Associação avança com providência cautelar para proteger Casa do Alcaide

A Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos entregou providência cautelar para obrigar o proprietário ou o Estado a colocar cobertura no edifício, classificado como Monumento Nacional. Luís Godinho (texto) e Hugo Francisco (fotografia)

A Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos (APAC) interpôs uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja para “forçar a execução de medidas de proteção” da Casa do Alcaide-Mor, em Estremoz, classificada como Monumento Nacional. O objetivo é que a empresa proprietária do imóvel ou o Património Cultural – Instituto Público (IP), que tem a tutela do conjunto classificado, intervenham para salvaguardar o edifício.

Recorde-se que em janeiro de 2022 a associação apresentou uma queixa-crime contra várias entidades envolvidas no processo de licenciamento da obra de adaptação da Casa do Alcaide a “hotel de charme”, tendo desde logo alertado “para a necessidade de se tomarem medidas de proteção da obra, entretanto interrompida e de provida de proteção adequada contra a intempérie”.

Mais de dois anos depois, com esse processo ainda em decorrer e “sem que da parte de qualquer das entidades visadas”, incluindo a então Direção Regional de Cultura do Alentejo e o Município de Estremoz, “fossem tomadas quaisquer medidas de proteção do monumento”, a associação decidiu apresentar esta providência cautelar.

“Entende a APAC que os maus-tratos a que o monumento foi sujeito com as obras de adaptação realizadas não justificam que se deixe ao abandono quer a estrutura de betão armado entretanto construída, quer, sobretudo, a nova fachada e as abóbadas do rés-do-chão que escaparam às demolições, quer, ainda, as paredes das instalações anexas à casa principal, não abrangidas pela intervenção e igualmente incluídas no conjunto classificado”, refere fonte da associação, exigindo a colocação de uma cobertura provisória para salvaguardar o que resta do edifício.

Na providência cautelar, a APAC lembra que cabe ao Património Cultural IP, desde janeiro deste ano, a competência para “tomar as medidas provisórias ou as medidas técnicas de salvaguarda indispensáveis e adequadas para impedir a destruição e deterioração de bens classificados”. Ou seja, sobre este Instituto “atenta a sua missão e atribuições, incide um dever de adoção de medidas tendentes a evitar a destruição ou deterioração de qualquer bem classificado de Monumento Nacional, devendo a mesma diligenciar e prover quanto à sua conservação e integralidade, mesmo oficiosamente, o que não fez”.

Por outro lado, prossegue o texto da providência cautelar, a empresa proprietária do edifício, “por razões que se desconhece”, suspendeu a obra há cerca de dois anos, “tendo permanecido apenas o piso do rés do chão no seu traço original, sendo deteriorado tudo o resto (pisos superiores e fachada principal), encontrando-se o referido Monumento Nacional (isto é, o edificado principal propriamente dito, e toda a área que o circunda, também ela classificada), ao dia de hoje, e desde então, sem cobertura de proteção/conservação, aberto por cima em toda a sua área e, por via disso, exposto à natural degradação resultante da exposição das suas paredes interiores e exteriores às intempéries e outros fenómenos naturais adversos”.

Sem a colocação dessa cobertura, adverte a associação, existe o risco das “poucas partes que sobraram intactas na sua arquitetura originária (mas também as já reconstruídas, mormente as dos pisos superiores)” ficaram “sujeitas à natural degradação (senão mesmo colapso integral)”.

Na providência cautelar, a Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos pede ao tribunal que “imponha” à empresa proprietária do edifício “a colocação de uma cobertura provisória elevada de proteção/ conservação sobre a Casa do Alcaide-Mor e seus anexos”, ou então, que o Património Cultural IP “seja instado a fazê-lo, adotando tal medida provisória”, prevista na lei, “assim se acautelando a continuidade da deterioração do Monumento Nacional em causa por via da exposição das suas paredes interiores e exteriores a intempéries e outros fenómenos naturais adversos”.

O documento recorda que, no essencial, os factos narrados ao tribunal “são do conhecimento público”, em especial no concelho de Estremoz, e “evidenciam à saciedade a delapidação de importante património histórico e cultural classificado por via da intervenção (realização de obras) que vinha sendo feita, sem se salvaguardar a sua identidade e autenticidade, e muito mais ainda se, pelo menos, não se acautelar que o referido monumento se mantenha, no mínimo, no seu estado atual”.

