Artigo de Feliciano de Mira: “António Palolo, cada um vê como pode”

Passam 25 anos sobre a morte de António Palolo, figura maior da arte contemporânea portuguesa. Évora, cidade onde nasceu, permanece em silêncio. Traços da vida e obra de um artista marcado pela diversidade técnica e pelo experimentalismo. Feliciano de Mira (texto)

António Palolo, o João para os amigos, faria agora 79 anos se não tivesse partido com 53 anos de idade (5/07/1946-29/01/2000). Assinalam-se este ano 25 anos da sua morte e desconheço qualquer evocação à sua obra na cidade onde nasceu.

António Palolo é poliartista autodidata, invencionista alentejano; desenhou, pintou, realizou diaporamas, filmes e vídeos, instalações, performances e objetos poéticos. A sua escolaridade formal é básica, mas “teve uma vida incrível, e tudo lhe chegou muito cedo”(1). É uma figura fundamental das artes portuguesas que “tinha uma imperiosa necessidade de experimentar”(2).

É uma perda epistemológica a ausência da sociologia da arte nos estudos artísticos contemporâneos, muito enriqueceria a teoria crítica e as práticas artísticas para, no mínimo, se analisar como o contexto biográfico e o lugar de criação influenciam o trabalho artístico. Nesta abordagem segui uma linha cronológica e sublinei o lugar de Évora na produção artística do João. Tentei ligar biografia e criatividade, cada fase da sua obra corresponde ao estilo de vida dessa época. Assim, atendi à fase inicial de 1960, às mudanças na década de 1970 e à rutura de 74, às décadas de 1980 e de 1990.

O João vivia em Évora na Rua de S. Cristóvão com os pais, o sr. António Palolo e a dona Gertrudes, e com o irmão Guilherme. O seu pai, serralheiro mecânico no João Lopes Branco, foi o seu primeiro grande mestre, era um homem bem-disposto, amante da natação e exímio pintor. Fazia retratos a óleo e reproduzia obras flamengas e do renascimento italiano a partir dos seus livros e revistas, ou por encomenda. O primeiro mestre do João nas técnicas de pintura foi o pai, dava ênfase ao rigor técnico do traço e à cor, o que o habilitou para uma carreira promissora. Para o pai, o João tinha “capacidade técnica para fazer cópias de paisagens e retratos”(3).

A sua formação estética inicial é familiar, numa cidade rural amuralhada à volta, pouco iluminada de noite, conservadora nos hábitos e mentalidades. Cresceu num ambiente familiar saudável, rodeado de arte e muito carinho. Desde criança que o pai praticava com ele jogos físicos que envolviam o equilíbrio do corpo. Eram jogos que requeriam destreza e alterações na perspetiva visual.

Tudo “começou desde miúdo com um campo de visão muito fora do comum”. Os jogos contribuíam para despertar no João a importância do corpo e do movimento.

Na instrução primária adicionou novos conhecimentos, dizem que gostava de preencher os quadrados dos cadernos de contas com cores. Entre 1958/1959 ingressa no Ciclo Preparatório do Ensino Técnico Profissional da EICE-Escola Industrial e Comercial de Évora no edifício do Convento de Santa Clara, destacando-se na disciplina de Trabalhos Manuais. No ano letivo de 1960/1961 frequenta o Curso Industrial em Serralharia, que não termina. Era um ensino dirigido para a formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho, foram-lhe úteis as áreas de geometria e técnicas de desenho(5). Em agosto de 1962 está na EICE e presta trabalho eventual nos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Évora(6).

Quando conhece o Joaquim Bravo (1935/1990) e a seguir o Álvaro Lapa (1939/2006), gerou-se uma amizade entre eles e começa uma outra vertente da sua formação artística. O João diz que conheceu o Joaquim Bravo na rua(7). Porém, atendendo à diferença de idades entre eles e ao facto de terem frequentado estabelecimentos de ensino diferentes, suponho que esse conhecimento deva ter começado na livraria Nazareth, que ambos frequentavam. Aí havia a informação que procuravam e era ponto de encontro dos intelectuais da época. Juntos, descobrem a Beat Generation, questionam o estado das coisas existentes e alimentam o fogo do inconformismo.

