Autárquicas, PRR e novo Hospital marcam 2025, o ano de todos os desafios

Das autárquicas em outubro ao atraso nas obras do novo Hospital Central do Alentejo, das incertezas quanto à ferrovia às dificuldades na execução do Plano de Recuperação e Resiliência, do “devagar” da Capital Europeia da Cultura ao arranque da Barragem do Pisão, 2025 é um ano crucial para o futuro próximo do Alentejo. Luís Godinho (texto) e Cabrita Nascimento (fotografia)

Um dos segredos mais mal guardados de 2024 foi desvendado em dezembro: Carlos Zorrinho será o candidato socialista à Câmara de Évora. A apresentação da candidatura teve direito à presença do próprio secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, sinalizando a prioridade dada pelo partido à recuperação da maior autarquia alentejana.

“Depois do erro de casting que foi a escolha de há quatro anos, depois de uma oposição de tal modo frouxa que incluiu a viabilização dos quatro orçamentos apresentados pelo PCP, não o espera uma tarefa fácil”, antecipa um ex-dirigente da Federação de Évora do PS, acrescentando que o candidato socialista terá ainda um outro desafio pela frente: “A atividade política do Carlos Zorrinho não tem estado centrada em Évora, foram muitos anos entre Lisboa e o Parlamento Europeu, e a sua notoriedade, sobretudo junto dos eleitores mais jovens, não será a mesma que a do Henrique Sim-Sim”.

Por outro lado, Portalegre continuará a ser uma “dor de cabeça” para os socialistas – há 24 anos que o Município é dominado pelo PSD -, mas o regresso de Nuno Mocinha como candidato à Câmara de Elvas foi recebido com entusiasmo. A aguardá-lo terá um combate difícil, sendo que um dos fatores de incerteza será a dimensão do resultado obtido pelo Chega. “É um discurso que poderá fazer estrago no eleitorado tradicional de Rondão de Almeida e abrir caminho ao Nuno”, antecipa fonte partidária.

A vitória por “poucochinho” (94 votos) de Álvaro Azedo em Moura nas últimas autárquicas alimenta a esperança da CDU em “roubar” a Câmara aos socialistas, à semelhança do que sucede em Mora, para onde está anunciada uma candidatura independente formada por dissidentes do PS.

Vendas Novas será outro caso a seguir com atenção. De cinco vereadores em 2017 os socialistas passaram para dois, o ex-presidente, Luís Dias, saiu a meio do mandato, para ocupar o lugar de deputado, e a escolha de Paula Valentim como candidata provocou divisões internas, com a oposição do atual presidente, Valentino Cunha. É um conjunto de circunstâncias que leva o PSD a acreditar na possibilidade de somar mais uma autarquia no distrito de Évora.

O partido que mais arrisca nas eleições de outubro é mesmo o PCP. Em oito municípios (Alcácer do Sal, Avis, Arraiolos, Cuba, Évora, Grândola, Monforte e Santiago do Cacém) os presidentes atingem o limite de mandatos, não se podendo recandidatar. Se em Avis causa perplexidade a não existência, ainda, de candidato, em Alcácer do Sal e Grândola a proximidade entre CDU e PS é grande, na ordem dos 4%, com os socialistas a acreditarem que irão recuperar a liderança destes dois municípios e, com ela, a da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Litoral.

ATRASOS E INCERTEZA NA FERROVIA

Se tudo correr como previsto, o ano que agora se inicia ficará marcado, enfim, pela conclusão da nova linha ferroviária entre Évora e Caia, inicialmente prevista para 2019, depois anunciada para 2022. Em fevereiro do ano passado, o presidente da Infraestruturas de Portugal (IP), Miguel Cruz, anunciava a conclusão dos trabalhos para o primeiro semestre desse ano, o que não sucedeu, e garantia que a linha estaria operacional em 2025, o que não é certo, pois serão necessários testes de segurança e trabalhos adicionais, incluindo a sinalização da via.

“Temos dado particular destaque à circulação de mercadorias, até por causa da ligação a Espanha, mas a linha está preparada para as duas funções, mercadorias e passageiros, e isso introduziu uma complexidade significativa do ponto de vista do cumprimento dos requisitos técnicos”, explicou o presidente da IP.

A nova Linha de Évora está incluída no projeto de criação do Corredor Internacional Sul, que irá ligar Sines à fronteira com Espanha, num investimento global superior a dois mil milhões de euros. Por decidir está ainda a construção de um terminal ferroviário entre Alandroal e Vila Viçosa, que a Infraestruturas de Portugal diz ter “viabilidade económica”, e a sua eventual utilização para o transporte de passageiros

“Aquilo que sabemos é que se mantêm em estudo as duas opções, tanto para carga como para passageiros, sendo que em relação às mercadorias o atual Governo assumiu os compromissos do anterior no que diz respeito ao interesse estratégico do terminal e à elaboração dos respetivos projetos técnicos”, diz João Grilo, presidente da Câmara de Alandroal e da Agência de Desenvolvimento Regional do Alentejo| (ADRAL).

