Artes plásticas. Nelson Ferreira, o pintor da fulgurância da noite

A arte clássica contrapõe-se à arte contemporânea, porque nada tem que ver com o ego: o Ocidente perdendo-se no marketing, está a perder o conhecimento da pintura clássica. Alexandre de Barahona (texto e fotografia)

Nelson Ferreira é um artista que prefere pintar de noite, ou melhor, de pintar a noite, exaltar a luminosidade que resiste na penumbra, nas nuances impercetíveis dos pigmentos negros mais recônditos que existem. Apresenta-se como um pintor, artista luso-britânico, vivendo na maioria do seu tempo em Londres, onde pinta, expõe e ensina a sua arte.

“Dou aulas a desenhadores da Disney” afirma, enquanto passeia um sorriso contagiante pelos claustros da Igreja de São Vicente, em Évora. “É o estudo aprofundado do clássico, que me permite ajudá-los a aperfeiçoarem os desenhos da Disney”.

Fascinado pela essência da verdade na arte, pelo exímio classicismo dos antigos mestres de pintura, Nelson Ferreira procura o seu caminho por entre várias expressões e técnicas referenciais ao talento de pintar. Naturalmente é um conjunto de quadros, que poderemos contemplar nesta exposição intitulada “Tetralogia: Cintilações do Manto Celeste”, uma mostra de sinfonias em quatro cores: o negro (noite), o azul (céu), o ouro (estrelas) e a platina (luz).

Mas, principalmente, esta é uma belíssima exibição das diferentes técnicas, atestando díspares escolas reconhecidas, e atravessando geograficamente mais de 12 séculos de pintura, distantes apenas pelos pequenos passos dados pelo visitante no local. Não é um museu, porque todas as obras são do mesmo autor e foram concebidas nos últimos dois anos, no entanto aproxima-se ecleticamente disso. Ali encontramos a Idade Média, representada por ícones, onde a técnica do século oitavo foi integralmente respeitada pelo autor.

Depois, as pinturas azuis representando a necessidade humana de receber um abraço, “mas como não há pessoas para tal, estão a abraçar as esculturas clássicas” patentes no Museu Nacional de Arte Moderna (Lisboa). Descrevem a solidão do confinamento imposto devido à covid-19, procedimento que na opinião do artista continuou depois: “Noto que a sociedade ocidental se modificou, as pessoas já não falam umas com as outras, existe uma fobia que se instalou há três ou quatro anos e está a fracionar a nossa sociedade”.

O período negro são quadros pintados em quatro tonalidades diferentes de pigmentos pretos, constituindo um trabalho executado pelo pintor para o Museu Nacional Soares dos Reis (Porto). ”É o desterrado do grande génio que foi Soares dos Reis no século XIX”. Mas há tonalidades nesses negros, apontei. “Sim”, responde, “contudo os pigmentos pretos são quimicamente puros, não há insurgência de brancos para sugerir cinzentos, essas nuances provêm dos diferentes tons de negro, cujas origens químicas são distintas. Curiosamente, o tom de preto mais claro é de um pigmento vendido no Reino Unido com sendo o preto mais preto do mundo, e que utilizei ali, revelando a luz”.

E por fim, as surpreendentes pinturas PlatiGleam, fruto de uma técnica descoberta pelo próprio Nelson Ferreira, consistindo numa “homenagem” ao futuro. Estes quadros não têm qualquer pigmento, e devem ser vistos com a ajuda da lanterna do telemóvel, olhando-os com os olhos encostados ao telefone. “Quando as pintava, nada se via, e as pessoas pensavam que estava apenas a utilizar água pura nos pincéis, que na realidade era um líquido (secreto!) transparente”. E, então, achavam que ele estava louco.

Estas pinturas são constituídas por dois temas díspares, mas unificados por um análogo espírito holístico, o primeiro retratando o Mosteiro da Batalha, enquanto o segundo tríptico, pintado no Nepal quando expôs em Katmandu, ilustra os deuses tântricos da religião dos Neuari, que é uma fusão entre o hinduísmo e o budismo, reunindo ambos os crentes a rezarem nos templos Neuari. “Quem segura o telemóvel tem uma perspetiva e quem esteja ao seu lado, vê outra imagem diferente. Isto evoca a subjetividade da perceção humana”, segundo o pintor.

Em par dos quadros, na exposição podem ser vistos dois filmes, o “Azul no Azul” e o “Alba Nera” que o realizador italiano Gianmarco Donaggio fez sobre o trabalho de Nelson Ferreira. De salientar que Donaggio foi distinguido pelo Festival Internacional de Cinema de Berlim, com o prémio Talento Berlinale 2024.

A exposição foi inaugurada a 8 de agos- to, com a presença do pintor e a participação da cantora Cátia Alhandra e do guitarrista Juan Léon, que através das suas artes souberam desfrutar da excelente acústica da Igreja de São Vicente. Estará patente até amanhã, dia 25 de setembro.

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