O cante alentejano, voz profunda e coletiva da alma do Alentejo, é um símbolo de resistência e de união cultural. Em 2014, foi elevado ao estatuto de Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, um feito notável que, há uma década, consagrou este tesouro do nosso património. Este percurso, no entanto, foi muito mais do que um processo burocrático. Foi uma jornada feita de desafios, persistência e paixão por uma tradição que atravessa gerações.
Relembrando o processo de candidatura do cante alentejano, não posso deixar de sublinhar a importância do esforço coletivo envolvido. Embora o reconhecimento final tenha vindo da UNESCO, o verdadeiro valor do cante reside nas suas raízes populares, na sua prática genuína e no compromisso das comunidades em mantê-lo vivo. Porém, o processo para a sua inscrição não foi isento de desafios.
A ideia de candidatar o cante alentejano à UNESCO surgiu de uma convicção profunda de que esta tradição merecia ser reconhecida no plano internacional. O processo de candidatura exigiu uma coordenação entre diferentes atores locais, desde associações culturais, grupos de cante e académicos, até às autoridades regionais e nacionais. Foi um trabalho intrincado de articulação e organização, em que se procurou demonstrar, com rigor, que o cante não era apenas um ato de performance, mas um elemento vivo do património cultural imaterial, que liga os alentejanos à sua terra e à sua história.
Lembro-me particularmente de alguns momentos marcantes ao longo do processo. Desde debates entusiasmados sobre como garantir que o cante permanecesse autêntico, sem perder a sua essência ao ser projetado para uma plataforma global, até aos momentos de incerteza, em que parecia que a candidatura poderia não seguir em frente. No entanto, a resiliência de todos os envolvidos, e o amor ao cante, prevaleceram.
Nos últimos 10 anos, o reconhecimento da UNESCO trouxe uma nova vida ao cante. O número de grupos aumentou, há mais jovens a interessarem-se por esta tradição e o próprio cante ganhou uma visibilidade internacional que seria impensável antes de 2014. Mas, mais importante do que o reconhecimento global, foi a renovação do orgulho que as comunidades sentem pelo cante. Hoje, ele é cantado com a mesma força e o mesmo sentido de pertença de outrora, mas com uma consciência acrescida da sua importância como património partilhado à escala mundial.
O cante alentejano tem demonstrado a sua capacidade de adaptação, sem perder a sua essência. A sua inclusão na lista do Património Imaterial da Humanidade não foi o fim de uma jornada, mas o início de uma nova fase, em que cabe a todos nós garantir que o cante continue a ecoar nos montes e planícies do Alentejo, mantendo-se uma expressão viva e autêntica da nossa identidade.
Olhando para o futuro, é importante que continuemos a investir na educação das gerações mais jovens sobre o valor do cante e a criar oportunidades para que esta forma de arte continue a evoluir de forma orgânica. O cante é mais do que música; é uma forma de vida, um laço invisível que une os alentejanos. E, enquanto houver uma voz para cantar, o cante alentejano perdurará.
Com a honra de ter participado ativamente desde a primeira hora neste processo e ter vivido aquele momento único em Paris entre lágrimas e sorrisos, concluo com a certeza de que, daqui a mais 10 anos, celebraremos não apenas o cante como Património Imaterial da Humanidade, mas como um património vivo, rejuvenescido nas comunidades e nos corações de todos nós.