O pai do Joaquim Bravo, o sr. Francisco Bravo, é estafeta e muitas vezes o filho acompanha-o a Lisboa, para ir comprar livros e revistas, que depois traz para “circulação generosa, livre e confiante”(8) entre os amigos. Sentiam necessidade de ler revistas estrangeiras para saber o que se passava lá fora.

Aquando da III Missão Internacional de Arte (Missão Estética) em Évora, a exposição que foi apresentada entusiasma António Charrua (1925/2008) e impressiona Álvaro Lapa, sobretudo o trabalho de Robert Motherwell (1915/1991) um dos fundadores do expressionismo abstrato. Depois descobre(m) Henri Michaux (1899/1940) e Wols (1913/1951) ambos do movimento tachista, que passam a estar presentes no informalismo caligráfico dos desenhos do João.

Em 1960 Joaquim Bravo tem 25 anos, Álvaro Lapa tem 21 e António Palolo 14. António Charrua era vizinho de Álvaro Lapa na Rua da Mouraria e presença regular na sua casa. António Charrua era amigo de Virgílio Ferreira, que foi professor no Liceu de Évora e gostava de falar com o Lapa sobre filosofia e literatura. O João não ficava indiferente às ideias que circulavam entre o grupo, mas a pintura era o seu foco de interesse, para ele “a cor tem a ver com a vida das palavras”(9).

A este respeito, António Charrua dirá: “Tive mais contactos com o Álvaro Lapa. E falávamos mais de literatura. O Lapa morava aqui em baixo. Vinha aqui, cheio de livros, deixava o ‘terrorismo’ e depois vinha buscar. Vinha sempre com ideias novas e conversávamos um bocado. (…) O meu contacto com o Palolo não é tão marcante. Deu-me a ideia de que a sua pesquisa plástica era mais de pintor, mas não era tão importante como a do Lapa, que faz tudo através da cabeça”(10).

Ainda que António Charrua não assuma qualquer influência sobre o grupo, e “apesar da diferença geracional, os encontros em Évora são frequentes ao longo desta década. A obra dos três artistas incorpora referências e memórias visuais vindas da pintura de Charrua”(11) e através das revistas de arte a que tiveram acesso.

Mas, para além das influências relatadas, o grande mentor de António Palolo vai ser António Areal (1934/1978) autodidata, pintor e teórico. Álvaro Lapa conheceu António Areal na casa do Charrua em Lisboa, que manifestou interesse em conhecer as obras dos três amigos de Évora. Então, falou com o Rui Mário Gonçalves (1934/2014) que propôs irem a Évora ver os trabalhos, o que aconteceu quando ambos se meteram a caminho de Paris em outubro de 1963. Pararam em Évora e foram a casa do Joaquim Bravo onde os trabalhos estavam reunidos. No final “distinguiram o Palolo em termos de qualidade”(12).

Fernando Conduto (n. 1937), que está a orientar o projeto da Galeria 111 na fase inicial e também amigo do Charrua, contacta António Areal para indicar artistas que pudessem expor na galeria. Este indicou o grupo de Évora e todos lá expuseram individualmente ao longo de 1964. Esta sua escolha satisfazia a cruzada do António Areal a favor dos anti-académicos e contra os académicos, pressuposto que encaixava nos perfis de Bravo, Lapa e Palolo.

A sociedade portuguesa vivia sob a repressão de um regime isolado e obsoleto, afastada dos circuitos internacionais de arte, privada de acesso a exposições e atividades suscetíveis de contribuírem para a formação artística da opinião pública.

DÉCADA DE 1960: FORMAÇÃO

As exposições coletivas são importantes para os artistas jovens e para o público, facilitam comparações e mostram tendências. Os primeiros trabalhos que António Palolo apresenta em 1963, na exposição coletiva “Claro Escuro” da Sociedade Nacional de Belas Artes, datam de 1961, quando tinha 15 anos. Mas uma exposição individual é mais importante para adquirir visibilidade consistente, estabelecer e aprofundar a sua identidade artística.