A APAC lembra que o edifício foi mandado construir para residência do alcaide-mor de Estremoz em meados do século XV, dispondo de “fachada principal rasgada por janelas de tipologia manuelina-mudéjar” e que, “atento o seu elevado interesse histórico” foi classificado em 1924, representando “um valor cultural de tremendo significado para a nação, cuja proteção e valorização, no seu todo, se impunha (e impõe)”.

O imóvel era propriedade da Câmara de Estremoz, tendo sido vendido em hasta pública em agosto de 2018, encontrando-se desde há longa data “em mau estado de conservação, chegando a abater a cobertura e algumas paredes interiores”.

Proprietária e Estado contestam providência

Tanto a empresa Barrocas, proprietária da Casa do Alcaide-Mor, como a Património Cultural IP contestaram a providência cautelar apresentada pela Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos (APAC) no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.

Na sua contestação, a Barrocas refere que a manutenção de uma cobertura provisória de proteção/conservação do imóvel, como pretendido pela APAC, constitui “uma solução inadequada à composição definitiva de um litígio ou à satisfação do interesse ou direito alegado (…) à fruição do bem classificado Monumento Nacional que é a Casa do Alcaide-Mor”.

A empresa acrescenta que a associação pretende, por um lado, a colocação da cobertura provisória e, por outro, a realização de “todas as obras necessárias à integral proteção e conservação”, o que entende ser contraditório: “Que sentido faz condenar alguém a fazer as obras necessárias à proteção e conservação de um qualquer património e simultaneamente impor-lhe que coloque uma estrutura que, fazendo essas obras, seria absolutamente desnecessária ao fim a que destinaria?”, interroga.

No texto refere ainda que a solução provisória apontada, a tal cobertura numa estrutura metálica, “esquece o importante elemento estético e o respeito pela zona classificada envolvente”, instalando no centro histórico da cidade “uma estrutura que se antevê monstruosa e desrespeitadora do património imobiliário cultural e monumental envolvente”.

A empresa assegura que a sua intervenção no imóvel “não foi nem se encontra suspensa”, tendo ficado concluída em março de 2022. “A intervenção realizada no imóvel (…) teve como objetivo parar a degradação e proceder ao travamento da fachada principal do edifício e dos elementos construtivos ainda em condições de serem salvaguardado”, sublinha a Barrocas, assinalando que a obra “recolheu pareceres favoráveis e foi devidamente autorizada por todas as autoridades competentes envolvidas”, designadamente pela Câmara de Estremoz, Direção-Geral do Património Cultura e pela então Direção Regional de Cultura do Alentejo.

Na contestação, a empresa garante que todos os elementos identificados como de interesse patrimonial “foram considerados na intervenção realizada e encontram-se protegidos e preservados” e que “as paredes que irão permanecer no projeto de construção – fachada e abóbadas no piso térreo, estão protegidas ou foram reabilitadas”, não existindo qualquer risco de “perda”.

O Património Cultural IP também contestou a providência cautelar, considerando ser “parte ilegítima” uma vez que “não [lhe] cabe executar trabalhos de conservação ou de qualquer outro tipo (…) em imóveis que não sejam propriedade do Estado e que por ato legislativo expresso não lhe estejam afetos”.

Desta forma, e embora tendo sido criado para “assegurar a gestão de monumentos, conjuntos e sítios arqueológicos classificados considerados de excecional relevância”, conforme indicado na própria página eletrónica, o Património Cultural IP defende neste processo que lhe está “vedada a possibilidade de executar obras em imóveis pertencentes a particulares, ainda que estejam classificados” e considera mesmo que “seria estultícia julgar possível a intervenção nestes imóveis por parte de entidades públicas (…) atento o número incomensurável de imóveis e conjuntos urbanos classificados por esse país fora”.

Por outro lado, o Património Cultural IP entende existir “ilegitimidade” da APAC para a apresentação da providência cautelar, com recurso a uma ação popular, uma vez que não juntou aos autos qualquer documento, como a escritura de constituição, a comprovar “os seus direitos civis e políticos”.

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