Depois de cerca de um ano fechado para obras, com uma cerca que impedia o acesso ao monumento, os Almendres reabriram.
Já tive oportunidade de, publicamente, dar uma nota muito positiva às instituições envolvidas, por (com 2027 no horizonte) finalmente terem decidido fazer alguma coisa para valorizar o extraordinário património megalítico eborense.
Porém, como cidadão e utilizador frequente dos Almendres, discordo veementemente de algumas das soluções adotadas. Neste texto, por limitações de espaço, vou apenas concentrar-me na questão da “reposição dos níveis do solo e reposição do coberto vegetal”, justificada, num painel afixado junto ao monumento, nos seguintes termos:
“O pisoteio excessivo tem vindo a fazer desaparecer a vegetação, um elemento essencial para travar a ação erosiva das chuvas sobre os solos (…). Acabámos de efetuar uma ação de conservação que implicou a reposição dos níveis do solo e a reposição do coberto vegetal”.
Como corolário, explicita-se que não é permitido pisar na “zona interior do recinto megalítico”. Era ponto assente e consensual o facto de que havia que repor “os níveis do solo”. No entanto, o que foi feito consistiu em despejar e espalhar, no interior do recinto, 600 metros cúbicos de terra (ainda por cima, como já tinha acontecido em 2012, cheia de entulhos modernos, nomeadamente tijolo, cimento, azulejo…) e, sobre ela, semear um prado “natural”.
Ora, não creio que seja preciso sermos especialistas para entender que a erosão dos solos, no interior do recinto, não foi homogénea: basta pensar que os visitantes, por razões óbvias, não pisoteiam junto aos menires, mesmo que se encostem a eles. Pelo que a erosão, provocada pelo pisoteamento, se exerce entre os menires, mas não junto a eles.
O resultado, é que junto aos menires ficava um microrrelevo, nalguns casos com as pedras de calce visíveis, onde microprados naturais iam dando o ar da sua graça (ver imagem mais pequena).
Já agora, esperamos atentamente que o arquivo, legado por Henrique Leonor Pina à Câmara Municipal de Évora, seja organizado e disponibilizado publicamente, uma vez que existem aí certamente elementos para avaliar os “níveis do solo” antes de os visitantes começarem a pisotear os Almendres de forma significativa.
Sobre o facto de, em alguns casos, aparecerem as pedras de calce, convém recordar que quando se ergue um menir essas pedras enchem, por definição, as folgas no buraco (alvéolo) onde este é colocado, até à superfície ou mesmo um pouco acima, sendo por isso, um excelente indicador do nível do solo aquando da implantação do menir.
Na verdade, para além dos aspetos atrás referidos, existem muitos outros elementos para avaliar o “nível do solo” antes dos efeitos erosivos da “excessiva” visitação se terem começado a fazer sentir: pense-se um pouco nos menires tombados, nos fragmentos de menires, nos menires pequenos, no menir 64, com gravuras na parte inferior, e nos próprios marcos de cimento implantados para assinalar menires desaparecidos.
Em suma, dos 600 metros cúbicos de terra despejados em cima dos Almendres, pelo menos dois terços estão a mais e devem ser retirados.
No que diz respeito ao prado, a dita “reposição do coberto vegetal”, levanta vários problemas, nomeadamente:
1 – Para se poder manter, implica a exclusão dos visitantes, decisão autoritária que limita gravemente os direitos do público. Os visitantes deixam de poder ver as gravuras ou de apreciar integralmente o monumento. Sendo claro que, ao contrário do que se tem procurado fazer crer, o monumento não é frágil, a erosão nunca teve as dimensões nem as consequências que se anunciaram, e a visita livre, só por si, não terá, certamente, nenhum efeito negativo;
2 – Acrescenta ao excesso de terra, a altura do prado, sobretudo antes de cada corte. Na primavera passada fotografei, em mais que uma ocasião, o prado com cerca de 40 centímetros, o que a juntar aos cerca de 25 centímetros de terra implica que deixamos de ver mais de meio metro em cada menir. No caso dos menires pequenos, por exemplo, ou da gravura do menir 64, originalmente a um palmo do chão, imagine-se…
Para concluir, uma nota de esperança: a terra (e o entulho) que foram depositados indevidamente, nos Almendres, podem ser retirados e o sítio pode voltar a ser um terreiro, com ou sem prado. Os Almendres podem e devem voltar a ser um sítio público, visitável e visitado, como pensou Henrique Leonor Pina e os que, depois dele, se esforçaram no estudo, divulgação e valorização do monumento.
Ficaram, de fora, neste breve texto, muitos aspetos que devem ser pensados e discutidos, no que diz respeito aos Almendres. Para quem esteja interessado no tema, pode encontrar material (tex- to e imagens) na página https://oenterrodosalmen-dres.blogspot.com/.
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