A sua primeira exposição individual é realizada em 1964 com 17 anos, a três meses de fazer 18 anos, na Galeria 111 de Manuel de Brito, a principal galeria de Lisboa, à qual ficará ligado até 1980. Nessa exposição apresenta pinturas com a utilização de tintas sem misturas e coloridos fortes, dentro dos imaginários pop e psicadélico. A exposição obtém enorme sucesso junto da crítica e do público. Na edição do “Jornal de Letras e Artes” de 8 de abril desse ano, Alfredo Margarido elogia a sua pintura, cuja conceção plástica amplia o significado da cor para além da forma. Apesar da influência americana patente nas obras, António Palolo diz que tudo começou com o neorrealismo, a informação e a evolução(13).

Quando as Piscinas Municipais de Évora são inauguradas (4/9/1964), na zona infantil está a sua Escultura do Dragão, uma peça de cimento e alumina pintada de branco, um boneco para multiusos que ainda hoje se mantém. É a sua primeira obra pública.

Com apenas 20 anos integra em 1966 a delegação portuguesa na Bienal de Arte de São Paulo. É o ano em que assenta praça como soldado para cumprir o serviço militar obrigatório; faz a recruta e é mobilizado para o então denominado “ultramar”. Em 1967 está no Batalhão de Caçadores 2833 em Zemba-Angola onde permanece até 1969. Apesar da situação de guerra “tinha a proteção de um comandante que lhe permitia pintar”(14). No gabinete do comandante pinta um mural como técnica de evasão, que assinou por António Palolo. No aquartelamento produz pequenos guaches que envia por correio para Maria Arlete Silva, da Galeria111, e que ali são expostos em 1967 e na Galeria Bucholz em 1968.

Durante a licença militar realiza uma exposição em Luanda e, na capital do “império”, participa na Exposição de Arte Portuguesa da Fundação Calouste Gulbenkian que vai a Madrid, Paris e Bruxelas. As obras dessa época apresentam um sistema integrado de formas orgânicas e estruturas geométricas dentro de um espaço visual de fortes colorações(15).

DÉCADA DE 1970 E RUTURA DE 74

Regressado de Angola, volta à Travessa de S. Cristóvão com incursões regulares a Lisboa e estadias prolongadas de férias em Lagos. Entre 1969 e 1974 volta a encontrar-se com Joaquim Bravo, a viver em Lagos desde 1966, e com Álvaro Lapa, que lá residiu entre 1966 e 1971 e entre 1972 e 1973.

Nos inícios desta década tem um atelier na Rua do Inverno, em Évora, frente à taberna do Pincel, próximo da casa de António Charrua e onde residira Álvaro Lapa. Nesse atelier, as telas estavam cuidadosamente arrumadas, assim como as tintas e os pincéis. Eram tintas industriais de esmalte que aplicava sobre platex, e que dariam lugar às tintas Liquitex, as melhores da altura. Na carpintaria do tio, o pai fazia as grades para as telas que ele esticava. Também fazia molduras em madeira e alumínio, como era moda na época. Depois começa a comprar as telas já montadas nas Casas Ferreira e Varela, em Lisboa. As figuras modernas do meio cultural da cidade e outros curiosos são visitas do atelier e é aí que conhece o José de Carvalho (1949/1991).

Lembro-me de o ver no verão, na piscina municipal, com o pai e o irmão Guilherme, enquanto o sistema sonoro repetia vezes sem conta o “Have You Ever Seen The Rain”, dos Creedence Clearwater Revival, escrita por John Fogerty (1970). Eram amantes da natação, a sua presença na piscina era regular e por vezes estendia-se pelas noites soalheiras. Quando está em Évora, João frequenta o Café Portugal, aí se encontrando com o seu reduzido grupo de amigos. Chamavam-lhe tedyboy pela forma de vestir greaser – subcultura icónica dos Estados Unidos -, uma estética desafiadora das normas sociais e expressão de rebeldia.

