A Ordem dos Arquitetos divulgou um documento dirigido aos partidos políticos, em plena pré-campanha eleitoral, propondo soluções para problemas nacionais da habitação, planeamento urbano, mobilidade e gestão do território, que entende serem “incontornáveis na agenda política nacional”.
O documento sublinha os “muitos dos desafios atuais da sociedade portuguesa direta ou indiretamente” ligados a esta disciplina, e assegura aos partidos a disponibilidade para colaborar na construção de soluções “que sirvam o interesse público e respondam às necessidades concretas das comunidades”.
No texto divulgado, com cerca de 40 páginas, intitulado “Arquitetura como Solução”, a OA apresenta um conjunto de cerca de 30 medidas para os problemas que encontrou na habitação, território e infraestruturas, para simplificação administrativa, e também para os que afetam a profissão de arquiteto.
No domínio da habitação, os arquitetos identificam problemas graves como a escassez de oferta, a morosidade nos processos e os elevados custos de aquisição e arrendamento, falhas nas respostas para estudantes e jovens e obstáculos à reabilitação urbana.
Segundo dados do Eurostat de 2022 citados no documento, divulgados em 2023, cerca de 77,8% dos portugueses vivem em casa própria, enquanto 22,2% residem em habitação arrendada, “uma proporção que coloca Portugal acima da média da União Europeia em termos de proprietários de habitação”.
“Com pouca oferta, os preços sobem, a qualidade das casas tende a ser mais baixa, e há menos escolha para estudantes, jovens e trabalhadores temporários”, contextualiza a OA, acrescentando que os preços da habitação em Portugal continuam a subir de forma acentuada.
“Em 2023, o preço médio de venda por metro quadrado atingiu os 1.629 euros, representando um aumento de 9,6% face ao ano anterior, segundo dados do INE. No mercado de arrendamento, os preços subiram 11% no mesmo período, com Lisboa e Porto a registarem rendas médias mensais superiores a 1.200 euros”, refere, apontando que também os custos de construção aumentaram, “com um acréscimo de 6,3% em 2023 devido à inflação dos materiais e escassez de mão-de-obra”.
Como resposta a estes problemas, são apresentadas nove medidas, como o reforço dos programas públicos de habitação, incentivos fiscais para reabilitação e mecanismos de combate à gentrificação no país.
A entidade aconselha as forças políticas a “executar com convergência política e social os programas previstos sobre habitação pública nas duas legislaturas anteriores, nomeadamente os que se encontram incluídos nas Estratégias Locais de Habitação (EHL) dos municípios que representam um conjunto máximo de 59 mil fogos”.
“Estes programas incluem a construção de novas habitações, reabilitação de edifícios existentes e reconversão de património devoluto para instalações habitacionais. A sua execução pode beneficiar cerca de 150 mil pessoas em situação de carência habitacional, incluindo famílias em contextos vulneráveis, jovens, idosos e pessoas em situação de sem-abrigo”, indica.
No que toca ao território e às infraestruturas, os arquitetos criticam a “excessiva e ineficaz legislação, a desarticulação entre infraestruturas e planeamento e a ausência da arquitetura no processo”, propondo sete medidas, incluindo um planeamento centrado no desenho urbano, revisão da legislação em vigor e reforço da participação técnica qualificada nos processos decisórios.
Entre as prioridades estão a recuperação da política de cidades no aparelho do Estado, a melhoria da gestão dos planos territoriais municipais, a clarificação de competências entre entidades como as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e os outros intervenientes nos processos de concertação territorial, e a articulação entre políticas de solos e políticas fiscais, valorizando o desenho qualificado da cidade, a habitação de qualidade e a mobilidade sustentável.
Ainda no que diz respeito às infraestruturas, alerta para a expressão nacional de projetos estratégicos como “o novo aeroporto de Lisboa, o TGV, a terceira travessia do Tejo, as infraestruturas energéticas e portuárias de Sines e os planos de expansão rodoviária”, sustentando que “devem pensados globalmente, de modo coordenado e considerando a reformulação do território e da urbanização que vão induzir”.
No eixo da simplificação administrativa, a OA denuncia “um sistema urbanístico complexo, a ausência de planos de execução, a escassez de técnicos nas autarquias e uma linguagem normativa distante da prática” e propõe um conjunto de oito medidas, entre elas a reformulação do Simplex Urbanístico, a criação de uma plataforma nacional para monitorização de prazos e a concretização de um Código da Construção faseado.
Relativamente à profissão, chama a atenção para os baixos honorários no sector público e privado, a inexistência de carreiras técnicas definidas e os problemas na contratação pública, defendendo a criação de um quadro regulatório para a arquitetura, com regras claras e justas, a regulamentação da responsabilidade civil, benefícios fiscais, apoio à exportação e incentivos à transição digital.
“Quando falamos dos arquitetos servidores públicos, devemos saber que cerca de 15% dos arquitetos em Portugal trabalham na Administração Pública, mas enfrentam múltiplos desafios, como a ausência de uma carreira especial, uma significativa desvalorização salarial, a falta de progressão baseada no mérito e a dificuldade de retenção de quadros qualificados”, critica.
A OA recorda ainda que as funções destes arquitetos são estratégicas e variadas — desde o licenciamento e fiscalização de obras, à elaboração de planos urbanísticos e projetos públicos, e desde a conservação do património ao planeamento territorial e de mobilidade —, “mas o atual enquadramento em carreiras genéricas desconsidera esta especificidade”.
Nesta área, defende a criação de um Quadro Regulatório de referência para os serviços de arquitetura e engenharia, com definição de regras e princípios incluindo os honorários, e incentivando medidas de regulação “que permitam que a remuneração destes serviços em Portugal se alinhe com a média europeia para garantir sustentabilidade económica dos ateliers e empresas, sem prejuízo do cumprimento das regras da livre concorrência”.
Também propõe a criação de um pacote de medidas de fiscalização sobre os serviços e empresas de arquitetura, sociedades multidisciplinares, “com vista a combater práticas de ‘dumping’ nos serviços de projeto (arquitetura e engenharia), definindo parâmetros, auditorias, guias de práticas oficiais”.
A entidade apela ainda à “ativação de entidades fiscalizadoras como a AT [Autoridade Tributária] e a ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho] para defender o interesse público desta atividade, que se encontra sem uma adequada supervisão”.
A Ordem dos Arquitetos conclui o documento dirigido aos partidos políticos reafirmando a “disponibilidade para contribuir ativamente no desenho de políticas públicas, colocando o conhecimento técnico e a responsabilidade social da arquitetura ao serviço do bem comum e da qualidade de vida das populações”.