A previsão inicial aponta para um investimento superior a 11 milhões de euros, sendo depois o terminal concessionado a um ou mais operadores privados para explorarem a parte logística e viabilizarem o investimento público. Esse modelo de exploração “está por definir”, acrescenta João Grilo, dizendo estar sobre a mesa um convite ao ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, “para visitar a região e falarmos sobre isto”.

O autarca e presidente da ADRAL adverte que o projeto técnico “terá de dar suporte” às duas valências, pois “é perfeitamente viável ter num mesmo local um apeadeiro para passageiros e, simultaneamente, um terminal de carga para dar resposta à economia” local e regional. “Continuamos todos a bater-nos por estas soluções porque não cabe na cabeça de ninguém que uma nova linha, com esta extensão, não tenha resposta no território”, refere ainda João Grilo, considerando tratar-se de um “projeto-âncora” para o Alentejo. “É preciso que o Governo se responsabilize por ser parte da solução”, conclui.

Ainda em matéria de ferrovia, em 2025 deverá ficar desenhado o futuro da Linha do Alentejo, designadamente a reabertura, ou não, do ramal da Funcheira, reivindicado por autarcas e empresários para permitir uma ligação direta entre Beja e Faro – atualmente, um passageiro que viaje do Alentejo interior para o Algarve é obrigado a deslocar-se ao Pinhal Novo. Também em aberto está a possível ligação ao aeroporto de Beja, atualmente em estudo.

Certo é o anunciado encerramento do troço de 63,5 quilómetros entre Casa Branca e Beja, agendado para o próximo ano, para permitir a eletrificação da linha, num projeto de 300 milhões de euros. O Ministério das Infraestruturas reconhece que os trabalhos não seriam incompatíveis com a circulação ferroviária, mas refere que essa opção “teria um impacto negativo muito elevado no custo e prazo da obra, a que acresce a elevada probabilidade da existência de atrasos nos serviços ferroviários”.

Em aberto continua o prolongamento do Intercidades entre Lisboa e Évora até Elvas e, daí, a Portalegre, previsto no Plano Ferroviário Nacional. “Com a construção da nova ponte sobre o Tejo, combinada com a eletrificação da Linha do Leste, a ligação ferroviária de Lisboa a Portalegre torna-se competitiva com o automóvel, igualando o seu tempo de viagem de cerca de 2h15”, refere o documento.

HOSPITAL MARCA PASSO

A marcar passo, em 2025, continuará a obra do novo Hospital Central do Alentejo. Em junho de 2023, o então ministro da Saúde, Manuel Pizarro, “arregimentou as tropas” para uma visita às obras do novo Hospital Central do Alentejo, aproveitando a presença do primeiro-ministro e, sobretudo, das câmaras de televisão para anunciar que o “mais moderno” hospital do SNS iria “entrar ao serviço das pessoas já em 2024”. Sendo notório que 2024 já lá vai, e que a obra continua sem fim à vista, será de supor que a inauguração anunciada já pelo atual Governo para “meados de 2025” não será para levar à letra.

Chegados ao início do ano, ainda não há projetos de ligação elétrica à nova unidade de saúde o que, de acordo com o presidente da Câmara da Évora, impede o lançamento do concurso para a construção dos acessos e da rede de abastecimento público. Alega Carlos Pinto de Sá que a infraestrutura elétrica poderá obrigar a alterações nos projetos para acessibilidades e abastecimento pelo que os concursos só serão lançados quando a situação estiver resolvida.

“Teremos muita sorte se a obra de construção for mesmo concluída em 2025, mas não acredito que entre em funcionamento, pois há procedimentos que estão por realizar e verbas que são claramente insuficientes”, diz fonte conhecedora do processo, apontando, por exemplo, que os 30 milhões de euros previstos para a aquisição de equipamentos “terão obrigatoriamente de ser substancialmente reforçados”, desde logo pela subida de preços nos últimos anos.

Mas há mais. “Para aquisição desses equipamentos será necessário recorrer aos procedimentos da contratação pública internacional e nada disso está feito”, acrescenta.

Quando inaugurado, o hospital terá um total de 351 camas em quartos individuais, que podem aumentar para 487, a que se somam 30 camas de cuidados intensivos, 15 de cuidados paliativos, 11 blocos operatórios, cinco postos de pré-operatório e 43 postos de recobro. Trata-se de um projeto com a assinatura do arquiteto Souto Moura, “uma obra linda”, na expressão do ex-ministro Manuel Pizarro, mas que continua de adiamento em adiamento e envolta em polémica, depois do Tribunal de Contas ter detetado vários contratos ilegais.

OS VAGARES DA CULTURA

Ainda por Évora, em 2025 ir-se-á saber em que pé fica a Capital Europeia da Cultura, cujo lema “vagar”, se transformou em “devagar”, conforme antecipado na manchete do primeiro número da “Alentejo Ilustrado”, em outubro de 2023. A dois anos da abertura, e depois de uma acesa polémica que culminou com o afastamento da equipa que coordenou a candidatura, liderada por Paula Mota Garcia, o projeto continua sem diretor artístico, lugar que terá de ser preenchido por concurso público internacional, ainda não lançado.