Aos 24 anos (1971) é nomeado por um júri composto por José-Augusto França (1922-2021) e por Rui Mário Gonçalves para a nova decoração da Brasileira do Chiado, ao lado dos consagrados, e aí apresenta uma pintura inspirada no ready-made de Marcel Duchamp (1878/1968) que teve grande sucesso.

Nesta década efetua exposições individuais nas galerias Gávea, em Ponta Delgada (1970) e na Galeria 111 (1971/1973, que são também apresenta- das na Zen no Porto. Na exposição de 1973 apresenta 36 pinturas de cariz Hard Edge. Em 1971 participa na coletiva Five Artists, no Hudson River Museum, em Nova Iorque. Os anos de 1972 a 1974 foram de intenso trabalho e grande sucesso, teve condições para viajar e conhecer grandes museus europeus, para satisfazer a necessidade de sintonização com as linguagens e tendências internacionais inexistentes em Portugal.

Em 1973 está a viver em Campo de Ourique. José de Carvalho é sacristão da tropa na Trafaria; passam a coabitar na mesma casa, que José Conduto (1951/1980) frequenta com o seu caderno de apontamentos, onde meticulosamente anota projetos e performances. João circula nas elites artísticas portuguesas, balanceando entre o mainstream e a contracultura, é uma fonte de criatividade e de espanto. As barras coloridas nas suas obras são o meio de transição entre a pop-arte e a abstração. A cor sobressai e a luz está sempre presente quase como obsessão.

A seguir ao 25 de Abril é fundador do Movimento Democrático de Artistas Plásticos, constituído na SNBA a 8 de maio. Com 48 artistas participa na criação do painel monumental no Mercado da Primavera, em Lisboa, a 10 de junho, em homenagem à Revolução, mas não participa em 1975 no mural “A Terra a Quem a Trabalha”, pintado na parede do Palácio de Cadaval à entrada do Buraco dos Colegiais, em Évora.

A Revolução estava em processo quando concebe um envelope para edição policopiada dos “Poemas”, de Joaquim Manuel Magalhães, que mais tarde irá dedicar-lhe a obra. António Palolo escreve: “Oito. As luzes fogem, encontram-se muito ao longe, ignoradas de homens para outros homens prontos a morrer sem saber a quem chegarão suas verdades, sua solidão, os restos azuis das chamas”(16).

Com o mercado de arte em queda, decide ir para São Paulo com José de Carvalho, para se fixarem e trabalhar. Aí residem um curto período de tempo, mas não era aquilo que queria e regressa a Portugal em meados de 1975. Irá viver para o Monte da Oliveirinha em condições precárias, e depois para o Monte do Chafariz em Évora-Monte. É um período de grande experimentação, diversifica os suportes e meios de expressão em trabalhos que entram pela paisagem, protagoniza um invencionismo conceptualista alentejano.

De vez em quando vai a Évora ou a Lisboa. Em Évora, o João gostava de passear até ao Convento da Cartuxa e falar, quando autorizado, com Frei Miguel (1897/1985), o monge pintor que abandona as tintas e os pincéis para abraçar a máxima de São Bruno – ora et labora – mas que passados 18 anos voltara a pintar. Nessa altura era irmão-porteiro Frei António Maria (?/2025) – moçambicano de origem indo-paquistanesa – que a todos recebia com olhar brilhante e sorriso aberto e que uma vez confessou adorar ouvir a música proveniente das piscinas.

