, de onde apoia todos os portugueses em qualquer ponto do país. Se desejar informações, fica o email: [email protected].
Um amigo meu inglês já falecido, acontece, dizia ao maravilhar-se com os doces conventuais do Alentejo: “’Delicious’! Cinco minutos de prazer e cinco anos à volta da minha cintura”. Qual é a sua desculpa? Na internet tem todos os conselhos e informações para reaprender a cozi- nhar e alimentar-se. A alimentação é um dos pilares da nossa saúde. Escreva na palma da mão, se precisar disso para se lembrar. Boa saúde!