Numa carta à Comissão Europeia, os direto- res artísticos das atuais e futuras capitais da cultura dizem não poder “ficar reféns” de resultados eleitorais e consideram que a saída de Paula Mota Garcia veio criar uma “situação de crise”. Por entre acusações de “partidarização” do projeto, a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, e a presidente da Associação Évora_27, Maria do Céu Ramos, vão ser ouvidas no Parlamento, com a responsável pelo mesmo a lamentar atitudes que “prejudicam gravemente o projeto”.

Neste contexto, e com pouco mais de um ano para tratar da programação, o cargo de diretor artístico “não será propriamente muito estimulante para quem está a desempenhar funções noutras estruturas artísticas”, comenta uma fonte do sector, dando também “como adquirida” a impossibilidade de executar em tempo útil a totalidade das propostas apresentadas na candidatura, designadamente o futuro Centro Cultural de Utilizações Múltiplas [pavilhão multiusos], a construir nas proximidades das Portas de Avis, e que será o investi- mento mais elevado no âmbito da candidatura: 12 milhões de euros.

“É um projeto que será complicado do ponto de vista da sua concretização, até do financiamento, pois necessita de garantias adicionais”, reconhecia o presidente da Câmara de Évora em outubro de 2023, em entrevista à “Alentejo Ilustrado”.

Passado um ano e meio, o concurso para conceção [arquitetura] e construção continua por lançar. Tal como por lançar está o primeiro aviso para que os agentes locais candidatem projetos a integrar a programação. De acordo com o dossiê de candidatura, haverá três open calls (denominadas “A Nossa Voz”, “A Nossa Vez” e “O Nosso Festival”), num investimento global de 3,3 milhões de euros destinados a financiar 54 projetos “de pequena e média escala”. Nenhum está lançado.

PISÃO E O PRR

A maior obra do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) iniciar-se-á em breve. Ou não. “Esperamos começar as obras das Infraestruturas primárias ainda em janeiro”, dizia em dezembro o presidente da Co- munidade Intermunicipal do Alto Alentejo (Cimaa), Hugo Hilário. Nesta primeira fase, será construída a barragem, propriamente dita, num investimento de 65 milhões de euros. A que se seguirá a rede de rega.

Globalmente, o projeto está orçado em 151 milhões de euros, dos quais 141 milhões decorrem do PRR. “Ainda não lançámos o concurso para as Infraestruturas secundárias, está em processo final de preparação, esperamos lançá-lo no início do ano”, acrescenta Hugo Hilário.

O problema, conforme noticiado pela “Alentejo Ilustrado”, é que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco anulou, já em janeiro, a Declaração de Impacte Ambiental do projeto, numa ação colocada por diversas estruturas ambientalistas. Os autarcas acreditam que será possível desbloquear o “entrave”, mas o risco de atraso é claro.

Com a construção da barragem será necessário deslocalizar a Aldeia do Pisão, no concelho do Crato, que conta atualmente com cerca de 110 casas e 70 habitantes. A aldeia ficará inundada, pelo que uma nova povoação irá nascer junto ao lugar do Monte da Velha, num projeto cuja apresentação está prevista para o início deste ano.

Segundo Joaquim Diogo, presidente da Câmara do Crato, “neste momento, todas as componentes deste projeto estão em conformidade ambiental”, ainda que com algumas condicionantes, naturais de um projeto com esta dimensão, e que estão “devidamente calendarizadas e identificadas”.

Hugo Hilário considera tratar-se de um projeto “diferenciador para a região”, tanto no abastecimento público de água como na produção de energia. O autarca destaca ainda o potencial da futura albufeira em termos agrícolas, pois irá permitir o investimento em novas culturas, principalmente no que ao regadio diz respeito. A que acresce “o potencial turístico com a consequente criação de novas oportunidades de negócio”.

O Pisão foi adjudicado. Mas no que ao PRR diz respeito não tem sido fácil encontrar empresas interessadas em adjudicar as obras, o que constitui um outro desafio para 2025.

“Todos os autarcas estão a sentir o problema dos concursos que ficam desertos, o que dificulta a execução do PRR. Sentimos muito essa dificuldade em adjudicar as obras, a mão-de-obra está escassa, os empreiteiros selecionam as obras que lhes garantem maior rentabilidade e muitas vezes lançamos os concursos com um determinado valor e ninguém concorre, pois os empreiteiros consideram-no baixo”, resume Manuel Valério, presidente da Câmara de Sousel. Outra das dificuldades que também nos é referida prende-se com os materiais, cujo preço tem subido bastante, o que leva algumas empresas a recusar a adjudicação de obras.

O presidente da ADRAL reconhece a existência de “alguma preocupação” associada à execução dos fundos comunitários e, sobretudo, do PRR “face aos prazos que temos no horizonte, pois todos os projetos terão de estar concluídos no primeiro trimestre de 2026 e, neste momento, os municípios estão já, de alguma forma, a tentar sensibilizar o Governo para que, junto da União Europeia, consiga uma prorrogação dos prazos de execução, nem que seja apenas por um período de seis meses”.

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