Nessa época, a casa do Joaquim Carapinha é um espaço cosmopolita de encontro e de experiências sensoriais de grande criatividade. É onde João Palolo constrói o Grupo 8, com José de Carvalho, José Conduto, Joaquim Carapinha, Joaquim Tavares, Madeira da Rocha, Dr. Nelson e Dimas. O Grupo 8 não tem um programa doutrinário, mas segue um referencial conceptualista nas exposições realizadas em Évora em 1977, no Palácio D. Manuel, e em 1978 no Museu de Évora e na Galeria de Arte Moderna em Belém em Lisboa, por intermediação de Ernesto de Sousa. Entre as exposições coletivas pós-25 Abril onde participa, temos a “Arte Portuguesa Contemporânea” (1976) que vai a Roma e Paris, a Arte Fiera em Bolonha e ao Museo Vostell de Malpartida em Cáceres (1978). Nesta fase já abandonara a figuração de raiz pop dando lugar às linhas geométricas pós-modernistas.

Porém, a coletiva mais relevante é a “Alternativa Zero: Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea” (1977) comissariada por Ernesto de Sousa. O objetivo desta exposição foi questionar o conceito de vanguarda e as suas interpretações em Portugal, combater o isolamento dos artistas e críticos portugueses e fomentar um pensamento crítico que separe os interesses comerciais dos dogmáticos. Dentro destes pressupostos, António Palolo apresenta a video-performance “Akasha Escolar” (30 minutos) com José de Carvalho e José Conduto, numa reflexão sobre o mundo através do corpo.

Entre 1968 e 1978 realiza diversos filmes experimentais. Os primeiros filmes realizados são “Sem Título (#1)”, “Metamorfose” e “Sem Título (#2)”, em 1968 e 1969, todos em formato Super 8. O seu trabalho é com a câmara, mas também sobre a película. No filme “OM” (1977-1978) aborda o imaginário isotérico, fazendo uma síntese aos trabalhos anteriores e oferecendo um programa visual sobre a luz e o movimento no espaço. Em 1981 integra a “Portuguese Video Art”, na Corroboree Gallery em Iowa, Estados Unidos. Desde 2012, a Fundação Calouste Gulbenkian reúne em acervo 24 peças de vídeos e diaporamas da sua autoria.

É um dos fundadores da Galeria Diferença, em 1979, com Ernesto de Sousa, José de Carvalho, José Conduto e outros, para incentivar a experimentação e apoiar novos projetos artísticos. Na exposição individual que lá realizou, nesse ano, apresenta obras com uma abstração geométrica de lirismo profundo, que justifica deste modo: “Antes de sermos humanos somos geométricos (…) as imagens geométricas são espectros de mim próprio”(17).

Década de 1980: “As telas… às vezes sonho com elas”

O regresso à pintura coexiste com o abstracionismo formalista, o hiper-realismo, o grafitismo, a mistura com a fotografia, o filme e o vídeo – ligando performance e body-art – o pastiche. A obra é uma rábula, disse-me, ideia que repete com frequência, é a paródia do objeto do quotidiano, a referência a Marcel Duchamp (1887/1969) e Andy Warhol (1928/1987).

Todas as instalações que montou foram na Galeria Quadrum, “Crater-Clice”, em 1979, “Mente e Construção”, em 1980, e a última, “Rear Vision”, em1981. Destas instalações retiro a ideia de duplo sentido das formas de pensamento em Mente, mas o que adquire maior relevo é a peça linha de reflexão, uma barra metálica sobre o chão, que tanto pode ser uma reflexão sobre o seu trabalho como um convite à necessidade dos humanos refletirem sobre si próprios.

As ligações à Galeria Quadrum, de Dulce D’Argo, e à Galeria Altamira, de Francisco Paulino, levam-o a realizar a maioria das exposições individuais nestas galerias e, através delas, participar em coletivas realizadas em Espanha.

Entre as 14 exposições individuais que realizou de 1980 a 1988, a mais importante decorre na Casa da Cultura de Setúbal (1982). Apresenta uma série de novas obras dominadas por um abstracionismo não expressionista, resultado de experiências cinéticas realizadas no Monte do Chafariz, em Évora-Monte, numa linguagem de fronteira entre o pós-minimalismo e o impulso figurativo.

