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Ana Luísa Delgado: “Ainda há muita estrada para andar”

Editorial de Ana Luísa Delgado, jornalista

A festa para celebrar os primeiros 50 anos de Abril prolongar-se-á por muitos meses e tem sido pretexto para balanços sobre o que mudou neste meio século, para comparações entre o modo de vida em ditadura e o atual.

É um exercício seguramente interessante para que as novas gerações, a quem o salazarismo parece coisa distante, possam ter a perceção do sufoco que era aquela vida, sem liberdade, nem direitos, em que a saúde e a educação eram coisa de ricos, com perseguições, com presos políticos. Enfim, para o que aqui me traz gostava de centrar a análise nos direitos das mulheres e na sua evolução ao longo destes 50 anos.

Até à Constituição pós-25 de Abril, aprovada em 1976, vigorava a de 1933 que estabelecia o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (artigo 5.º), ressalvando logo de seguida que essa igualdade seria mais para uns que para outras, relegando as mulheres a um plano secundário pois era preciso atender às “diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família”. Leia-se, da sua natureza de mulher e da sua condição de mãe. Nada de ousadias. “A mulher praticamente não tinha direitos. Se se tratasse de uma mulher casada, os direitos eram exercidos pelo chefe de família”, lembrou Luísa Neto, doutorada em direitos fundamentais, numa entrevista recente.

Saibam, pois, caras leitoras mais novas, que antes do 25 de Abril as famílias tinham um “chefe”, o homem, a quem nós, mulheres, devíamos obediência enquanto tratávamos da lida da casa e da educação dos filhos, sob a supervisão do “todo poderoso”. Os casamentos eram católicos e o divórcio estava proibido. Mesmo o voto, que não servia para grande coisa pois as eleições eram fraudulentas, era muito condicionado. Primeiro só podiam votar as licenciadas ou as mulheres casadas que soubessem ler e tivessem fortuna. Depois, a partir de 68, a discriminação em função do sexo foi formalmente removida da lei, mas apenas podia votar quem soubesse ler e escrever ou já tivesse sido recenseado, o que na prática excluía a grande maioria das mulheres.

Já agora, no Código Civil de 1966, em vigor no 25 de Abril, cabia ao pai, como “chefe de família”, tratar de tudo o que dissesse respeito à educação dos filhos, mas a mulher tinha “poderes especiais” como o de “ser ouvida” ou “velar pela integridade física e moral” da prole. Para uma mulher sair do país, trabalhar numa loja ou abrir uma conta no banco precisava de autorização, leram bem, autorização do marido.

Poderia continuar, mas creio que para comparação estes dados servem muito bem. Aqui chegados, será que os passos para a equidade entre homens e mulheres foram os suficientes? Creio que não. Basta olhar para a sub-representação das mulheres na vida política ou para as desigualdades salariais para se perceber que há muita estrada para andar.

É um caminho que temos de continuar a percorrer. Sem um único passo atrás. Sem vacilarmos na condenação pública de gente como aquela que se reuniu para lançar o livro “Identidade e Família”, onde um inenarrável César das Neves diz que as “senhoras, alegadamente tiranizadas, nunca se queixavam ou manifestavam o seu desagrado”. Para correr com esta gente, como escreveu Eça de Queirós, só é necessário um pouco de benzina. A solução recomendada para remover todo o tipo de nódoas.

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