Arte, memória e identidade, o legado do artista plástico Costa Araújo

Autodidata, viajante e criador incansável, José Augusto Costa Araújo nasceu em Braga, mas foi em Évora que firmou grande parte da sua obra. Pintou o Alentejo com uma sensibilidade rara, cruzando tradição e modernidade, memória e identidade, numa linguagem plástica profundamente humanista. Luís de Matos (texto e fotografia)

Costa Araújo nasceu em Braga a 10 de agosto de 1947 e veio a falecer na mesma cidade a 23 de abril de 2019, a poucos meses de completar 72 anos. Correu mundo, mas foi em Évora que desenvolveu boa parte da sua carreira artística. Artista plástico autodidata, tinha uma profunda sensibilidade e uma capacidade única de capturar a essência da experiência humana nas suas obras. Fez pintura, desenho, escultura, cerâmica ou azulejaria, trabalhou temas históricos e marítimos sempre em busca de novas formas de expressão.

Instalado em Évora fundou duas empresas de publicidade, uma delas em sociedade com o também artista plástico Joaquim Tavares, membro do Grupo 8, um coletivo artístico de grande relevância no contexto português dos anos 70 e que integrou, entre outros, António Palolo e José de Carvalho.

O seu trabalho artístico reflete com frequência temas como a identidade, a memória e a relação do ser humano com o espaço que o rodeia. Era conhecido pela sua habilidade na combinação de elementos tradicionais com abordagens contemporâneas, criando peças que dialogavam em simultâneo com o passado e com o presente. Pode dizer-se que o José Augusto Costa Araújo foi um defensor da arte como meio de transformação social. O seu legado é um testemunho da sua paixão pela criação e do seu compromisso com a cultura.

Como se disse, viveu vários anos em Évora e, logo no início da década de 80, teve uma participação ativa na organização dos Carnavais da cidade, num trabalho conjunto em que também participaram Manuel da Costa Dias, o Zé de Arraiolos, Francisco Bilou, Avelino Bento, João Bilou e eu próprio, devido ao meu trabalho de investigação sobre as Brincas de Évora. Mas também o mestre Xico (serralheiro) e o mestre Dinis (chefe dos carpinteiros), ambos funcionários da Câmara de Évora. Costa Araújo teve um papel preponderante. Naquela época era vereador da cultura o Joaquim Mendes.

Anos mais tarde, aquando da exposição “Os Povos e as Artes”, organizada pela Câmara de Évora, ao tempo em que Fernanda Ramos era vereadora com o pelouro do turismo – a Fundação Alentejo ainda estava longe no horizonte -, foi Cos- ta Araújo quem criou um enorme pórtico, com 12 metros de altura, numa estrutura tubular metálica colocada frente ao jardim público da cidade.

Haveria de colaborar vários anos com a Escola Profissional da Região Alentejo, quer como responsável do departamento de artes gráficas e design, quer como formador na área de pintura, cerâmica e azulejo no polo de Estremoz.

Em simultâneo, claro, não deixou de retratar o Alentejo. As suas ceifeiras, por exemplo, são trabalhos únicos, identificáveis pelo traço simples e pela enorme precisão. Mulheres desenhadas com traço suava, quase sempre de chapéu com espiga e papoila e lenço colorido. Por vezes a despe no meio da seara e da planície dando-lhe um ar de deusa, sem nunca esquecer a raiz de onde vem. E há também a característica chaminé e beirados, a planície, a olaria ou o cante alentejano. Pintou o Alentejo como se aqui tivesse nascido e, daqui, nunca tivesse partido. Ele, que correu mundo.

Com quatro anos foi com os pais para Angola, estudou em Luanda e teve o primeiro contacto com as artes por volta dos sete anos, quando tirou um curso de pintura e artes decorativas. Viveu em Luanda até final de agosto de 1976, regressou a Portugal, mas meses depois partiria para o Brasil… um ano no Rio de Janeiro, mais quatro no Recife.

Só por essa altura se instalaria em Évora, onde desenvolveu boa parte da sua obra. Ainda haveria de voltar ao Brasil, entre 2006 e 2012, regressando então definitivamente, por questões de saúde. Participou em várias exposições, individual e coletivas, a última das quais em 2017, que ajudei a organizar. “Alentejo: Afetos e Olhares da Arte”, reuniu trabalhos de desenho e pintura de Costa Araújo, Leonel Borrela e Flávio Horta.

Uma resposta

  1. COSTA ARAÚJO

    Não morre o gesto em tua mão traçado,
    nem se dissolve o brilho em tua cor;
    teu quadro é tempo em tela eternizado,
    um lume oculto a prolongar o amor.

    O pincel guarda o vento do passado,
    o rio da memória e seu clamor;
    cada traço é semente inaugurado,
    cada sombra é promessa em seu vigor.

    Assim teu nome habita além da hora,
    pois tua arte é raiz que não se apaga,
    um sol que arde e cresce quando aflora.

    E quem contempla a obra que se alaga,
    descobre em si a vida que decora,
    um canto eterno em tinta que se embriaga.

    Maria Antonieta Matos

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