Quanto às exposições coletivas, sublinhamos a “Depois do Modernismo”, na SNBA, que se propõe transformar o panorama cultural português. É um movimento coletivo que se insurge contra o regime institucional obsoleto e a nomenclatura instalada. Teve forte impacto nos artistas e no público e ajudou a transformar a forma de ver, fazer, e pensar a cultura em Portugal.

É mentor da coletiva de “Homenagem a José Conduto” na Galeria Diferença, do seu compagnon de route. Em 1981, na mostra “25 Artistas Portugueses”, no Museu de Arte Moderna, em São Paulo (Brasil) e na coletiva “Pinturas”, no Palácio de D. Manuel, em Évora, apresenta obras que misturam um conceptualismo carregado de minimalismo e formalismo abstrato.

Com relativo atraso, é convidado para criar a cenografia e figurinos da peça “Corda Bamba”, de Lygia Bojunga Nunes, com adaptação e encenação de José Caldas, que estreou a 5 de novembro de 1982 no Centro Cultural de Évora.

Nesta década colabora com artistas e músicos, sobretudo com os Telectu, formados em 1982 por Jorge Lima Barreto (1947/2011) e por Vítor Rua, para quem realiza seis capas de discos, caixas e objetos, diaporamas para espetáculos musicais. Jorge Lima Barreto afirma que António Palolo era o terceiro membro dos Telectu. Numa lógica antissistema e questionamento do tipo de mercado, criam a editora 3 Macacos. Por volta de 1986 tem o atelier em casa de Vitor Rua, na Rua do Arco de S. Mamede, em Lisboa, onde trabalha até 1996.

Neste período, os Telectu compõem a peça “Palolo” e o poeta e critico de arte João Miguel Fernandes Jorge lança o livro “António Palolo” (Coleção “Arte de Hoje”, Quetzal Editores, Lisboa, 1988).

Numa saída à noite com ele e com o José de Carvalho fomos ao Trumps, no Principe Real em Lisboa, num momento de pesquisa sobre a experiência do olhar e da fenomenologia dos corpos libertos em movimento sob os holofotes, ao ritmo de música eletrónica. O fetiche é assim mesmo perfeito. Faz sentido pô-lo na obra de arte(18). É a perceção do movimento e da forma, a figura dentro de um fundo visual a transmutar para a tela. Sempre usou o corpo como meio para ampliar a perceção da realidade.

Era um artista muito cerebral, falava apenas o essencial, mas não era tímido. A sua linguagem é sempre reflexiva, portadora de um conhecimento pragmático da vida. Nesta fase, os seus trabalhos aproximam-se da transvanguarda e do neoexpressionismo. Aprofunda a ideia da pintura como mensagem ótica.

Década de 1990: O geométrico é pré-humano

A sua pintura regressa ao abstracionismo geométrico porque o geométrico é pré-humano. “Pintar pode ser o movimento caótico da tinta (…) pintar é existir à distância, entrar no labirinto do mundo e encontrar a figura noturna do mal (…) pintar é exorcizar os espíritos do mal”(19).

Em 1991 vai a Nova York com Jorge Lima Barreto e Vítor Rua, os quais vão fazer umas gravações dos Telectu, aí se espraia a ver livros e revistas. No mesmo ano monta a antologia com fotocópias realizadas no Centro Nacional de Cultura, em 1983, quando o cometa Halley passava rente à Terra. Em duas semanas de intensivo trabalho manipula o policopiador da Xerox, congemina ícones, astros, corpos, arquitetónica, concretismo, abstração e comentário social e faz fotocopias a preto e branco. Este conjunto pertence à coleção de Vítor Rua, está patente na exposição “António Palolo—Fotocop”, com curadoria de Eva Mendes, na Galeria Madames & Messieurs, em Lisboa.

Tem uma ligação contratual com a EMI-Valentim de Carvalho onde realiza uma exposição individual (1991). Na individual da Fundação Calouste Gulbenkian (1992), que a seguir irá a Évora, apresenta uma série de desenhos caraterizados por formas cinéticas muito simples, mas muito ritmadas. Em 1994, a Galeria Porta 33, no Funchal, apresenta “Palolo” 1992/1993 onde “a riqueza cromática desta certeza sensível (…) segue modalidades de saber e apropria-se da singularidade de visadas barras de cor” (20).

Participa em exposições coletivas institucionais, “Fragmentos de um Museu Imaginário”, na Fundação de Serralves, no Porto, e em Lisboa na antológica “Anos 60, Anos de Ruptura”, no Palácio Galveias, no âmbito da Capital Europeia da Cultura.

A Fundação Calouste Gulbenkian dedicou-lhe em 1995 a retrospetiva: “António Palolo, 1963/1995”. Três das cinco telas “S/Título” que fez para a retrospetiva foram adquiridas em 1996 pela própria Fundação. Esta retrospetiva é acompanhada pelo documentário “A. Palolo – Ver o Pensamento a Correr”, de Jorge Silva Melo, onde João Miguel Fernandes Jorge afirma: “Foi o Palolo que me ensinou a sentir o meu olhar”. E eu acrescento: foi a ele e a muita mais gente.

É na sua casa de Benfica que António Palolo realiza em 1998 a pintura “S/Título” especificamente para a exposição coletiva “Linhas de Sombra” que a Fundação Calouste Gulbenkian apresenta, em 1999, com curadoria de João Miguel Fernandes Jorge & Helena de Freitas. Nos últimos trabalhos de pintura aplica frequentemente soluções pictóricas próximas do fotograma.

Vou sempre até ao fim, a opção é total. Ao longo de quatro décadas, António Palolo revela um forte instinto plástico caracterizado pela diversidade a nível das inspirações formais e das múltiplas técnicas de criação. Aplica de forma inteligente a cor e a luz, onde cruza movimentos de variados movimentos artísticos: informalismo, abstracionismo, neodada, pop-arte, novo realismo, hard edge-painting, conceptualismo, geometrismo, minimalismo, figuração e neoexpressionismo. A construção experimental da imagem nas suas obras é uma combinação de linguagens, também nos filmes ressalta a cor, é energia poética, psíquica e psicadélica.

É uma personagem aberta, com uma precisão de silêncio impressionante do olhar. Porém, uma vez disse-me no Café Portugal em Évora: “Preciso de entrar em hibernação”. A obra do João tem muitas representações simbólicas de Évora, a paisagem alentejana habita a sua paisagem interior, mas a luz de Évora é uma fonte que o inspira e angustia. Uma vez perguntei-lhe: “Tens medo da morte?” Respondeu-me: “Não sei, ainda não a experimentei”.

NOTAS

(1) Maria Arlete Silva, “Observador”, 10/1/2025;
(2) Maria Helena Freitas, “O Sistema Palolo”, Fundação Calouste Gulbenkian, 1995;
(3) Observador, 10.1.2025;
(4) Conversa com o artista Joaquim Tavares;
(5) Informação de Fernando Gameiro;
(6) Arquivo Municipal, Cx 22, Proc. 44;
(7) Jorge Silva Melo, “A. Palolo – Ver o Pensamento a Correr”, 1995;
(8) “Álvaro Lapa”, Assírio & Alvim, 2007;
(9) Arquivo RTP
(10) “Charrua”, Museu de Évora 2002;
(11) “Charrua”, Museu de Évora 2002;
(12) “Álvaro Lapa”, Assírio & Alvim, 2007;
(13) Arquivo RTP
(14) Jorge Silva Melo, “A. Palolo – Ver o Pensamento a Correr”, 1995;
(15) Maria Helena Freitas, “O Sistema Palolo”, Fundação Calouste Gulbenkian, 1995;
16.António Palolo por Joaquim Manuel Magalhães, Na Regra do Jogo, 1978;
(17) Arquivo RTP;
(18) Arquivo RTP;
(19) Arquivo RTP;
(20) João Miguel Fernandes Jorge, “Uma Quase Certeza Sensível”. Catálogo da exposição “Palolo” 1992/1993, na Galeria Porta 33

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